Literatura
Textos de Aristóteles
Por:
André Vergez e Denis Huisman
AS QUATRO CAUSAS
Esse texto, extraído da Física, distingue a
causa material,a causa formal, a causa
eficiente e a causa final.
Num sentido, a causa é aquilo de que uma
coisa é feita e que lhe permanece imanente;
o bronze, por exemplo, é a causa da estátua.
Em outro sentido, ela é aquilo e que advém o
primeiro começo da mudança ou do repouso; o
autor de uma decisão, por exemplo, é causa,
o pai é causa do filho e, em geral, o agente
é causa daquilo que é feito, o que produz a
mudança do que é mudado. Em último lugar, é
o fim, isto é, a causa final; a saúde, por
exemplo, é causa do passeio; de fato, por
que ele passeia? É por causa de sua saúde,
diremos. Com essa resposta, pensamos ter
dado a causa. Entenda-se, também pertence à
própria causalidade tudo aquilo que, movido
por algo que não si mesmo, é intermediário
entre esse motor e o fim; no caso da saúde,
por exemplo, o emagrecimento, a purgação, os
remédios e os instrumentos, pois todas essas
coisas visam a um fim e só diferem entre si
como ações e instrumentos.
A SORTE E O ACASO
Aristóteles, mostra, com sutileza, que essas
noções traduzem uma falsa aparência de
finalidade. Aparência de intenção humana (é
a “sorte”) quando um credor encontra seu
devedor sem o procurar, com se o tivesse
feito. Aparência de finalidade natural (é o
acaso) quando um tripé, lançado ao ar, cai
fortuitamente sobre os próprios pés (como se
fosse um fenômeno finalizado). Bergson
seguirá Aristóteles muito de perto quando
escrever em As duas fontes: “O acaso é o
determinismo que se comporta como se tivesse
uma intenção”.
Quando um caráter acidental se apresenta nos
fatos que são produzidos em vista de um fim,
fala-se, então, de efeitos de sorte e de
acaso. Mais adiante estabeleceremos a
diferença entre essas duas coisas;
limitemo-nos, no momento, à verdade evidente
de que elas pertencem às coisas às quais se
aplica a determinação teleológica. Por
exemplo: Um homem poderia, se soubesse,
dirigir-se a certo local para receber seu
dinheiro, uma vez que seu devedor está ali,
recebendo o montante de uma subscrição; o
credor vai a esse lugar, mas não por isso;
porém aconteceu-lhe acidentalmente, tendo
vindo, ter vindo para receber seu dinheiro;
e isso não porque ele frequente esse local
muitas vezes ou necessariamente; e o fim,
isto é, o saldo da dívida, não se inclui
entre as causas finais imanentes, mas
depende de escolha e de pensamento; nessas
condições, então, diz-se que ele foi ao tal
lugar por efeito da sorte.
Se, pelo contrário, tivesse ido por escolha
e visando a esse fim, porque frequentasse o
lugar constantemente ou porque ali recebesse
seu dinheiro em várias ocasiões, não haveria
efeito da sorte.
Vê-se, então, que a sorte é uma causa
acidental que advém às coisas que, tendo em
vista algum fim, dependem da escolha.
Por outro lado, fala-se de boa sorte quando
ocorre um bem, de má sorte, quando é um mal;
de boa fortuna ou infortúnio, quando esse
bem e esse mal são consideráveis; em
consequência, quando alguém por pouco sofreu
um grande mal ou experimentou um grande bem,
fala-se ainda em boa fortuna ou infortúnio;
isso porque o pensamento os considera como
existentes, achando que, por pouco, não
passa de um desvio nulo. Além disso, a boa
fortuna, diz-se é coisa pouco segura e com
razão; pois a sorte não é certa; pois nenhum
efeito da sorte pode ser sempre, nem
frequentemente.
Resumindo, como já dissemos, a sorte e o
acaso são causas acidentais para coisas
susceptíveis de não se produzirem
absolutamente, nem frequentemente e, além
disso, susceptíveis de serem produzidas em
vista de um fim.
DIFERENÇA ENTRE O ACASO E A SORTE
Mas ambos diferem no sentido de o acaso
possuir maior extensão; de fato, todo o
efeito da sorte é casual, mas todo
acontecimento casual não é sorte. Desse modo,
existe sorte e efeitos da sorte, em tudo
aquilo que pode ser atribuído à boa fortuna
e em geral, à atividade prática. Assim é que
só nos objetos da atividade prática é que
necessariamente existe sorte. Uma prova
disso é que a boa fortuna é, ou quase é
identificada com a felicidade; ora, a
felicidade é uma certa atividade prática,
uma vez que é uma atividade prática
bem-sucedida. Em consequência, os seres que
não podem agir praticamente não podem
produzir qualquer efeito da sorte. Daí
resulta que nenhum ser inanimado, nenhum
animal, nenhuma criança são agentes de
efeito da sorte por não possuírem a
faculdade de escolher; ademais não são
susceptíveis de boa fortuna ou de infortúnio,
a não ser por metáfora; assim é que Protarco
dizia que as pedras de que são feitos os
altares gozavam de boa fortuna porque são
sacralizadas, ao passo que suas companheiras
são pisoteadas. Em compensação, essas coisas
podem, de algum modo, sofrer efeito da sorte
quando aquele que sobre elas exerce sua
atividade prática age por efeito da sorte;
de outro modo não seria possível.
Quanto ao acaso, ele pertence aos animais e
a muitos seres inanimados; assim, diz-se que
a chagada do cavalo é um acaso, quando, por
ela, ele encontrou a salvação sem que esta
última tivesse sido visualizada. Outro
exemplo: a queda do tripé é um acaso se,
após queda, ela fica sobre os pés para
servir de assento.
Em consequência, quando, no domínio das
coisas que ocorrem absolutamente visando a
um certo fim, acontecem coisas sem ter em
vista o resultado e tendo sua causa final
fora desse resultado, fala-se então de
efeitos do acaso; e de efeitos da sorte para
todos os efeitos do acaso que, pertencendo
ao gênero das coisas susceptíveis de serem
escolhidas, atingem os seres capazes de
escolha.
REFERÊNCIAS
VERGEZ,
André; HUISMAN, Denis. História dos
Filósofos ilustrada pelos textos.
Trad. Lélia de Almeida Gonzalez. 2ª ed. Rio
de Janeiro. Freitas Bastos,1972. P.
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