Artigo 2
Tornar Consciente o Inconsciente: Uma
tentativa Impossível
Por:
Sara Pain
Sendo o inconsciente definido como puro
processo e a conscientização como puro
resultado, seria necessário rever o sentido
da finalidade designada por Freud (1926) à
psicanálise, a saber, tornar consciente o
que é inconsciente. Com efeito, Freud
considerava que “há”, na vida psíquica, uma
potência que censura, excluindo do devir
consciente e da incidência sobre a ação, as
tendências que lhe desagradam. Chamamos
“recalcadas” a essas tendências. Elas
continuam inconscientes; quando nós nos
esforçamos para torná-las conscientes ao
paciente, suscitamos nele uma “resistência”.
Nos exemplos trazidos por Freud, constatamos
que o conteúdo dos fantasmas inconscientes
foram, um dia, conscientes e que seu
conteúdo corresponde a situações primordiais
de satisfação perversa. Ora, sendo que a
razão da conservação e da repetição desses
fantasmas é seu valor erógeno, o acesso à
consciência de suas representações, fora de
toda equivalência metafórica, indica a
possibilidade do sujeito, de lançar essas
situações ao apagamento cognitivo. Essa
perda de uma fonte de excitação parece-nos
ser possível, no tratamento, graças à
transferência que permite ao sujeito viver
novas situações erógenas, simbolizadas de
outra maneira.
Freud (1908) já tinha escrito que “os
fantasmas inconscientes ou sempre foram
inconsciente ou foram formados no
inconsciente, ou então, o que é o caso mais
frequente, foram outrora conscientes nos
sonhos diurnos e foram, em seguida,
esquecidos intencionalmente, lançados no
inconsciente por força do recalcamento”.
Visto que os conteúdos da consciência devem
ser elaborados, tudo aquilo que se torna
consciente deve ter passado pelo
inconsciente. O inconsciente não pode, pois,
ser concebido como uma moldura, mas como um
sistema de operações de transformação. Para
recalcar um conteúdo é necessário modificar
sua formulação e para dar-lhe de novo sua
inteligibilidade é preciso ainda transformá-lo,
talvez não para fazê-lo retornar à sua forma
de partida, mas a uma nova forma. Tomemos um
exemplo: D. tinha uma lembrança infantil de
seu pai entrando em casa, a mão envolta num
curativo (ele tinha sofrido um acidente de
carro). A lembrança não correspondia à
realidade, porque o braço tinha sido
engessado e a mão, pelo contrário, ficara
descoberta. Fazendo associações relacionadas
a essa lembrança, uma outra imagem emergiu
mostrando o pai encolerizado e pronto para
esmurrar uma mesa com punho. Entretanto, D.
fazia ideia de seu pai como um homem
bastante calmo. A lembrança do episódio da
cólera não poderia ter sido construída se
ela não tivesse sido recalcada e substituída
pelo fantasma da mão envolta num curativo,
“lembrança” impossível de esquecer, porque
ela não era realmente uma lembrança. Não
parece, nesse caso, que isso seja o
inconsciente que se torna consciente, mas o
conteúdo da lembrança-fantasma em questão,
afrouxada pelo inconsciente simbólico, pode
ser, de agora em diante, assimilada a um
esquema inconsciente cognitivo, como
experiência inteligível.
REFERÊNCIAS
PAÍN, Sara. A função da Ignorância.
Trad. Maria Elísia Valliatti Flores. Cons.
Sup. Rev. José Luiz Caon; Marta D` Agord.
ed. ver. e atual. Porto Alegre: Editora
Artes Médicas Sul Ltda, 1999. P. 78-79.
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