Vol. XII: Vitrais 88 - dez 2018

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719

 

 

VITRAIS
Vol. XII: Vitrais 88

                        dez 2018

 

Editorial

Notícias

Literatura

Carlos Alberto de

Mattos Ferreira

• Leila Janot de

  Vasconcelos


Artigos

Valéria Sales Freire  

  Ferrari

Elza Maria Nunes de

  Paula

 

Reflexão

Fátina Alves

Wani Aida Braga

 

Como publicar seus artigos

Contato com Elisabete Cerqueira

elisabeteccerqueira@yahoo.com.br

 


Números anteriores

 

Vol. l:

Vitrais 56 - jun 2007
Vitrais 57 – fev 2008
Vitrais 58 – nov 2008

Vol. ll:
Vitrais 59 – mar 2009
Vitrais 60 – jul 2009
Vitrais 61 – dez 2009

Vol. lll:
Vitrais 62 - mar 2010

Vitrais 63 - jul 2010

Vitrais 64 - dez 2010

Vol. IV:

Vitrais 65 - mai 2011

Vitrais 66 - set 2011

Vol. V:

Vitrais 67 - mar 2012

Vitrais 68 - ago 2012

Vitrais 69 - dez 2012

Vol. VI:

Vitrais 70 - mar 2013

Vitrais 71 – jul 2013

Vitrais 72 – out 2013

Vitrais 73 – dez 2013

Vol. VII:

Vitrais 74 – mai 2014

Vitrais 75 - ago 2014
Vitrais 76 – nov 2014

Vol. VIII:

Vitrais 77 – jun 2015

Vitrais 78 -  nov 2015

Vol. IX:

Vitrais 79 – mar 2016

Vitrais 80 -  jun  2016

Vitrais 81 -  out  2016

Vitrais 82 -  dez  2016

Vol. X:

Vitrais 83 -  abr  2017

Vitrais 84 -  set  2017

Vol. XI:

Vitrais 85 – jan 2018

Vitrais 86 – mai 2018

Vitrais 87 – jul 2018

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Artigo 2

Refletinto a Sociopsico-motricidade Ramain-Thiers

por

Elza Maria Nunes de Paula

 

 

Refletindo a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers

 

Elza Maria Nunes de Paula
 

                                Pedagoga

 

Esse artigo trata-se de um relato de sessões realizadas com um grupo de crianças, nomeadas de G., L., J. e Li e pretende refletir como também verificar a atuação da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers nos indivíduos e a sua contribuição para vivenciar a sua afetividade, assim auxiliando a criança a integração em sua vida dos sopros que a marcaram profundamente positivos ou não.

O ser humano precisa sentir o sopro da vida que vem do outro. O sopro quente das relações que começam a ser tecidas antes mesmo do nascimento, que fará sentir o amparo, que não está só neste mundo e o levará a participar da vida de outros seres humanos. Neste movimento o indivíduo é convidado a sair de si para ir ao encontro com o outro.

Inicialmente foram aplicadas as sessões livres para a avaliação do grupo com os desenhos da casa, da família e desenhos livres, ou seja, o que chama mais a atenção nos desenhos: 

Repentinamente:

G.: Tá Gravando.

Li.: Fala para J. dizer alguma coisa senão, não grava a voz.

G.: Eu gosto de gravar a minha voz.

L.: Onde você comprou esse gravador de voz.

G.: É pra gravar nossa voz e eu não tenho medo.

Neste momento o grupo percebe um gravador na sala e fica ameaçado por uma possível gravação do que se passa na sessão. Mesmo com autorização das crianças e dos pais, pois a gravação foi combinada ao reunir o grupo, percebe-se claramente o quanto temos que cuidar da confiança e insegurança das crianças que necessitam ter bem firmes as atitudes dos pais, professores, terapeutas que passam por elas, pois sem a segurança não se consegue trabalhar.

Ao mostrar como acontecia a gravação, lentamente as crianças se acalmam, se desprendem do gravador e voltam novamente ao que estão fazendo.

G.: conta que está doente e que vai operar detalhando o que vai fazer antes da cirurgia.

Ao término deste momento discutem para guardar os brinquedos e decidem deixar a bola em cima da caixa.

Na proposta seguinte, CR 20/01, uma atividade semidiretiva, confecção de um porta retrato, o grupo permanece em silêncio. O silêncio é quebrado por L. que questiona mais uma vez sobre o gravador e sobre quem vai escutar o que está gravando. Ao ser informado que outras pessoas não teriam acesso ficou satisfeito e J. questiona se virão outras crianças quando saírem. Novamente fica claro o desconforto do grupo e o retorno da insegurança e da confiança não muito bem trabalhada ainda.

No trabalho corporal, numa proposta onde havia o contato com o outro, G. diz: foi gostoso, foi uma delícia andar juntinho parecia um chiclete.

Questiona-se o porquê do Chiclete e em quem gostam de colar.

G.: responde: é gostoso andar grudado na minha mãe e no meu pai, com minha mãe eu sou um grude, aonde ela vai vou atrás.

L.: Aonde meu pai e minha mãe vão, vou também.             

Li.: Eu queria ser um chiclete.

L.: Por que? Você quer ser mastigada?

Li.: Eu gosto de grudar nos outros e não sair mais.

L.: Gostaria de grudar no armário da minha mãe. O armário tem um aqui, outro ali, outro lá, outro aqui. Nunca ficaremos sem. Às vezes meu pai pega o carro e eu peço para ir com ele e ele deixa, às vezes, vou com minha mãe.

G.: Um dia eu disse para o meu pai deixar eu ir junto, quase que ele não deixou e eu comecei a chorar e ele deixou, se não deixar eu choro, tem vez que ele me leva, tem vez que não.

Questiona-se: Então o choro não resolve?

G.: Não, mas às vezes resolve.

L.: Quando nossos pais vão sair, a gente acorda e fica querendo ir. Eu choro para minha mãe deitar comigo na cama.

Li.: Se não chorar eles não dão carinho, não fazem massagem.

J.:  a minha mãe não faz carinho nem se eu chorar.

O ser humano é afetivo. O afeto o alimenta durante toda a trajetória de sua vida. Esta necessidade de afeto é observável nos diálogos que as crianças fazem durante toda a sessão 

Estar grudado pode representar necessidade de segurança, afeto e a ilusão de que o outro está presente em todos os momentos, trazendo uma sensação que é própria do bebê que só entende o amor quando este vem com contato físico.

Segundo Bowlby (Fontes, 2002 p. 441) entre duas pessoas existe uma parceria e esta é adquirida por um determinado preço, como cada pessoa tem suas metas esta parceria só se dará quando um dos parceiros abandonar ou ajustar suas metas em prol de uma harmonização com o outro. E o ajustamento vai depender de vários fatores, se tratando de mãe e filho, estes ajustamentos podem ser feitos quantos foram necessários para que haja uma adequação ao outro embora as vezes possa acontecer que um dos parceiros imponha sua vontade.

Com exceção de J., que deixa transparecer que sua parceria com a mãe está conflitada por algum motivo, as outras crianças demonstram que existe uma parceria feliz, um constante dar e receber, “mesmo numa parceria feliz, contudo, é provável a existência de pequenos conflitos” (Fontes, 2002.p.401).

Pode-se observar a necessidade que G. e L. têm de receber carinho, de estar junto, para isso usam de todos os meios, e o choro é algo utilizado com freqüência junto aos pais para obter atenção desejada mesmo sabendo que nem sempre dá resultado positivo sabem que é eficaz pois desde o nascimento é usado com forma de comunicação. E uma forma eficaz de obter a atenção do outro e de conseguir o que se quer de maneira mais rápida, muitas vezes o choro significa o desejo de ser amado e protegido e tem “como resultado previsível o aumento da proximidade da mãe em relação a criança” (Fontes, 2002 p.303).   

Também fica muito evidente como desde muito cedo as pessoas buscam ser sujeitos com sua individualidade, e como esses momentos trazem vivencias de casa relacionadas a questões afetivas como ciúme, disputa de carinho e medo de perder determinadas propostas.

J. na proposta do CR 09/09, conjunto que trabalha, as vivências sob temas musicas que promovem experiências de relação com conteúdos muito primitivos copia o que Li. faz e isto a incomodava muito. Li diz: eu não gosto que ela me imite porque desde cedo, quando eu era bem pequenininha, não gostava que ninguém me imitasse!

Li.: Eu sabia que ela ia me copiar, isso me irrita. Olha em tudo ela me copia e imita. Olha aqui eu fiz uma nuvem, ela fez também, eu fiz uma linha reta, ela fez também e eu não gosto.

A imitação na psicologia é estudada em diferentes correntes teóricas. Na teoria genética, a imitação acompanha o nível de desenvolvimento, formando estruturas internas de representação simbólica evidenciando a inteligência, sendo cópia de imagens que são interiorizadas (PIAGET, 1978). Para a concepção behaviorista, a imitação é a cópia objetiva e mecânica do que está próximo, modificando o comportamento do indivíduo e compondo seus hábitos. A criança aprende por modelagem, observação (FRANÇA, 1998).

Esta tradição será quebrada por Vygotsky, que vê na imitação um processo dinâmico que favorece e possibilita a aprendizagem, desmistificando o aspecto mecânico ou restrito que lhe é conferido. Questão que não tem passado despercebido por estudiosos da obra de Vygotsky, como podemos observar em Duarte (1999)Damiani (2001) e Gasparin (2002).

J diz: Eu copio porque eu não sei fazer nada, mas foi uma delícia imitar! Eu gosto de imitar a J. porque eu quero.Quando eu brigo com ela, ela bate em mim. Quando meu pai chega lá ela fica boazinha, ela faz gracinha para o meu pai, nem é pai dela.Li. Meu pai brinca com ela, faz tudo com ela, porque ele não pode fazer comigo?

A: A mãe dela é boazinha, a minha é bravona, ela bate em mim. Quando minha mãe bate em mim eu falo: chata e ela me xinga.   A mãe de Li. me busca na escola e não briga comigo, ela me abraça, brinca. A. falava da necessidade de carinho, atenção e do ciúme provocado por esta falta.  “O ciúme é baseado na inveja, mas envolve uma relação com pelo menos duas pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o indivíduo sente como lhe sendo devido e que lhe foi tirado, ou está em perigo de sê-lo, por seu rival”. (Klein, 1991, p. 212).

Em outro momento: Li. diz: Só porque eu cortei o dedo com a faca, eu tava brincando e cortei aqui, eu tava cortando uma bolinha e meti a faca aqui. Eu não vi não foi por querer.  A. pegou a faca e meteu no dedo também, só porque eu cortei 0 meu. Um dia fui lá no banheiro molhei o cabelo e passei creme, ela foi e molhou o cabelo e passou também.

A: É mentira dela, eu tava brincando também e cortei. J.: Não é ta, A. Você cortou e falou J. eu também cortei. É verdade lembra foi quando a minha mãe começou a cuidar de você.

Nesse relato acima pode -se perceber que as relações são condições básicas para a vida. A presença do outro vai aos poucos proporcionando a construção de quem somos. O outro vai mostrando e apontando comportamentos existentes dentro de nós. Assim a cada dia, a cada momento a outra soma, resignifica, mostra o que e quem se é.

O outro as vezes ameaça, mexe com os sentimentos mais profundos, desperta o medo de perder, o medo de amar, o medo de sentir seja qual sentimento for. Aparentemente uma briga ingênua, mas que evocam sentimentos escondidos.  Foi preciso passar por varias situações para que trouxessem algo que as estavam incomodando.

O outro também traz sensação de prazer, como também traz à tona momentos de carinho e de satisfação. Esses sentimentos foram vivenciados com propostas de trabalho corporal, onde havia momentos em que o toque era preciso.  “O tocar é essencial a comunicação, sendo um autentico ponto de encontro entre as pessoas. .... Através do toque podemos mobilizar o outro... (monteiro 2001 pg.126).

L. diz: é gostoso ficar juntinho. G: completa: A hora que eu e L. nos unimos e caminhamos foi muito bom, parece que a gente ta brincando de bebê com a mãe da gente. Meu machucado parou de doer, lembrei quando minha mãe faz carinho, dá beijinho, passa a mão, quando cobre e pega no colo. L. diz: Lembra quando ela dá beijinho, abraço, mexe no cabelo.

A. participa com um olhar de tristeza e comenta: Eu também gostei, mas minha mãe não faz carinho, ela bate. Eu tenho vontade.... Nem quando eu durmo ela faz. Ela vai para o inferno.

Em outra sessão no término do porta retrato J. traz novamente a dificuldade com sua mãe. G. diz vou colocar no porta retrato a foto da minha mãe e se ela deixar vou colocar no meu quarto. L. eu vou colocar a foto da minha mãe e do meu pai e depois vou por no meu quarto. Li. Eu vou colocar uma foto minha, tiro a foto do outro quadro e vou colocar, um dia eu rasguei uma foto minha e meu pai pegou todos os pedacinhos e colou, depois colocou no livro de trabalho dele. J. também comenta e diz: vou colocar a foto da minha mãe, pego escondido, ao ser interrogada por que precisa pegar escondido ela diz: se eu pedir pra minha mãe ela não dá. Li. Pergunta: e se sua mãe descobrir? J. Ela me bate, ela sempre me bate e xinga.

Percebe-se nestas crianças que a necessidade de afeto é enorme e deixa claro que “quando o corpo possui a intenção de conquistar o outro sob dominação, a mão deixa de ser suave para tornar-se garra, corrompendo o encontro, incapacitando o diálogo, distanciando a relação. (Monteiro,2001, pg.127)

Na sexta sessão após uma proposta corporal onde havia movimentos com as mãos e pés, pernas e braços, surge o seguinte diálogo: G. Foi gostoso, porque o corpo fica saudável, mais forte.  L. todo sábado eu faço ginástica com meu pai e minha mãe. L. diz é bom para ficar forte e falam sobre ficar gordos. Li. diz: A J. vai ficar gordona. G. Eu não acho a J. gorda. J. diz querer ser gorda, gosta que a chamem de gorda e diz que a mãe a chama de gorda baleia e outros denominativos, repete que quer ficar gorda baleia.

Ser gorda é uma forma de se relacionar com a mãe, mesmo que esta forma de relação não seja saudável, pois “é na dança das relações que existimos e nos realizamos em nossa corporeidade. (Monteiro 2001 p.36). Existe um acordo entre as duas já que as histórias estão interligadas e esse acordo segundo Monteiro será mantido enquanto houver coerência entre as histórias e se essa coerência for rompida novos arranjos entrarão em vigor caso contrário “ o corpo se inclinará à procura de outros vínculos que se associem a nova mudança estrutural” (Monteiro 2001 p.36).

Este assunto vem à tona novamente quando foi trabalhado o conjunto CR. 18 que são as histórias contadas e “tem por finalidade a projeção das crianças e a identificação com os personagens da história”. A história contada foi A porquinha do rabinho esticadinho de Rubem Alves.

Li. A gente tem que ser do jeito que Deus criou a gente. Eu adoro ser eu mesma. Não, não gosto de uma coisa eu gostaria de ter olho azul.  Eu puxei a minha mãe, minha avó tinha olho azul. G. O meu olho fica azul e verde e minha mãe acha lindo. L. minha mãe sempre diz que quando eu era pequeno era um bebê lindo. J. Eu não quero ficar magra, eu penso que vou ficar, muito, muito gorda, igual à mulher da escola. Li. Eu queria que a porquinha tivesse o rabinho enroladinho e eu queria ter o cabelo grande porque eu cortei. G. Vou deixar meu cabelo crescer. J. eu queria ter o rabinho enroladinho. Eu queria ser um porquinho, eu sou bem gordinha.

J. está impregnada da fala da mãe quanto a ser gorda, deixa transparecer uma forte identificação a ponto de querer ser um porquinho, ou mesmo ser muito gorda como a mulher da escola, muitas vezes há uma forte correspondência do que os pais querem ou esperam de nós. É difícil sair das expectativas criadas por pais em relação aos filhos, estas podem permanecer por toda a vida.

Esses momentos deixam J. sempre angustiada e ansiosa, e em qualquer situação conflitiva faz uso do dedo na boca para suportar as frustrações e privações lembrando o uso que a criança faz em alguns momentos do objeto transicional e de posse a este objeto “efetua uma verdadeira tomada de posse sobre o objeto, geralmente o enxovalha, chupa, suga-o, destrói-o, deposita nele afetos variados” (Fontes, 1999 p.213). G. também faz uso de um objeto transicional e trouxe isso em um determinado momento, mas esta é uma boneca chamada Stefani princesa dizendo: Não consigo dormir sem que a boneca esteja ao meu lado. As vezes eu deixo ela na sala e tenho que levantar e pegar a Stefani aí eu durmo rapidinho.

É muito evidente a importância do uso do objeto transacional nestes dois casos. Entretanto para muitas crianças este objeto se mantém escondido, não é um objeto permanente já que pode ser trocado ou substituído por outros ao longo do desenvolvimento. Assim o objeto deve ser respeitado, pois “o mundo nunca é como nós o criamos e o melhor que pode acontecer a qualquer um de nós é que haja uma coincidência suficiente da realidade externa com aquela que podemos criar”. (Fontes, 1999 pg.213).

Para Winnicott esse objeto é Importante na vida da criança porque eles dão a capacidade de conviver com as frustrações e privações bem como a apresentação de situações novas e em uma situação de separação ou de transferência de um lugar para outro de uma criança quando privados desse objeto “a criança é incapaz de funcionar como um ser humano total” (fontes1999 p.213)

A cada proposta realizada novas situações se apresentam, situações estas que devem ser vivenciadas para que um novo significado seja dado como a situação de G. em relação a morte de seu Tio, que deixou de ser algo tão secreto que a fazia calar-se não somente para os outros, mas para ela mesma. A partir do trabalho pode deixar seus sentimentos eclodirem, permitindo-se chorar e sofrer a perda até então negada. J. que era uma criança que não cuidava muito de seu aspecto, ou seja, andava com roupas maiores que ela, as vezes comparecia as sessões vestida com roupas da mãe e suja, com o passar do tempo foi criando um auto estima que deixava transparecer no exterior, deixa transparecer a mudança em seu corpo. Seu relacionamento com a mãe mudou, sua mãe também sofreu um processo de mudança, no decorrer do trabalho com J. foi necessário entrar em contato com a mãe algumas vezes e isso possibilitou juntamente com o trabalho construir novas formas de relacionamentos entre J. e sua mãe.

L e Li. também fizeram a sua caminhada, experimentaram diferentes sensações e sentimentos a partir de uma mesma proposta respondendo cada um dentro de sua individualidade, mas que possibilitou uma ressignificação de conteúdos nem sempre expressos. Cada um trouxe para as sessões suas experiências que apesar de tão pouca idade já trazem marcas profundas. Marcas que nem sempre são visíveis, mas que estão ali e com as propostas tiveram a oportunidade de trazer à tona nem sempre de uma maneira tão compreensível para mim que muitas vezes me via retratada em cada um.

Um observador que se sentar à beira de um rio para contempla-lo em silêncio verá que as águas correm sempre e sempre, em movimento ininterrupto, poderá constatar também o quanto o fluxo do rio é mantido ou acelerado pelos obstáculos encontrados pelo caminho, como galhos de árvores, rochedos ou mesmo a estreiteza das margens em determinados pontos do seu percurso. Estes obstáculos, porém, nunca poderão cessar o fluxo do rio, ao contrário, possibilitarão novos modos de ritmo, evidenciando sua força e beleza. (...). Qual o destino das águas? A resposta é simples: não podemos saber, pois as águas só possuem a certeza da mudança a cada obstáculo, a cada bifurcação encontrada em seu trajeto (…). Entretanto, a dúvida persiste e o observador é instigado a buscar respostas para compreender o que lhe falam as águas.

Penso que este trecho descreve bem o trabalho realizado com Ramain Thiers, o de observar para ver o movimento de cada pessoa que ali se encontra para o trabalho, perceber os obstáculos que impedem o sujeito as vezes de caminhar e que o leva muitas vezes a encontrar um novo percurso, percurso este que poderá leva-lo a tantos caminhos. Pode-se perguntar. Qual é o caminho das águas, ou seja, qual o caminho de cada criança que passou por este trabalho. Não posso dizer com certeza, pois tiveram muitos obstáculos, muito trajeto a ser percorrido. No decorrer do Ramain Thiers procurei entender o que eles falavam, e falavam de   aceitação, medos, angustias, necessidade de afeto. Traziam seus mundos para serem partilhados e que se não houvesse cuidado e afeto poderia ser uma experiência improdutiva tanto para eles como para mim.  Independentemente da idade com quem se trabalha o Ramain-Thiers leva o sujeito a transformar, a mudar o rumo das marcas deixadas por suas histórias.

 

REFERÊNCIAS

 

MARCELLI, D. e BRACONNIER, A. Manual de psicopatologia do adolescente. Trad. FILMAN, A. E. Porto Alegre: Artes Médicas. São Paulo: Masson, 1989.

 

OSÓRIO, L. C. Grupoterapia hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

 

THIERS, S. Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e social. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. 

 

THIERS, S. Orientador Terapêutico para Crianças - CR. Rio de Janeiro: Cesir – Núcleo Ramain-Thiers, 1997.

COLEÇÃO
RAMAIN-THIERS

Leia o livro digital que você deseja
------------------------------------------------

------------------------------------------------
Volume I
Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
------------------------------------------------
Volume II
A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
------------------------------------------------

Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

------------------------------------------------
Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Página melhor vizualizada em 1024 x 768 px
Envie esta página por e-mail