Vol. XIII: Vitrais 91 - jun 2020

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers

ISSN 2317-0719

VITRAIS
Vol. XIII: Vitrais 91 - jun 2020

 

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Artigo 2

 

Sensível Olhar Penetrante

por: Maria do Carmo Domingues Alves da Silva

             Pedagoga. Psicomotricista Relacional. Sociopsicomotricista Ramain-Thiers.

 

“É preciso olhar as coisas várias vezes, até que elas falem por si mesmas”.Charcot

 

Este trabalho surgiu num momento de inquietude, reflexões e questionamentos, onde minha consciência começava a instituir e compreender fortes mudanças em vários segmentos de minha vida profissional.

Minha reflexão inicial ao contatar com o tema Sensível Olhar Penetrante foi norteada por um olhar retrospectivo às trilhas até então percorridas por mim, enquanto sociopsicomotricista Ramain-Thiers em formação.

Durante o meu percurso, vivi momentos significativos de deslocamento do olhar, fundamentado no deslizamento da teoria para a prática. Olhar este, direcionado a trabalho profundo de relação que o Ramain-Thiers promove, contribuindo para um melhor entrosamento do indivíduo na coletividade. Este processo ocorre pela forma peculiar com que a proposta é feita e pela valorização que é dada, não ao desempenho, mas à experiência do sujeito no seu processo de crescimento, onde cada um é oportunizado a defrontar-se com seus erros e acertos, aprendendo a lidar com o erro e mudando assim o seu posicionamento diante da vida, tornando-se mais unificado, podendo então melhor lidar com suas questões.

O olhar é sempre uma descoberta, neste sentido, a luz da teoria que nos inspira, o Ramain-Thiers, onde a ação do olhar é um ato de estudar a si próprio, a realidade, o grupo, sinto que ao vivenciamos nossas ansiedades, nossos medos, nosso desequilíbrio, nosso espanto, tudo isso recheia o novo olhar do terapeuta que se exercita, através do processo de psicoterapia de grupo, tendo uma ampla abrangência, uma vez que promove mudanças de atitudes, tanto a nível cognitivo, como emocional e social. Momentos estesonde nos defrontamos com os nossos erros, refazendo reconstruindo, recomeçando constantemente em buscanovos ângulos, para olhar mais consistente.

Convém ressaltar que o primeiro e mais sensível olhar é o do bebê, quando olha para o rosto da mãe. Segundo Winnicott, ele vê a si mesmo. Assim o rosto da mãe, sobretudo o seu olhar, é o primeiro espelho da criatura humana. “Quando olho, sou visto: logo existo. Posso agora me permitir olhar e ver”.

No estado de indiferenciação primária, a visão é o primeiro elemento que nos favorece uma discriminação entre o próprio self e o objeto.  Esse processo de através do olhar delimitar próprio self é contínuo desde o momento de vida e fundamental na individuação do self. Negar o próprio selfé negar os objetos através da cegueira; assemelha-se à morte biológica de não mais ver e sentir o mundo.

É oportuno lembrar que a pessoa precisa discriminar-se das demais parar ter a sensação de inteireza, da sua medida e da sua capacidade. Uma pessoa com a sensação de indiferenciação discriminatória não poderá ter identidade, ter posse de si mesma na administração dos seus bens internos, na singularidade de suas vivências e individuação pessoal.

Assim, seria como olharmos um canteiro cheio de flores com uma visão compacta do todo, não discriminando a individualidade e as matrizes particulares de cada planta ou flor. É necessário que o ser humano enxergar-se, para tomar posse de si, condição para o bem se administrar e conquistar sua inteireza, identidade e legitimidade pessoal.

Portanto é conveniente refletirmos que não fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade, o outro, nós mesmos. Nosso olhar cristalizado nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo, cegueira.

Para romper esse modelo, acredito ser necessário sensibilizar o nosso olhar neste aprendizado da construção do Sensível Olhar Penetrante.

Olhar sensível, que é, portanto, afetivo, exprime e reconhece forças e estados internos, tanto no terapeuta, que deste modo se revela, quanto no sujeito, com o qual acontece uma relação. Olhar sensível que investiga e indaga a partir e além do visto, parece originar-se sempre da necessidade de ver de novo ou ver o novo. Olhar sensível que não acumula e não abarca, mas procura.

Olhar penetrante que busca formas de se exercitar se instrumentalizando nas quebras das amarras de um olhar, no exercício de buscar ângulos novos, na construção de relações. Olhar curioso diante do mundo, que transcende as aparências e procura o que está por trás. Olhar penetrante que envolve atenção e neutralidade. Atenção que é a mais alta forma de generosidade, envolvendo sintonia consigo mesmo e com o grupo, através da concentração do olhar que inclui escuta de silêncios e ruídos na comunicação.

Diante da minha prática no Ramain-Thiers, vendo refletindo que construir nossa consciência implica no enfrentamento daquilo que se encontra, ainda, inconsciente em nós.

Concluo enfatizando aqui as principais reflexões e questionamentos que levantei no trajeto dessa prática tão nova, tão familiar: como estamos posicionados enquanto terapeutas Ramain-Thiers? Qual o nosso jeito de olhar? Fantasiamos o olhar com lentes cor de rosa? Temoso olhar de inveja ou piedade do que não é igual a nós? Como está a deformação da imagem do outro sob o nosso olhar? Em que formas fomos moldados? Na forma da cópia da realidade ou da expressão criativa?

Me parece que cortar o cordão umbilical desta forma é tirar as amarras de um olhar comum, é tentar fazer a substituição da cegueira da imaginação pelo pensamento.

E assim como ar do mundo enche os pulmões e provoca o choro e a entrada do ritmo de vida, na busca da identidade os lápis, arames, papéis, barbantes, desenhos, as cores, as formas, as texturas, o espaço de mundo, diante das pranchas na Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, se entrelaçam e enchem os olhos do terapeuta de um jeito novo de olhar o já visto. 

 

REFERÊNCIAS

ANOTAÇÕES, GRUPO DE ESTUDOS REUDIANO. Orientadora: Ana Maria Cabral Carneiro. Recife, 1998/1999.

ANOTAÇÕES, AULAS DE PSICANÁLISE. Professora: Ana Maria Cabral Carneiro. Recife, 1998/1999/2000.

BOSI, A.: Fenomenologia do Olhar. In: NOVAES, A. et al. O Olhar. São Paulo: Companhia da Letras, 1988.

CARDOSO, S.: O Olhar Viajante. In: NOVAES, A. et al. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

CHAUÍ, M.: A Janela da Alma: Espelho do Mundo. In.: NOVAES, A. et al. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

NASIO, J.: O Olhar em Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

NOVAES, A.: De Olhos Vendados. In: NOVAES, A. et al. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

OSTROWER, F.: A Construção do Olhar. In: NOVAES, A. et al. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

THIERS, SOLANGE.: Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: Uma Leitura Emocional, Corporal e Social. São Paulo: casa do Psicólogo, 1994.

WINNICOTT, D. W.: O Brincar e a Realidade. Trad. José Otávio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre; ver. Francisco de Assis Pereira. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

THIERS, S. THIERS, E.: (ORG.) A Essência dos Vínculos. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 2001. P. 314.