Artigo 3
Criatividade em Ramain-Thiers
por: Leila Maggio T. de Mello
Me em Psicanálise Saúde
e Sociedade. Psicóloga Clínica.
Psicomotricista. Sociopsicopsicomotricista
Ramain-Thiers.Vice-presidente da ABRT -Associação
Brasileira Ramain-Thiers. Psicoterapeuta de
Grupo de Formação em Ramain-Thiers.
Quero agradecer o convite de Isabel
Bellaguarda e Leopoldo Vieira para
participar da II mesa partilhada que celebra
os 30 anos do Ciar. Parabenizo o Ciar pelos
30 anos e por esse evento maravilhoso da
Psicomotricidade.
O mundo enfrenta uma
pandemia, fomos surpreendidos por um inimigo
e invisível, um vírus que parou as pessoas
em uma escala global. As relações sociais se
ressignificaram, a tecnologia está sendo
nossa aliada, tornando nosso cotidiano menos
árido com a possibilidade das lives e do
vídeo chamado, ocupando o espaço na
interação social.
Venho hoje sobre a criatividade em
Ramain-Thiers em tempos de isolamento social
e estou trazendo a sobremesa, que é algo
prazeroso que dá gosto e compõe com maestria
o final de uma refeição.
Fazendo uma viagem histórica da gastronomia,
podemos observar que os banquetes na idade
média não existiam uma ordem entre as
categorias dos pratos em uma refeição. Na
mesa eram dispostos carnes, queijos, doces,
ensopados, pães, frutas. Tudo era consumido
ao mesmo tempo.
Foi em 1533 que Catarina de Médici saiu de
Florença para se casar com o futuro rei da
França Henrique II. Catarina tinha um apreço
por doces e ao se mudar para Paris
apresentou a corte novos hábitos de abrir os
banquetes à participação feminina,
introduziu o garfo e transportou a sobremesa
ao final da refeição, como um grand finale,
verdadeira joia rara.
Estamos aqui para brindarmos a arte
de ser corpo, uma instância simbólica e
pulsional e através da Sociopsicomotricidade
oferecemos luz para que esse corpo possa se
expressar.
Neste momento conturbado que estamos vivendo
com a pandemia, surge uma pergunta: Como
estamos pensando o atendimento online?
Nesta nova modalidade de atendimento que se
faz presente, está em foco o olhar e a voz.
A voz sinaliza um olhar e o olhar que vê,
que é visto e comentado, se faz circular e
vai oferecendo um lugar próprio de
acolhimento e segurança, se faz sob o manto
da linguagem.
Podemos observar esse movimento na relação
mãe-bebê, enquanto obebê mama, ele olha e é
visto, o olhar da mãe é carregado de afeto e
produz um eco no corpo. O olhar toca sem
precisar tocar (pulsão escópica). Um outro
momento importante é o estágio do espelho, a
criança vê a imagem do seu corpo refletido
no espelho, ela jubila e olha na direção da
mãe ou seu representante. A criança se
apresenta para o outro, se exibe para o
outro ver, ser visto, ser aplaudido em um
grande espetáculo.
Somos tocados pelo olhar e pela voz do outro,
esse olhar pode ser de deleite ou fruição,
esse movimento está para além das palavras.
Um outro aspecto importante é a prosódia que
está relacionada à maneira como falamos e
como entoamos nosso discurso e as variações
melódicas que facilitam a compreensão da
fala, assim como as intenções de cada
falante. A entonação e o ritmo auxiliam na
produção de sentido, incluindo sentimentos,
com função libidinizante oferecendo
sustentação e estrutura.
Nesse novo cenário de atendimento online, a
Sociopsicomotricidade vai além da tela,
adentra na casa com seus elementos, trazendo
assim novas integrações possibilidades e
crescimento.
Quando falamos em criatividade o que
vem a mente? A possibilidade de fazer,
construir, transformar ou apenas pensar de
modo diferente. A sociopsicomotricidade
Ramain-Thiers trabalha p ser criativo nas
atividades de psicomotricidade diferenciada.
Utiliza os diferentes materiais: texturas,
desenhos, colagens, simetrias, alinhavos,
papéis quadriculados. Quando surge um erro
em um trabalho, não utilizamos a borracha,
fazemos a troca dos lápis em um movimento
circular (lápis preto, vermelho, azul e
verde).
Os erros deixam marcas e nos ensinam e
servem como experiências para novos traçados.
Com isso podemos descobrir novas conexões e
caminhos, tanto de reparação como de
construção. Há sempre a possibilidade de
ressignificar a nossa percepção em relação a
vida e aproveitar das aprendizagens de todas
as nossas vivências. A cada traço a cada cor,
faz emergir pequenos fragmentos de um não
dito, com sensações despertando os sentidos.
O corpo que habita o espaço vai ganhando a
ação, transformando, inventando, se
expressando em um movimento de vida.
Quando criamos um trabalho de arte
somos nós a realidade nova, a cada alinhavo,
a cada colagem, é um encontro consigo mesmo,
com as nossas possibilidades e limites. A
ação criativa na Sociopsicomotricidade
possibilita o despertar da experiência de
vitalidade, intensificando a experiência do
sentir.
Ferreira Goulart nos diz que “A arte existe
porque a vida não basta”.
Ramain-Thiers concebe o ser uno:
corpo-mente-psiquê, valores e virtudes
capazes de promover discernimento nas
relações e atitudes, uma postura ética no
mundo.
Vou trazer uma citação de Solange Thiers que
contribui para refletirmos sobre o nosso
contexto atual.
“Nós como psicomotricistas, confiamos na
vida porque “somos”, pensamos, sentimos a
intensidade da força dos vínculos,
compreendemos como seres humanos as dores
porque também amamos e sofremos. Trazemos a
perspectiva humanística de divulgar o bem
para ser coerente aos nossos propósitos de
justiça e felicidade.
Compartilho uma poesia, Samba da Utopia de
Jonathan Silva, para brindar a arte de ser
corpo, seguindo sempre o nosso propósito
como psicomotricistas, a arte de saber
cuidar.
Se o mundo ficar
pesado eu vou pedir emprestado
A palavra poesia
Se o mundo emburrecer
eu vou rezar p’ra chover
A palavra sabedoria
Se o mundo andar p’ra
trás vou escrever num cartaz
A palavra rebeldia
Se a gente desanimar
eu vou colher no pomar
A palavra teimosia
Se acontecer afinal de
entrar em nosso quintal
A palavra tirania
Pegue
o tambor e o ganzá vamos p’ra rua gritar
A palavra utopia.
Bibliografia:
THIERS, Solange. Ser na vida: O corpo
e seus diferentes vínculos in (Org.):
Thiers,S. Thiers,E. Essência dos Vínculos.
Rio de Janeiro: Editora Altos da Glória,
2001.
QUINET, A.Um olhar a mais. Editora
Zahar, 2002.
PONTY, M. Fenomenologia da Percepção.
2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
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