Artigo 2
Sensível Olhar Penetrante
por: Maria do Carmo Domingues Alves da Silva
Pedagoga. Psicomotricista Relacional.
Sociopsicomotricista Ramain-Thiers.
“É preciso olhar as coisas várias
vezes, até que elas falem por si
mesmas”.Charcot
Este trabalho surgiu num momento de
inquietude, reflexões e questionamentos,
onde minha consciência começava a instituir
e compreender fortes mudanças em vários
segmentos de minha vida profissional.
Minha reflexão inicial ao contatar com o
tema Sensível Olhar Penetrante foi
norteada por um olhar retrospectivo às
trilhas até então percorridas por mim,
enquanto sociopsicomotricista Ramain-Thiers
em formação.
Durante o meu percurso, vivi momentos
significativos de deslocamento do olhar,
fundamentado no deslizamento da teoria para
a prática. Olhar este, direcionado a
trabalho profundo de relação que o
Ramain-Thiers promove, contribuindo para um
melhor entrosamento do indivíduo na
coletividade. Este processo ocorre pela
forma peculiar com que a proposta é feita e
pela valorização que é dada, não ao
desempenho, mas à experiência do sujeito no
seu processo de crescimento, onde cada um é
oportunizado a defrontar-se com seus erros e
acertos, aprendendo a lidar com o erro e
mudando assim o seu posicionamento diante da
vida, tornando-se mais unificado, podendo
então melhor lidar com suas questões.
O olhar é sempre uma descoberta, neste
sentido, a luz da teoria que nos inspira, o
Ramain-Thiers, onde a ação do olhar é um ato
de estudar a si próprio, a realidade, o
grupo, sinto que ao vivenciamos nossas
ansiedades, nossos medos, nosso
desequilíbrio, nosso espanto, tudo isso
recheia o novo olhar do terapeuta que se
exercita, através do processo de
psicoterapia de grupo, tendo uma ampla
abrangência, uma vez que promove mudanças de
atitudes, tanto a nível cognitivo, como
emocional e social. Momentos estesonde nos
defrontamos com os nossos erros, refazendo
reconstruindo, recomeçando constantemente em
buscanovos ângulos, para olhar mais
consistente.
Convém ressaltar que o primeiro e mais
sensível olhar é o do bebê, quando olha para
o rosto da mãe. Segundo Winnicott, ele vê a
si mesmo. Assim o rosto da mãe, sobretudo o
seu olhar, é o primeiro espelho da criatura
humana. “Quando olho, sou visto: logo
existo. Posso agora me permitir olhar e ver”.
No estado de indiferenciação primária, a
visão é o primeiro elemento que nos favorece
uma discriminação entre o próprio self
e o objeto. Esse processo de através do
olhar delimitar próprio self é
contínuo desde o momento de vida e
fundamental na individuação do self.
Negar o próprio selfé negar os
objetos através da cegueira; assemelha-se à
morte biológica de não mais ver e sentir o
mundo.
É oportuno lembrar que a pessoa precisa
discriminar-se das demais parar ter a
sensação de inteireza, da sua medida e da
sua capacidade. Uma pessoa com a sensação de
indiferenciação discriminatória não poderá
ter identidade, ter posse de si mesma na
administração dos seus bens internos, na
singularidade de suas vivências e
individuação pessoal.
Assim, seria como olharmos um canteiro cheio
de flores com uma visão compacta do todo,
não discriminando a individualidade e as
matrizes particulares de cada planta ou flor.
É necessário que o ser humano enxergar-se,
para tomar posse de si, condição para o bem
se administrar e conquistar sua inteireza,
identidade e legitimidade pessoal.
Portanto é conveniente refletirmos que não
fomos educados para olhar pensando o mundo,
a realidade, o outro, nós mesmos. Nosso
olhar cristalizado nos estereótipos produziu
em nós paralisia, fatalismo, cegueira.
Para romper esse modelo, acredito ser
necessário sensibilizar o nosso olhar neste
aprendizado da construção do Sensível
Olhar Penetrante.
Olhar sensível, que é, portanto, afetivo,
exprime e reconhece forças e estados
internos, tanto no terapeuta, que deste modo
se revela, quanto no sujeito, com o qual
acontece uma relação. Olhar sensível que
investiga e indaga a partir e além do visto,
parece originar-se sempre da necessidade de
ver de novo ou ver o novo. Olhar sensível
que não acumula e não abarca, mas procura.
Olhar penetrante que busca formas de se
exercitar se instrumentalizando nas quebras
das amarras de um olhar, no exercício de
buscar ângulos novos, na construção de
relações. Olhar curioso diante do mundo, que
transcende as aparências e procura o que
está por trás. Olhar penetrante que envolve
atenção e neutralidade. Atenção que é a mais
alta forma de generosidade, envolvendo
sintonia consigo mesmo e com o grupo,
através da concentração do olhar que inclui
escuta de silêncios e ruídos na comunicação.
Diante da minha prática no Ramain-Thiers,
vendo refletindo que construir nossa
consciência implica no enfrentamento daquilo
que se encontra, ainda, inconsciente em nós.
Concluo enfatizando aqui as principais
reflexões e questionamentos que levantei no
trajeto dessa prática tão nova, tão
familiar: como estamos posicionados enquanto
terapeutas Ramain-Thiers? Qual o nosso jeito
de olhar? Fantasiamos o olhar com lentes cor
de rosa? Temoso olhar de inveja ou piedade
do que não é igual a nós? Como está a
deformação da imagem do outro sob o nosso
olhar? Em que formas fomos moldados? Na
forma da cópia da realidade ou da expressão
criativa?
Me parece que cortar o cordão umbilical
desta forma é tirar as amarras de um olhar
comum, é tentar fazer a substituição da
cegueira da imaginação pelo pensamento.
E assim como ar do mundo enche os pulmões e
provoca o choro e a entrada do ritmo de vida,
na busca da identidade os lápis, arames,
papéis, barbantes, desenhos, as cores, as
formas, as texturas, o espaço de mundo,
diante das pranchas na Sociopsicomotricidade
Ramain-Thiers, se entrelaçam e enchem os
olhos do terapeuta de um jeito novo de olhar
o já visto.
REFERÊNCIAS
ANOTAÇÕES,
GRUPO DE ESTUDOS REUDIANO. Orientadora: Ana
Maria Cabral Carneiro. Recife, 1998/1999.
ANOTAÇÕES,
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Cabral Carneiro. Recife, 1998/1999/2000.
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1988.
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In: NOVAES, A. et al.
O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras,
1988.
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In.: NOVAES, A. et al.
O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras,
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In: NOVAES, A. et al.
O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
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F.: A Construção do Olhar.
In: NOVAES, A. et al.
O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras,
1988.
THIERS,
SOLANGE.: Sociopsicomotricidade
Ramain-Thiers: Uma Leitura Emocional,
Corporal e Social. São Paulo: casa do
Psicólogo, 1994.
WINNICOTT,
D. W.: O Brincar e a Realidade. Trad. José
Otávio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre; ver.
Francisco de Assis Pereira. Rio de Janeiro:
Imago, 1975.
THIERS,
S. THIERS, E.: (ORG.) A Essência dos
Vínculos. Rio de Janeiro: Altos da
Glória, 2001. P. 314.
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