Artigo 2
Reflexão sobre o processo social do
cooperativismo
por: Renata Christina Santos do Valle
Psicóloga. Sociopsicomotricista
Ramain-Thiers. Especialização em Coordenação
de grupos pela SBCG. ME em Psicologia pela
UCDB.
Tecendo a
Manhã
João Cabral
de Melo Neto
Um galo não
tece uma manhã:
ele precisará
sempre de outros galos.
De um que
apanhe esse grito que ele
e o lance a
outro; de um outro galo
que apanhe o
grito de um galo antes
e o lance a
outro; e de outros galos.
Que com
muitos outros galos se cruzem
Os fios de
sol de seus gritos de galo,
Para que a
manhã, desde uma teia tênue,
Se vá tecendo,
entre todos os galos.
E se
encorpando em tela, entre todos,
Se erguendo
tenda, onde entrem todos,
Se entretendo
para todos, no toldo
(a
manhã) que plana livre de armação.
A manhã,
toldo de um tecido tão aéreo
Que, tecido,
se eleva por si: luz balão.
Aproveitando a simbologia que Melo Neto traz
em sua poesia sobre a construção de uma rede
de contatos (entre galos) que resulta na
confecção de uma manhã, retrata a estrutura
e a condição fundamental das interações
sociais.
O TECER DA REDE
Sabe-se que as associações de microempresas
e empresas de pequeno porte, assim como
outras formas associativas, entre as quais
as cooperativas, vêm sendo consideradas como
alternativa viável na atual conjuntura
econômica do País, em virtude da sua
peculiaridade maior que é a força do
conjunto que opera nas mais diversas áreas e
atividades de conhecimento humano e na vida
das pessoas, daí a ideia que traz a metáfora
do tecer da rede.
Deste modo, justifico meu interesse pela
perspectiva da Rede de Significações, a qual
contempla a discussão sobre a compreensão
desta inter-relação entre indivíduo e grupo.
Para iniciar a trajetória desta ideia,
recorreremos às primeiras relações sociais
com os quais todos nós vivenciamos, a contar
o nosso primeiro grupo social, que é a
família. Sabe-se que esse processo social
acontece de uma maneira peculiar para a
espécie humana. As relações sociais são
consideradas como fundantes não só nos
primeiros anos de vida como também ao longo
de toda vida, mantendo-se continuamente como
arena e motor do processo de desenvolvimento.
(ROSSETI-FERREIRA, 2004)
Quando se trata de relações, entende-se um
movimento bilateral, ou seja, a influência
recíproca das pessoas umas sobre as outras.
Ao agirem, as pessoas dialogicamente
transformam seus parceiros de interação e
são por eles transformadas, assim como se
modificam as funções psicológicas que lhes
dãosuporte, remodelando seus propósitos e
abrindo-lhes novas possibilidades de ação,
interação e desenvolvimento. (OLIVEIRA,
1988, 1995; OLIVEIRA e ROSSETI-FERREIRA,
1993)
Faz-se necessário o cuidado na análise de
todos os componentes participantes desta
interação (pessoa, grupo, sociedade, meio),
na perspectiva de uma visão sistêmica dentro
de exercício das macrodimensões e das
microdimensões. Em suma, as interações não
devem ser entendidas somente por uma
dimensão, seja macrodimensões (sociedade) ou
microdimensões (pessoa).
Prosseguindo esta linha de raciocínio,
entende-se que as relações sociais são como
uma trama, onde pessoa e meio fazem parte do
mesmo contexto. Sobre isso Rosseti-Ferreira
(2004, p. 26) comenta que
[...]
os contextos não são considerados como panos
de fundo onde se dão os processos de
desenvolvimento nem como fatores que
impingem determinadas normas ou
significações, as quais as pessoas se tornam
assujeitadas. Ao contrário, os contextos são
compreendidos aqui a partir da noção de meio,
como proposta por Wallon (1986), o qual tem,
simultaneamente, duas funções: a de ambiente,
contexto ou campo de aplicação de condutas;
e a de condição, recurso, instrumento de
desenvolvimento. O meio social, o espaço de
experiência da pessoa, representa assim um
meio (instrumento, recurso) para seu
desenvolvimento.
Mediante essa discussão, é importante
entender o meio de acordo com as pessoas que
o frequentam, com suas peculiaridades e,
principalmente, o momento histórico-social
em que estão situados.
Desta forma, o contexto deve ser pensado e
entendido a partir das pessoas que dele
participam, bem como das interações que nele
se estabelecem, assim como seu contexto
histórico. A história social focaliza os
processos de formação e ressignificação
continuados, os quais dão acesso aos
múltiplos significados que foram
historicamente construídos. (SPINK;
MEDRADO,1999, p.51)
E para finalizar, cito Rossetti-Ferreira
(2004, p. 25) que afirma:
[...] as características pessoais são
construídas na história interacional de cada
um e tomam sentido em relações situadas e
contextualizadas. O outro se constitui e se
define por mim e pelo outro, ao mesmo tempo
em que eu me constituo e me defino com pelo
outro. É nesse interjogo que se dá o
processo de construção de identidades
pessoais e grupais, ao longo de toda a vida
da pessoa.
Portanto, a partir da experiência relatada,
foi possível observar que, embora o cenário
atual aponte as constantes transformações
relacionamentos interpessoais, tendo o
“capitalismo selvagem” como pano de fundo, a
existência de movimentos como cooperativismo,
o associativismo, entre outros, sinalizam a
necessidade da manutenção destas “redes
sociais” como meio de sobrevivência do ser
humano é relação, constrói-se na relação com
o outro e com o mundo e só se deferência e
se assemelha no espaço relacional. (SAMPSON,
1993)
REFERÊNCIAS
ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS.
Cooperativismo brasileiro: uma história.
Ribeirão Preto, SP: Versão Br Comunicação e
Marketing, 2004.
ROSSETI-FERREIRA, AMORIM, SILVA, CARVALHO.
Rede de significações e o estudo de
desenvolvimento humano.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
SAMPSON, E. E. Celebrating the other:
a dialogic account of human nature.New York:
Harvester Wheatsheaf, 1993.
SPINK, M.J.; MEDRADO, B. Produção de
sentidos no cotidiano: Uma abordagem
teórico-metodológica para análise das
práticas discursivas. In SPINK, M.J.
(org.) Práticas Discursivas e produção de
Sentidos no Cotidiano. São Paulo:
Cortez, 1999. 41-63p.
GERALDI, Ana Cristina; THIERS, Solange
(Orgs). Corpo e Afeto: reflexões em
Ramain-Thiers.Rio de Janeiro: Wak. Ed.,
2009. P. 216-219.
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