Artigo 1
Fatores que influenciam nas funções do
pensamento
por:
Sâmara Nick
Pedagoga. Psicóloga. Sociopsicomotricista
Ramain-Thiers.
Conselheira Municipal de Direitos e Deveres
da Criança e do Adolescente.
Repito: a
alma ordena que queira –
Porque se não
quisesse não mandaria –
E não executa
o que lhe manda!
Mas não quer
totalmente.
Portanto,
também não ordena terminantemente,
Manda na
proporção do querer.
St. AGOSTINHO.
Confissões, liv. VIII, cap. 9, § 21
Ao pensar sobre os fatores que influenciam
as funções do pensamento, é fundamental
considerar o conceito das diversas correntes
sobre a dimensão da construção do pensamento.
Podemos dizer que a função básica do
pensamento é distinguir e determinar as
diferentes formas de realidade. Por outro
lado, se esta fosse a única função do
pensamento, não haveria como lidar
intelectualmente com realidades complexas em
suas conexões e as relações que há entre
essas realidades que são muito diferentes.
Filósofos Idealistas partem do pressuposto
de que o pensamento precede a matéria já os
Materialistas entendem que a matéria é
anterior ao pensamento.
Psicanalistas analisam sobre duas maneiras o
pensamento. Falam de um pensamento dirigido,
que é o pensamento inteligente, e de um
pensamento não dirigido, que denominariam
como pensamento autístico.
O pensamento dirigido é consciente, persegue
o objetivo, está presente no espírito
daquele que pensa; é inteligente, isto é,
adaptado à realidade, procura agir sobre ela
e é comunicável pela linguagem. Já o
pensamento denominado autístico é
subconsciente, isto é, os objetivos a que
visa ou os problemas que enfrentarão estão
presentes na consciência, não é adaptado
para a realidade externa, mas cria para si
uma realidade de imagem e sonho, tende a não
estabelecer verdades, mas a satisfazer seus
desejos e permanece estritamente individual,
não sendo assim comunicável pela linguagem.
Podemos ter como exemplo a água que, para o
pensamento inteligente, trata-se de uma
substância natural de origem explicável ou
pelo menos observável, podendo ser estudada.
Para a inteligência autística, a água
interessa somente pela satisfação orgânica:
serve de bebida. Mas como tal, a água tornou-se
motivo de todas as fantasias dos povos, das
crianças e do inconsciente dos adultos.
Piaget em seus estudos sobre a linguagem e
pensamento da criança apresenta
contribuições significativasquando afirma
que crianças pensam mais coisas do que dizem.
Criança é incapaz de guardar para si os
pensamentos que lhe vêm ao espírito. O
pensamento adulto socializado, capaz de
intimidade, é diferente do pensamento
infantil egocêntrico, mas incapaz de
intimidade. O adulto mesmo no seu trabalho
pessoal pensa socialmente, pois ele tem
continuamente presente em seu espírito a
imagem dos seus colaboradores ou
contraditores reais ou eventuais. Já a
criança fala infinitamente mais que o adulto;
quase nunca a criança se pergunta se é
compreendida, pois não pensam nos outros;
quando fala monologa coletivamente. Ele
ainda conclui que o sistema de signos, que é
fundamental para o desenvolvimento da
linguagem, permite a formação do pensamento
racional e que as funções psicológicas têm
suporte biológico e são produtos das
atividades cerebrais. O cérebro não é um
sistema de funções fixas e imutáveis, é um
sistema aberto com grande plasticidade e
constante transformação.
A afirmativa piagetiana de que o ser humano
transforma-se de um ser biológico em um ser
histórico, em um processo em que a cultura é
parte essencial de constituição da natureza
humana, está ancorada em ideias
materialistas e dialéticas.
Vygotsky amplia os fundamentos do
funcionamento psicológico, quando, ao
estudar as funções psicológicas superiores,
assinala que as origens das formas
superiores do comportamento (lembrar, falar,
comparar, pensar, etc.) deveriam ser
estudadas a partir das relações sociais que
os indivíduos estabelecem com o meio social
em que vivem, confirmando que o processo de
aprendizagem do ser humano é cultural e,
portanto, histórico.
O sujeito humano é constituído por aquilo
que é herdado fisicamente e pela experiência
individual, mas sua vida, seu trabalho e seu
comportamento também se baseiam claramente
na experiência histórica social, isto é,
aquilo que não foi vivido pessoalmente pelo
sujeito, mas está na experiência dos outros,
na conquista acumulada pela geração que o
precedeu.
A estrutura psicológica é o produto de um
processo de desenvolvimento profundamente
enraizado nas ligações entre a história
individual e a história social. A
internalização das formas culturais de
comportamento envolve a reconstrução da
atividade psicológica e tem como base as
operações com os signos que caracterizam a
linguagem.
A relação entre pensamento e palavras é um
processo vivo, o pensamento nasce na palavra.
Uma palavra privada de pensamento é uma
coisa morta, e um pensamento sem expressão
por meio de palavras mantém-se nas trevas.
Fatores biológicos, ambientais e sociais
colaboram para gerar um processo mental que,
em nossa espécie, pode levar a resultados
dramáticos e paradoxais. As
característicascognitivas desse processo
fazem com que a qualidade e quantidade de
elementos envolvidos na tomada de decisão
influenciem diretamente no resultado das
escolhas que fazemos.
Antônio Damásio, neurologista, que contesta
a afirmativa de Descartes “Penso logo existo!
”, apresenta seus fundamentos sobre a
influência das emoções na elaboração e na
construção do pensamento.
Para nós, portanto, no princípio, foi a
existência e, só mais tarde, chegou o
pensamento. E para nós, no presente, quando
vimos ao mundo e nos desenvolvemos,
começamos ainda por existir e. só mais tarde,
pensamos na medida em que existimos, visto o
pensamento ser, na verdade, causado por
estruturas e operações do ser. (DAMÁSIO,
1995:254)
Alguns pontos são fundamentais na discussão
proposta por Damásio:
•
a emoção exerce influência nos processos de
raciocínio;
•
os
sistemas cerebrais destinados à emoção estão
intrinsecamente
enredados aos sistemas destinados à “razão”;
•
a mente não pode ser separada do corpo.
O cérebro possui a capacidade de exibir
imagens internas e de ordenar essas imagens
em um processo chamado pensamento. De acordo
com Damásio (1996), “as imagens não são
somente visuais: existem imagens sonoras,
imagens olfativas, etc.”.
O que Damásio sugere não entra em oposição
com Piaget, quando defende que a mente surge
da atividade de circuitos neurais, mas
muitos desses circuitos são configurados
durante a evolução por requisitos funcionais
do organismo, ou seja, à medida que o
sujeito atua sobre o meio, os circuitos
neurais melhor representam o organismo.
Piaget não afirma que o conhecimento se dá
sobre a ação?
O erro de Descartes assim está na concepção
dualista que separa amente do cérebro, que
conduz muitos, atualmente, a perceberem a
mente como um software que roda no
hardware cérebro. O “Penso, logo
existo! ”confirma a separação da “ coisa
pensante”– mente – do corpo não pensante.
Como Damásio argumente, os seres já eram
seres, antes do aparecimento da humanidade.
No princípio, foi a existência e, só depois,
chegou o pensamento.
A emoção é parte integrante do processo de
raciocínio e pode auxiliar o processo ao
invés de somente perturbá-lo. A beleza do
modo como a emoção tem funcionado abre a
possibilidade de levar seres vivos a agir de
maneira inteligente sem precisar pensar com
inteligência.
O alerta, para os pesquisadores da área
educacional, é de que a investigação da
mente deve aliar os recursos da
Neurobiologia, sob pena de estar de
assumindo uma postura dualista, ainda que
não se admite. Os neurocientistas também
correm o mesmo perigo, ao insistirem em que
a mente pode ser perfeitamente explicada em
termos de fenômenos cerebrais, deixando de
lado o resto do organismo e o meio ambiente
físico e social.
Para finalizar, descrevo uma reflexão de
Damásio:
[...] a
compreensão cabal da mente humana requer a
adoção de uma perspectiva do organismo; que
não só a mente tem de passar de um
cogitumnão físico para o domínio do
tecido biológico, como deve ser também
relacionada com todo o organismo que possui
cérebro e corpo integrados e que se encontra
plenamente interativo com um meio ambiente
físico e social.
REFERÊNCIAS
DAMÁSIO,
Antônio R. O Erro de Descarte: emoção,
razão e o cérebro humano. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
MARTINS,
João Batista. Vygotsky e a Educação.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
DESCARTE,
René. Discurso do Método.São Paulo:
Nova Cultural: 1991.
PIAGET,
Jean. A Formação dos Símbolos na Criança.
Rio de Janeiro: Guanabara, 1973.
OLIVEIRA,
Martins Khol. Vygotsky: Alguns Equívocos
na Interpretação de seu pensamento. São
Paulo: Scipione, 1993.y
PAIN,
Sara. A Função da Ignorância. As
estruturas inconscientes do pensamento. Vol.
1. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
GERALDI,
Ana Cristina; THIERS, Solange. (Orgs).
Corpo e Afeto: reflexões em
Ramain-Thiers. Rio de Janeiro: Wak.
Ed.,2009. P. 21-25.
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