Reflexão
O ipê e o amigo
por: João Baptista Zecchin
Colaboração
de Aurici Luciani, com o texto escrito pelo
Padre João Baptista Zecchin
Não há florestas de ipês. Há ipês nas
florestas.
Um aqui, outro lá. Como não há
multidão de amigos. Há amigos na multidão.
Raros, consistentes, mas poucos.
O ipê marca sua presença na paisagem, como o
amigo marca sua presença na memória. O olhar
espraia-se na distância e o amarelo esparso
prende sua atenção. No espaço vasto da
memória os amigos são lembrados com nitidez,
em contraste com a multidão dos conhecidos.
No ipê, a flor é frágil e passageira. O
tronco é sólido e resistente. O tronco é a
alma. A flor é a palavra. No amigo, mais que
na palavra é na alma que se apoia o coração
que busca. Mais importante que aquilo que
diz é aquilo que é.
O ipê fala pouco. Dá o seu recado e esconde-se
no silêncio, para voltar na hora oportuna.
Falasse o ano todo, não seria tão expressivo,
como o amigo que não é falastrão. Sua
palavra é tesouro e não se desperdiça na
sonoridade vazia.
O ipê chama a atenção, mas não se exibe.
Cumprida sua tarefa, ele se perde na
vegetação que o cerca. Com humildade e
discrição
É assim o amigo. Presente na hora exata, não
alardeia a amizade que oferece. A amizade é
uma sintonia do espírito. Não é um cartaz
colado na testa, nem um rótulo fixado no
exterior.
O ipê nada pede. Nasce espontâneo e não fica
a exigir cuidados.
Como o amigo, que não é interesseiro. Porque
amigo que se move em troca de favores não é
amigo. O amigo nunca deve e nunca cobra. Ele
apenas é. E nisso está sua característica.
É generoso o ipê. Depois que encantou a
tantos com o seu colorido, devolve logo suas
flores à terra, da qual os recebeu, cobrindo-a
de um tapete amarelo e vivo, da mesma cor da
coroa de ouro com que a natureza o
enriqueceu.
O amigo não se deixa vencer em generosidade.
A prestatividade e a solicitude são para ele
como o respirar. Brotam do seu ser com a
naturalidade que nunca parece exigir esforço,
sem aguardar retribuição.
Entre tantas lições que nos dá o ipê, esta,
a da amizade, é das mais preciosas. Não é
rico, porque não tem frutos. Consegue ser
amado por aquilo que é e não por aquilo que
tem...
Ele vem dizer, todos os anos, que a amizade
é um tesouro. Como o ouro da cor que o
reveste.
Cultive a amizade. Ela dura sempre. Os
aplausos fugazes morrem e os elogios vazios
desaparecem. Mas ela é forte como o tronco
do ipê. É como a vida que não desiste. É o
suporte de todas as outras coisas. E dá
valor a todas elas.
REFERÊNCIAS
ZECCHIN, João Baptista. O
Tomate, O Ipê e Outras Histórias:
textos nascidos do cotidiano. SP: Vozes,
1999. |