Vol. XIV: Vitrais 96 - set 2021 

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers

ISSN 2317-0719

VITRAIS
Vol. XIV: Vitrais 96 - set 2021

 

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Reflexão

 

O ipê e o amigo

por: João Baptista Zecchin

 

Colaboração de Aurici Luciani, com o texto escrito pelo Padre João Baptista Zecchin

 

Não há florestas de ipês. Há ipês nas florestas.

Um aqui, outro lá. Como não há multidão de amigos. Há amigos na multidão. Raros, consistentes, mas poucos.

O ipê marca sua presença na paisagem, como o amigo marca sua presença na memória. O olhar espraia-se na distância e o amarelo esparso prende sua atenção. No espaço vasto da memória os amigos são lembrados com nitidez, em contraste com a multidão dos conhecidos.

No ipê, a flor é frágil e passageira. O tronco é sólido e resistente. O tronco é a alma. A flor é a palavra. No amigo, mais que na palavra é na alma que se apoia o coração que busca. Mais importante que aquilo que diz é aquilo que é.

O ipê fala pouco. Dá o seu recado e esconde-se no silêncio, para voltar na hora oportuna. Falasse o ano todo, não seria tão expressivo, como o amigo que não é falastrão. Sua palavra é tesouro e não se desperdiça na sonoridade vazia.

 O ipê chama a atenção, mas não se exibe. Cumprida sua tarefa, ele se perde na vegetação que o cerca. Com humildade e discrição

É assim o amigo. Presente na hora exata, não alardeia a amizade que oferece. A amizade é uma sintonia do espírito. Não é um cartaz colado na testa, nem um rótulo fixado no exterior.

O ipê nada pede. Nasce espontâneo e não fica a exigir cuidados.

Como o amigo, que não é interesseiro. Porque amigo que se move em troca de favores não é amigo. O amigo nunca deve e nunca cobra. Ele apenas é. E nisso está sua característica.

É generoso o ipê. Depois que encantou a tantos com o seu colorido, devolve logo suas flores à terra, da qual os recebeu, cobrindo-a de um tapete amarelo e vivo, da mesma cor da coroa de ouro com que a natureza o enriqueceu.

O amigo não se deixa vencer em generosidade. A prestatividade e a solicitude são para ele como o respirar. Brotam do seu ser com a naturalidade que nunca parece exigir esforço, sem aguardar retribuição.

Entre tantas lições que nos dá o ipê, esta, a da amizade, é das mais preciosas. Não é rico, porque não tem frutos. Consegue ser amado por aquilo que é e não por aquilo que tem...

Ele vem dizer, todos os anos, que a amizade é um tesouro. Como o ouro da cor que o reveste.

Cultive a amizade. Ela dura sempre. Os aplausos fugazes morrem e os elogios vazios desaparecem. Mas ela é forte como o tronco do ipê. É como a vida que não desiste. É o suporte de todas as outras coisas. E dá valor a todas elas.

 

REFERÊNCIAS

ZECCHIN, João Baptista. O Tomate, O Ipê e Outras Histórias: textos nascidos do cotidiano. SP: Vozes, 1999.