Vol. XI: Vitrais 85 - jan 2018

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719

 

VITRAIS
Vol. X: Vitrais 85

                        jan 2018

 

Editorial

Notícias

Literatura

William J. Bennett


Artigos

Tânia Virgini do Vale Voss

Euzilene Maria dos Santos

 

Reflexão

Albigenor Militão
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Artigo 2

Um trajeto na Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers

Euzilene Maria dos Santos

 

UM TRAJETO NA
SOCIOPSICOMOTRICIDADE RAMAIN-THIERS

Euzilene Maria dos Santos

Pedagoga e

Sociopsicomotricista Ramain-Thiers

Este trabalho tem como finalidade apresentar uma trajetória de estágio supervisionado, para a obtenção do certificado de conclusão da formação em Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, realizada em Vitória, ES, no período de 1999 a 2002.

Os primeiros passos para o estágio são referentes ao público participante, que no caso, será apresentado através da anamnese.

ANAMNESE (nomes fictícios):

Katrine 

É a terceira filha do casal. São casados. Depois dela vem uma menina de um ano.

A mãe informou que teve boa gestação, que Katrine nasceu em maternidade, de parto normal. Andou com 11 meses e foi amamentada até os três anos, tem sono agitado, falou cedo e sempre trocou muito as letras e as sílabas. O controle de esfíncteres foi próximo aos dois anos. Suas amizades sempre foram do tipo “entre tapas e beijos”, assim como é a relação com as irmãs. Gosta de ouvir música, brincar com boneca e se alimenta bem. Mora em casa de alvenaria com seis cômodos. Não apresentou dificuldades na adaptação à escola, iniciando com sete anos. Seu sistema de correção é “dar porrada”. Quanto a sair de casa para qualquer lugar tem que ter autorização do pai e acompanhante. Deixou claro que não conversa sobre assuntos relacionados a sexo.

 

Washington 

É o caçula de sete irmãos. A mãe, Maria de Fátima Campos, divorciada, falou que seu filho sempre teve problemas para se relacionar com os outros por causa da fala, tinha fenda palatina.

COLEÇÃO
RAMAIN-THIERS

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Volume I
Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
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Volume II
A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
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Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

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Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na gestação teve problemas e ele nasceu em 30/09/89, na maternidade, de parto normal. Andou com nove meses e só falou aos quatro anos por causa da fenda palatina, aos seis anos chupava chupeta, tomava mamadeira e era amamentado ao peito. Sono muito agitado e só foi separado do quarto dos pais depois de grande (não disse a idade) e lembrou que até hoje ela ainda acorda várias vezes a noite para vê-lo. Disse que ele urinou na cama até os cinco anos. Com oito anos caiu de uma laje de quatro metros e quebrou o maxilar. Entrou na escola com sete anos, mas teve muita dificuldade de se adaptar, foi muito rejeitado por causa da fala e que até hoje suas amizades são pessoas mais velhas. Não mora com o pai e reclama muito a ausência deste e com os irmãos tem um relacionamento normal, com brincadeiras e brigas. O sistema de educação e correção usado pela mãe é ter muito diálogo e se precisar castiga tirando o que gosta, “castigo só em caso muito sério”. Disse ainda que ele gosta de música e de esporte. Da alimentação, falou que por causa da fenda palatina ele comia muita coisa pastosa e que aos poucos foi sendo introduzida a alimentação normal e que hoje ele se alimenta normalmente. Ele não sai de casa sozinho e sem permissão. Afirmou que o filho não tinha curiosidade sexual.

 

Venâncio 

É o caçula de um casal de irmãos. Os pais são casados. A mãe reclamou que o filho tinha muita dificuldade em aprender. A sua gestação foi problemática, passavam mês em casa e outro no hospital e que ele nasceu em 19/07/89 de cesariana. Andou com um ano, falou com dois anos, usou chupeta, mamadeira e foi amamentado ao peito até os três anos. Tem sono calmo e foi retirado de perto dos pais com cinco anos, mas sempre dormiu com os pais. Controlou os esfíncteres por volta dos dois anos. Única doença quando pequeno foi pneumonia, uma vez. Tem bom relacionamento com os pais e quase não tem amizades seja na rua ou na escola, que ele gosta de brincar quando vai a casa de uma tia nos feriados. A mãe não gosta que ele saia e a forma de correção é o diálogo e se necessário tira-lhe o que gosta. Mora numa pequena casa de tábua com um quarto, uma cozinha e um banheiro. Falou que a alimentação dele é ótima. Lembrou que foi muito difícil deixá-lo na creche com seis meses, os dois ficavam chorando e que ele demorou muito a se alfabetizar. Disse que ele não tem curiosidade sexual e que na família não conversam sobre “isso”.

 

Laila 

Foi muito difícil conversar com alguém da família de Laila. Um dia o pai veio a escola, com muita pressa, dizendo que não podia demorar. Nessa curta conversa consegui a autorização dele para que ela participasse do grupo.

Ela foi encaminhada por apresentar grande agressividade, dificuldade de relacionamento com professor e aluno. A preocupação é com seu futuro, já que a escola sabia que suas irmãs mais velhas já haviam deixado a casa dos pais, uma estava morando com um marginal e que a outra estava na prostituição (a idade delas é de 14 e 16 anos respectivamente). A mãe alcoólica, quando nesse estado espanca Laila, se o pai toma conhecimento sai batendo na mãe e assim vira um círculo vicioso de violência. Ela é a caçula de três irmãs.

 

RELATO DA EXPERIÊNCIA 

Iniciei a primeira sessão da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, com Washington e Katrine conversando sobre o contrato, que são as regras seguidas: sigilo, presença, retirando dúvidas sobre a metodologia e apresentando o trabalho que seria realizado, ou seja, apresentando a verbalização, que seriam os momentos de conversa entre todos do grupo; o trabalho corporal, que seria o momento de movimentos corporais e a psicomotricidade diferenciada, que seriam propostas escritas.

Logo após a conversa foi iniciado o processo terapêutico.

Apresentei o Trabalho Corporal, que foi feito com ênfase no reconhecimento do corpo e a posição no espaço. Mexendo braços, mãos, pernas, pé, pescoço, eixo central, direita/ esquerda, frente/costas.

Verbalizaram que foi bom.

Observei que não apresentavam praticamente nenhum conhecimento do seu corpo. Tinham muita dificuldade para se mexer, para atender ao que era pedido, manter o equilíbrio, enfim, mostraram-se estranhos ao seu próprio corpo. Isso me fez pensar no que foi bom para eles? Pensei na possibilidade que eu estava dando a esses sujeitos de conhecerem o seu próprio corpo e de se conhecerem.

Como proposta diferenciada foi pedido um desenho livre e eles ficaram muito concentrados.  Quando acabaram conversamos sobre os desenhos.

Washington falou que havia feito o desenho do campo de futebol pensando muito em seu pai e que ele sempre ia ao campo com seu pai quando era pequeno. Gosta de futebol pois é uma arte, depois comentou sobre sua vida com a mãe. Já Katrine falou muito do seu desenho, comparando-o com o local onde mora. Seu desenho era um ambiente perfeito e sua casa (onde mora) não tinha muita coisa dela naquele desenho. O tempo todo falou do pai.

Katrine falou muito do pai e Washington se referiu a mãe, pois o grupo é lugar de projeção de fantasmas e nesse momento estavam projetando seus fantasmas, na cena criada por eles. Eles surgem de uma forma mais contida no início do grupo, mas depois são revividos e liberados através de projeções e assim vão refazendo e reconstituindo as imagos.D. Anzieu, 1986,declara: 

[...] “que o fantasma possui uma organização grupal interna”. Isto explica claramente porque o indivíduo busca e encontra em qualquer tipo de grupo formal os personagens que podem desempenhar, a nível de realidade, o papel desejado por ele, a fim de corroborar o desejo ou os temores contidos em seus fantasmas. O Indivíduo prosseguirá com essa mesma busca no grupo não diretivo e terapêutico, com a única diferença de que, neste caso, como em qualquer situação analítica, a projeção desempenhará um papel muito mais importante. (DECHERF, 1986, p. 91). 

Nesse caso,Katrine trazia à tona seus fantasmas referentes a imago paterna(lei) eWashington a imago materna(desejo).

Como é o início do trabalho grupal, eles apresentam o interesse claro por rever e reviver seus temores e desejos. 

A Segunda proposta foi recortar de revistas,as figuras que gosta e colar em meia folha de papel Kraft.

A princípio Washington falou que não gostava de nada, mas pegou as revistas e começou logo a recortar. Katrine desde o início deixou claro suas preferências: artistas, bichos de pelúcia, comida e outros.

Os dois enquanto recortavam falavam de suas vidas.

Ele: de sua vivência com a avó em Belo Horizonte e de seus primos.

Ela: com seu convívio com seu pai em casa. Não mencionou muito a mãe, somente quando falou que a mãe iria levá-la ao médico para saber o que era uma dor de garganta que aparecia toda vez que ela chegava em casa. Perguntada se ali aparecia a dor (naquele momento) ela disse que não e nem quando está na escola.

Os desenhos livres me serviriam para avaliar em qual fase do desenvolvimento psicossexual eles se encontravam. No fim da sessão ao avaliar cheguei a conclusão que era a fálica.

Só que no mesmo dia apliquei uma proposta da fase genital. Isso só me foi mostrado em supervisão, não havia percebido tal fato. É assim que se percebe o quanto enxergamos e ouvimos o que queremos, pode ser erro de principiante, mas nesse caso, foi evidentemente o não querer enxergar devido ao narcisismo: ”Agora sou terapeuta, não erro”.

Na sessão seguinte foi apresentado um novo integrante ao grupo, Venâncio, ficou sabendo das regras e sigilo da terapia.

Como já haviam iniciado anteriormente a proposta, Venâncio ficou sabendo o que era para fazer e de imediato começou o seu. Ficaram muito calados e quando Katrine falava se referia a outras pessoas e não a si ou a coisas que lhe dizem respeito.

A falação de Katrine demonstrou um mecanismo de defesa para não entrar em contato com o que estava apresentando no trabalho que fazia, pois deixava claro o conflito entre sua procura por uma identidade adulta e o medo de perder a vida infantil, desejo pela criança que não queria perder, demonstrado através de recortes de bonecas, brinquedos, maquiagem, fotos de modelos, fotos de artistas famosos.

Esses medos são normais na adolescência, já que a adolescência é uma etapa de buscas constantes, segundo Marcelli e Braconnier, 1989, p. 196: “o despertar e remanejamento das posições infantis, associados à emergência de novos investimentos”, onde o indivíduo busca estabelecer sua identidade, que o fará fazer escolhas e sofrer perdas, se apoiando na relação parental e sua convivência com a sociedade. Nessa construção o indivíduo passa por conflitos e lutos. Os lutosse vinculam à perda do corpo infantil, do seu espaço como criança, perda da dependência dos pais e da convivência com sua “ vida adulta”, modificações no corpo, a tomada de atitude buscando uma identidade.

São essesos conflitos mostrados por Katrine quando cola figuras de bonecas e de modelos famosas? Ela está entre a criança e o adulto, está buscando saber: “Quem sou? ”. Penso que a sua dificuldade confirma esta possibilidade.

Terminaram o trabalho com recortes aparecendo um pouco de cumplicidade entre Katrine e Venâncio, o diálogo foi aparecendo, mesmo sendo pequenos e rápidos.

Em outro dia, a sessão ficou restrita ao trabalho corporal.Aconteceu que ao preparar o material da sessão eu “esqueci” o papel quadriculado que precisaria usar, não sendo possível fazer a proposta diferenciada.

Resolvi iniciar a sessão com o trabalho corporal sem saber ao certo o que fazer a seguir.Pedi para caminhar pela sala com respiração profunda no ritmo da música (lenta).Ao passar pela mesa pegar um pedaço de papel celofane. Olhar através do papel todas as coisas, mesa, cadeira, o outro, o teto. Continuar caminhando e ao passar pela mesa pegar outra cor de papel e fazer a mesma coisa que havia feito com a cor anterior.Após, com as duas cores de papel na mão trocar um com o outro e também observar. Parar em frente ao outro e juntos criar um objetocom os papéis.

Foi aí que Venâncio e Katrine pararam e não conseguiram continuar, mesmo eu dizendo que podia amassar, modificar o papel, juntar. Após uns minutos resolveram usar a mesa e entãocomeçaram a criar um cenário: um mar com peixes. Para isso rasgaram os papéis e pediram durex. Conseguiram fazer após um longo tempo (não sei se para eles ou se para mim). Foi feita a finalização do trabalho corporal com a despedida do produto e partimos para a verbalização. Falaram que fizeram o mar porque o mar significa liberdade e eles gostam dela. Pouco falaram e eu pouco questionei. Terminei a sessão com a sensação de estar voando cega em meio a nuvens.

Segundo Marcos Berstein, 1986, Pichon-Rivière, declara que: 

“Todoo processo de cura implica mudança”. A atitude diante da mudança pode ser positiva e falamos, então, de atitude mutante; ou negativa, à qual chamamos de resistência à mudança.  Frente às situações de mudança, surgem os medos básicos: o medo da perda e o medo do ataque. O primeiro é o medo de perder o que já se tem (por exemplo: marcos referenciais prévios, benefícios secundários do sintoma, adaptações passivas à situação de enfermidade, etc.). O segundo é o temor frente ao desconhecido, que pode ser perigoso, e diante do qual sentimos que não estamos instrumentados para manejar com a situação.

(OSORIO, 1986, p.109.). 

No processo terapêutico procura-se a diminuição dos medos básicos, pois eles “paralisam o eu e o tornam impotente”. No grupo será fortalecido o eu e sua adaptação à realidade.

O que havia até aqui era um total envolvimento entre terapeuta e grupo, sem definição de papéis (quem é o terapeuta?).

Essa sessão mostrou que eu necessitava de estudo e de confiança no que fazia. O planejamento, a atenção, a escrita do relato do acontecido no dia da sessão, a preparação de outras propostas para não ser surpreendida por mim mesma.

Foi um período de muito aprendizado e de questionamento para mim, foi a partir daí que me propus realmente a definir papéis, ter atenção interiorizada e aprender a ser terapeuta.

Em outro dia, aconteceu o primeiro encontro de Laila, passei as regras, Katrine demonstrava muita alegria em ter mais alguém no grupo. A proposta foi uma semi-diretiva que seria construir uma escultura diferente de pessoa com isopor e estilete.

Elas dividiram o isopor em partes iguais e começaram a fazer. As duas decidiram fazer uma árvore, mas quem primeiro começou foi Laila. Mostrou-se muito decidida, sem medos, sabendo o que fazer.

A Katrine mostrou-se muito insegura, fazendo e refazendo. Sabia o que fazer,mas não achava que estava bom.

Ao final, Laila falou que fez uma árvore em homenagem a natureza e que lembrava de sua casa. Katrine também lembrou de sua casa e do quintal.

Laila me provocava muita antipatia e foi nesse encontro que percebi a contratransferência e aindaa causa. Ela representava o meu espelho, tinha atitudes na escola que eu negava em mim e a antipatia era uma atuação. Ao mesmo tempo ela era uma pessoa que reivindica o que quer, o que me provocava inveja e por isso menosprezava, para anulá-la e continuar no meu mundo perfeito onde reinava e ninguém atrapalhava. Para entender o que é contratransferência, é preciso saber o que é transferência.

Segundo Roberto Bittencourt Martins 1986, transferência para Freud: 

[...] “sãonovas edições de impulsos e fantasias do passado que surgem no curso da análise” e “substituem uma pessoa anterior pela pessoa do médico” ... e, ainda, ...”uma série completa de experiências psicológicas são revividas não como pertencentes ao passado, mas aplicadas no momento presente ao terapeuta”. (OSORIO, 1986, p. 54.). 

Portanto é num setting terapêutico individual e ou grupal, que a transferência de sentimentos e imagens infantis guardados ressurgem e são direcionados para o terapeuta ou para qualquer outro elemento do grupo. Quando isso acontece com o terapeuta, ou seja, existe uma resposta de sentimento e ou uma reação do mesmo diante da transferência, ocorre a contratransferência. Dessa forma, entendendo o que ocorria, pude conviver melhor com a Laila.

Passando os dias percebi que a relação deles com o corpo estava melhor. Assim preparei um trabalho corporal onde a ênfase foi dada ao tato. Trabalho com tecidos com texturas diferentes. Escolher um tecido e brincar, passar pelo braço, rosto, pernas. Agrupar dois a dois, trocar os tecidos e experimentar. Reunir em grupo e cada um vai fazer um gesto com o tecido em que os outros possam repetir. Despedir dos tecidos deixando-os na mesa.

Neste trabalho corporal, quis enfatizar o contato com o corpo, esse corpo que no adolescente está se modificando rapidamente: no biológico, no físico e no emocional. Ao se tocar, abre-se uma “janela” para que: possa extravasar as emoções, que essas modificações fazem aparecer; dê condições de viver os lutos; comece a aceitar a perda do corpo infantil e o início do corpo adulto;enfrentea saída do grupo familiar, para ser ele mesmo e procurar construir uma identidade própria. Ao brincar com os tecidos é despertada a sensibilidade e o contato com o outro, na troca de atividades ou repetição de gestos, onde a tentativa é de facilitar o inter-relacionamento dos elementos do grupo. 

Na proposta diferenciada:  AD 01/04, todos fizeram, mas pouco verbalizaram.

Washington reclamou o tempo todo, falando que o dele estava errado, feio. Quando o questionado, porque ele disse que estava feio, responde: porque estava, ou porque sim ou não respondia.

Venâncio fez a cópia de uma forma bem diferente, então perguntei porque você preferiu fazer assim, ele falou porque quis.  Perguntei se havia diferença entre o modelo e o que ele fez, ele falou que havia e que queria que ficasse assim.

Laila demonstrou que não gostou de errar, teve muitas dificuldades com a trocas de lápis de cor e na hora de montar.

Katrine teve muita dificuldade em contar os pontos e de fazer a cópia antes do recorte.

Todos demonstraram defesa e atenção. Cada um buscou a aprovação da terapeuta de uma forma: reclamando, se fazendo de displicente, com insegurança ou se achando o máximo.

No Trabalho Corporal: ênfase na respiração, eixo central e lateralidade, buscaram seguir a proposta sem muito interesse.

Na proposta livre onde foi pedido para fazer uma flor com papel de doces e fio para flor.Foi dado cinco papéis brancos para cada um e mais cinco papéis de outra cor (eles escolheram o prateado entre outras cores).

Washington de início nem escolheu, pegou a mesma cor que Katrine. Estimaram o tamanho dofio, mas não sabiam como fazer. Washington iniciou e Katrine começou a copiá-lo, na medida que o tempo passava ela foi se soltando e fez uma flor bem diferente.

Washington reclamou muito e sempre falava que o dele estava feio, questionado porque dizia isso, ele respondia que não sabia. Num dado momento, ele falou que nem a mãe dele ia achar bonito. Então perguntei se a mãe dele sempre achava as coisas que ele fazia feio e ele respondeu que não e ficou quieto.Daí a pouco ele falou que estava com fome e que não havia tomado café da manhã, pois havia acordado mais tarde e seus irmãos tinha comido tudo. Perguntei se ele fala com os irmãos sobre isso e ele disse que não adiantava nada.

Katrine falou do feriado, dos professores e que achava uma das professoras uma “mãe” e que era uma pena que mãe só tinha uma. Aí Washington falou que não concordava, que nós temos várias mães e em vários locais, quer dizer, tem gente boa em todos os locais.

Porque lembraram da mãe?

A mãe é quem gera o filho, o alimenta e dela vem a família. É isso que todo adolescentebusca e repara quando tem a oportunidade de trabalhar em terapia. O queo indivíduo busca e quer é uma família com boa convivência, que o sustente para sua vida futura.

A imago materna leva ao desejo, o desejo de gerar, de criar, de descobrir. Desta forma lembraram da mãe e em sua criação surgiram flores bonitas. Eles realizaram aquilo que pretendiam, pois tinham desejo de fazê-lo.

Todo mundo busca o colo e a aprovação de mãe.

A transferência para o terapeuta, representava nesse caso a “mãe” a quem eles buscavam aprovação e o carinho. Por isso Washington reclamava, queria atenção e Katrine só consegue fazer quando incentivada. Dando o suporte necessário eles criaram e se realizaram na proposta.

Na proposta AD 14/04, o entrelaçamento com dois fios de cores diferentes, onde eles escolheram as cores de sua preferência.Começaram com um pouco de dificuldades de seguir o modelo e localizar o ponto A no tabuleiro. Durante todo o momento foi necessário dar sustentação aos três, pois houve muita brincadeira entre Katrine e Washington. Apresentaram uma dificuldade em comum que foi rodar o tabuleiro conforme o entrelaçamento ia acontecendo. Pontuei essa dificuldade e associei a alguma dificuldade da vida. Se você encara o problema com um ponto de vista definido sem ficar complicando, ou seja, virando é mais fácil resolvê-lo. Os três conseguiram fazer e com o segundo fio foi mais fácil e mais rápido.

O entrelaçamento foi escolhido para trabalhar a organização visual e o relacionamento no grupo. O entrelaçamento leva o adolescente a ver o outro, se espelha, jogando para o outro a figura parental. É possível que por isso surgiu a brincadeira, os risos, para fugir desse contato. O primeiro contato foi mais difícil, a primeira linha, se negando até a começar, pois não enxergavam o ponto A. Com o primeiro contato feito, a continuação foi mais fácil. Asegunda linha foi agradável, depois do impacto do primeiro contato, das atuações na vida, das transferências vividas nas sessões aceitar outro fica um pouco mais fácil.

No período de festas juninas foi dada a instrução que era para eles construírem uma maquete de uma festa junina contendo os seguintes elementos: barraquinha, pau de sebo, fogueira e pessoas. O que quisesse acrescentar poderia.

A base era um isopor e material bem variado: barbante, massa de modelar, papel de seda, palitos variados eoutros materiais.

A confecção começou com Washington fazendo a fogueira e com a total liderança de Katrine sobre o mesmo, dizendo o que queria e como queria. De repente ele cansou de obedecê-la e foi fazer as bandeirinhas. Ela ficou na fogueira. A partir daí instalou-se a disputa pela liderança, como também, pela minha preferência. Disse a eles por várias vezes que o grupo eram eles e que tinham que decidir juntos.

Ficou pronto uma barraquinha, a fogueira e um lado de bandeirinhas.

No encontro seguinte já iniciaram pegando os materiais para continuar a festa junina. Washington falou que tinha que cercar a festa e foi logo pegando o barbante e fechou todo o local da festa. Quando perguntado: como as pessoas iam entrar? Ele responde: que iam passar por debaixo. Pergunto ainda, se a vida dele havia muita coisa que ele não podia fazer, ou se ele cumpria muitas normas, mas ele nada disse e continuou. Começou a colar bandeirinhas na cerca e fez uma barraquinha do lado de fora do cercado. Katrine perguntou para que aquilo e ele falou que era a bilheteria ou um local onde os dançarinos poderiam trocar de roupa antes de dançar.  Os dois fizeram várias bandeirinhas juntos e o tempo todo foi de implicância de um com o outro.

Em outra sessão, pegaram o material e falaram com Venâncio o que estavam fazendo.  Katrine logo o tomou como ajudante, mas toda vez que ele ia ajudar ela desfazia do resultado dizendo que não era aquilo queria, e ele sempre aceitava calado. Certa hora pontuei, dizendo a Katrine se ela costumava tratar as pessoas daquela forma, ou seja, chamar as pessoas para perto e depois desfazer de tudo e de todos, como estava fazendo com o Venâncio. Perguntei se ele ia ficar sem reagir, se ia ficar aguentando calado aquela situação, mas ele não falou nada. Aí, em silêncio foi ajudar Washington que lhe havia chamado. Juntos fizeram o pau-de-sebo com um saco de dinheiro fincado no alto e fizeram os dançarinos. Acabaram os três fazendo os banheiros e o chão com as pontas de lápis.

Finalizaram, limparam e organizaram.Então pedi que escolhessem: quem gostaria de receber o trabalho e ou, quem gostaria de dar o trabalho. Washington logo falou que gostaria de ficar com trabalho,pois gosta de levar para casa aquilo que faz. Venâncio falou que dava para Washington por causa do seu empenho. Katrine falou que dava para Venâncio por ele ter participado naquele dia. Perguntados como se sentiam vendo o resultado dos trabalhos? Responderam que sentiam bem e capazes. Katrine perguntou se podia voltar atrás, porque gostaria de dar o trabalho para Washington, pois ele implica muito e brinca demais, mas o seu trabalho aparece.Pedi para que levasse para casa, mas os três me pediram para mostrar a Diretora da Escola. Eu falei que podia.

A diretora havia saído naquele momento, então mostraram as pedagogas e deixaram lá para mostrar a ela.

Depois de alguns dias, foi mostrado a diretora e levado para casa, sem precisar lembrá-los.

G. Decherf, 1986, p. 123, afirma que: “tudo que a crianças fazem ou dizem no grupo tem um sentido, quer se trate de atitudes, produções, demandas afetivas, provocações eventuais, etc...”.

Muito gratificante observar o empenho desses meninos e verificar que começavam a se valorizar mostrando o seu trabalho.

Nessas sessões ficou claro a disputa pela liderança no grupo.

Decherf,1986, ainda afirma que para Freud existem vários tipos de grupo, sendo que o primeiro deles é a família. O adolescente tem uma tendência grupal, pois é no grupo que ele adquire forças para a transição da saída da família e entrar na sociedade com uma personalidade adulta.

No grupo sempre aparece a figura deautoridade, sendo essaautoridade o ideal do grupo. Os líderes assumem vários papéis, segundo G. Decherf, 1986, podendo ser: Megalomaníacos,Edipianos e Heróis. O seu aparecimento é um mecanismo de defesa contra a angústia. Ao se destacar como líder, os outros ficam submissos ao seu poder. Quando o grupo se cansa ou não o quer mais o líder o destituem elegendo outra liderança em seu lugar.

Nessas sessões houve uma luta muito grande pela liderança entre Katrine e Washington sendo esse o escolhido para ocupar o lugar de líder edipiano devido seu domínio e sedução.

Em outra sessão iniciei com o trabalho corporal.

Foi pedido para entrar em contato com a música, caminhando lentamente pela sala, respirando fundo e quando achar um local que lhe agrade, parar.Com as mãos unidas esticarem bem o corpo. Tentar ocupar o menor espaço possível. Nesta posição, se abraçar, se acarinhar nos braços, nas pernas, na barriga, no cabelo, etc. Depois aos poucos sair dessa situação de menor espaço, s sentando, esticando as pernas, os braços e se levantando. Tentar ocupar o maior espaço possível se espreguiçando. Caminhar e voltar aos seus lugares.

Neste trabalho corporal, no momento em que pedi para ocupar o menor espaço possível, Katrine não conseguiu e falou que não sabia, pedi que observasse o colega, então conseguiu se encolher. Não verbalizou nada sobre o assunto.

No momento em que pedi para dar carinho para seu corpo, Washington, não fez, pulou essa etapa, ficou parado ou alisava só os seus braços. Também não verbalizou.Venâncio e Laila disseram que foi um trabalho agradável.

Na proposta apresentada, Caleidoscópio AD 08/08, foi proposto colorir o papel quadriculado de fora para dentro.Katrine achou muito difícil, ficou insegura para começar, mas aos poucos foi fazendo. Não falava muito mas reclamava. Numa certa hora pediu café e biscoito. Comeu. Pegou o lápis novamente. Perguntei se lembrava das regras da proposta. Ela assegurou que sim.Interpretei que precisavater mais confiança em si própria. Ela nada respondeu. Ficou em silêncio e depois falou que “Dentro vai ser mais difícil”, perguntei o que havia falado, como se não tivesse entendido e ela repetiu que a parte de dentro ia ser muito mais difícil.Perguntei se começar pelo lado de fora era mais fácil e me disse que sim. Perguntei como se muda pelo lado de fora e ela disse que não sabia e calou-se. Tornei a perguntar como se muda do lado de fora, após um tempo e a resposta foi a mesma. Disse-lhe para pensar em alguém que corta o cabelo, põe uma roupa nova, o que acontece quando encontra outras pessoas e ela disse que as pessoas notam e comentam que está diferente e com isso percebeu e falou que as pessoas podem mudar por fora modificando o seu jeito de vestir, de andar, de falar. Então lhe perguntei como se muda por dentro e ela disse que era mudando seus pensamentos, sentimentos e tornou a ficar calada. Depois disse que ia completar aquele pedaço, círculo e ia parar. Queria fazer uma parte muito difícil, então lhe disse que podia fazer algo mais fácil. Ela não conseguiu “ver”. Repeti que haviam partes mais fáceis. Foi aí, que ela viu os retângulos e disse que ali era mais fácil. Perguntei se ela não fica procurando as dificuldades, esquece de ver as saídas dos problemas e das dificuldades. Ficou silenciosa. Fez os retângulos e pediu para ir embora dizendo que continuava na próxima vez.

Em outro momento, continuou fazendo, só que agora, com mais facilidade. Demonstrava estar mais segura do que fazer. Quando acabou, deixou o centro vazio dizendo que era um buraco. Questionei porque? Ela disse que aquele era um buraco e o desenho de fora era o sol. Então perguntei quem era o sol? Falou “eu”.E que buraco é esse? Disse que não sabia interpretei que pensasse nela, na família e continuou dizendo que não sabia. Disse que o trabalho não foi tão prazeroso, mas que gostou de vê-lo pronto.

Ao propor o Caleidoscópio, quis mobilizar a escolha, o sentimento de integração e favorecer a solidão para a busca de sua identidade e através da criatividade elaborar o seu processo de luto.

Ao conseguir enxergar caminhos mais fáceis, escolhendo não o pior, mas aquilo que pode fazer com mais facilidade, está buscando um caminho sem sofrimento e com segurança, com isso, ao final se vê como um sol. Mas como toda criatura, ela tem um vazio, que nada mais é do que a ferida narcísica, que vai movimentá-la sempre em busca de algo para saciá-la.

Em outra sessão, numa proposta de atividade livreconstruíram uma árvore de natale demonstraram muito prazer em fazer a proposta. Os materiais utilizados eram variados. A base era pratos retangulares de isopor, palitos de churrasco e o restante deveriam criar.

Foi feita em duas sessões com um resultado muito bom. Haviam presentes, menino Jesus, estrela, carinho, cuidado e determinação.

Essa árvore foi exposta em uma Mostra de Trabalhos Manuais no final do ano, sendo muito elogiada.

Depois da Mostra, ela levou para casa e comentou que todos gostaram.

Katrine mostrou-se muito criativa, segura, muito diferente daquela que iniciara a terapia.

Katrine demonstrou grande crescimento criativo. Em momento algum pediu ajuda, teve segurança, soube escolher diante dos materiais disponíveis, planejou o que ia fazer. Fazendo essa árvore de natal foi possível notar o seu crescimento e como evidenciou que diante da vida ela pode criar e fazer coisas bonitas.

Na proposta de cópia, diálogo entre os bichos participaram Washington e Katrine. Cada um escolheu um bicho, ela o tucano, ele o pinto e fizeram a cópia. Depois eles escolheram outro animal e também fizeram a cópia, desta vez foi o inverso, ela fez um pinto e ele o tucano.

Fizeram em um papel cartão o cenário e a colagem dos bichos. Ficou um cenário pobre, onde os dois pintos estão no chão e os tucanos estão numa árvore que se parece mais com uma pedra.

Aparece a transversalidade, pois moram em um morro, de área pobre, sem muitos recursos naturais e sociais.

Após a colagem e feitos os cenários, partiram para fazer o diálogo entre os bichos. O tema escolhido foi a vivência em família, após várias propostas sem definições e com a minha intervenção é que saiu esta definição. As falas demonstram grande tristeza.

O Tucano (de Washington): “A minha família é igual a sua, as pessoas que tem em minha casa tem muita tristeza. É difícil ser alegre, eles brigam muito. ”

O Pinto (de Katrine): “A minha família é quase igual só que quem briga mais sou eu e minha irmã, mas estou tentando parar com isso. Faça como eu! ”

Nessa proposta, fica clara a transversalidade no setting terapêutico.

Os dois vivem a pressão das famílias desestruturadas e que na visão da sociedade estão na margem. Vivem nos morros em constante contato com todo tipo de violência. Eles traduzem essa tristeza nas falas e na decoração do ambiente. A árvore parece um morro e só tem o chão onde os pintos estão.

Será que não há mais nada?

Segundo Luiz Alberto Py M. Silva, Bion, 1986, descreve: 

[...] três suposições básicas: dependência, luta-fuga e acasalamento.

[...] de dependência, o grupo se comportacomo se um dos seus membros fosse capaz tomar a liderança e cuidá-lo totalmente.

[...] luta-fuga representa a convicção, frequentemente inconsciente, do grupo como um todo, de que existe um inimigo que deve ser combatido ou evitado.

[...] acasalamento que corresponde à crença coletiva e inconsciente de que os problemas e necessidades do grupo,sejam quais forem, serão solucionadas no futuropor alguém ou algo que ainda não nasceu. (OSORIO, 1986, p. 58.) 

No diálogo dos bichos, o grupo passou por todos os momentos, quando escolhiam o bicho, um ficou esperando o outro (dependência), após juntos definiram o que iam fazer e partiram para concretizar (luta-fuga), quando acabaram e escreveram as falas num clima de tristeza escreveram “eu estou tentando parar com isso, faça como eu” (acasalamento). Deixa claro que pode haver mudança, existe esperança em que as coisas podem ser modificadas e que através de suas atitudes a tristeza pode se transformar em alegria.

Em outro momento na proposta de ampliação de uma tartaruga em papel quadriculado de dois centímetros. A escolha da tartaruga foi feita por mim. Katrine ampliou com muita má vontade, reclamou dizendo que era difícil. Depois de feita, falei que era para enfeitar e apresentei os lápis coloridos, lantejoulas, purpurina, e outros materiais, mas ela simplesmente pegou o giz de cera e coloriu fracamente, colou uma concha no olho e outra na cabeça como se fosse um chapéu. Perguntei se era só e ela disse que sim.

Na supervisão seguinte mostrei e aprendi mais um pouco. Fui alertada que eu só “pedia” a Katrine, que as vezes é necessário pulso para ser terapeuta. O adolescente quer limite e não pode ser só “pedir”, “sugerir”, as vezes é importante comandar.

Foi sugerido que retomasse a ampliação, fazendo recorte, delineando com linha, e a colocando em um cenário.

Assim fiz logo na próxima sessão. Minha postura era que seria feito o que era proposto e não o que ela “queria”. Como era de se esperar, com minha postura íntima mudada o trabalho foi outro. Houve reclamação ao colocar a linha (a linha nesse caso significava o limite), mas foi feito. Recortou e colou no cenário feito em papel cenário e coloriu muito, usou vários materiais brilhantes e coloridos.

É importante ressaltar, que segundo S. Thiers, 1998: 

A identidade do Sociopsicomotricista Thiers é única, porque ela integra em si, além da sua própria experiência de vida, a condição de aceitar trabalhar o indivíduo global: corpo-mente-afetos-social. Ele não vai trabalhar só a fala, ou só os dados de cognição, ou só o inconsciente, ou só o movimento corporal, mas tudo, despertando um ser que não sabia que estava adormecido. (THIERS, 1998, p.40.) 

E ainda, S. Thiers, 1998 declara que:  

O Sociopsicomotricista deve estar inteiro na relação, sempre espontâneo na sua forma de ser, interiorizado para poder perceber que o acontecimento depende do contexto do grupo e da significância na singularidade de cada pessoa. A interiorização mobiliza as energias corporais ascendentes e descendentes, que acabam por permitir um fluxo energético mais intenso. (THIERS, 1998, p.44.). 

Aprende-se em todo momento. Foi esse o meu grande aprendizado. Ao entender, consegui um bom resultado na sessão. Eu estava com atenção interiorizada, ligada ao ser total que estava ali presente e me propondo a ajudar a crescer. Katrine reclamou da linha, ou seja, do limite, eu pude mostrar que era necessário fazer. Que ao fazer a tartaruga ficar bela, eu estava ajudando-a a ficar mais bela também.

Na proposta de atividade livre, o presépio foi oferecido materiais diversos: bolinhas de madeira furadas ao meio, areia, prato para planta, palitos de picolé, papéis de vários tipos, glitter, cola branca, lantejoulas, miçangas, arame para flor e pedaços de tecidos. Com o material fazer um presépio.

Nesse momento apenas Katrine continuava no grupo, que a princípio ficou perdida. Disse para que ela fizesse um planejamento, pensar nos elementos de um presépio e só depois fazer.

Então ela disse que num presépio tem: Jesus, Maria, José, animais, estrela, estábulo. Partiu para o trabalho. Colocou areia no prato e fez com palito de picolé uma cerca, tipo meio círculo, apoiado no prato, e unindo vários palitos apoiados na cerca, fez o teto. Jogou glitter “para ficar bonito” disse ela. Esse era o estábulo. Pegou as bolinhas e foi passando arame entre elas, unindo-as, montando um boneco, com as partes do corpo definidas. Fez um cajado com arame e disse que era José. Colocou-o em pé e foi fazer outro boneco, que disse ser Maria, enfeitou-a com pano e falou que era o manto. Jesus ela fez menor, usando um número menor de bolinhas, mas com o mesmo princípio. Fez um cesto de papel e o colocou.

Ficou um tempo admirando. Perguntei se estava pronto, disse que não. Está faltando a estrela e o chão está sem graça só com areia. Então fez uma estrela com papel e colou glitter amarelo e a pôs amarrada no teto. No chão jogou lantejoulas de formato de flor. Quis fazer tudo no mesmo dia para poder levar logo para casa e mostrar a todos.Sua realização era total.

A proposta de construção do presépio, foi feita pela necessidade de Katrine reestruturar a sua visão de família.

Através de nossas sessões, foi observado a necessidade de mexer com o tema família, nada melhor do que no natal, usar a transversalidade.

O adolescente está criando a sua identidade, mas é a família a base para a sua vida. Enxergar a família de forma saudável, alegre, e de forma afetiva onde se pode apoiar nos momentos bons ou maus faz parte do papel como terapeuta.

Houve reflexão sobre o tema, pois conseguiu fazer, usou a sua criatividade, planejou, admirou o que fez e se sentiu realizada.

O brilho que usou mostra como era seu estado ao concluir. Estava brilhando. Com esse brilho estava dizendo que era capaz, que podia resolver seus problemas, caminhar para o futuro e ir além.

 

CONCLUSÃO 

Ao relatar essa experiência lembrei da música do grupo “Os Tribalistas” – Já Sei Namorar, é porque nela fica claro a vida de um adolescente. As palavras: sonhar, sair, ganhar, ser feliz é a verdadeira tradução dessa transição entre infância e a vida adulta.

O adolescente procura nos outros um outro que vai lhe completar. Sua convivência em grupo é para adquirir forças e as amizades lhe completam e sustentam fora da família, mas a procura do outro é necessária para se conhecere entendera família.

Observei o quanto as pessoas se querem de formas diferentes e o quanto lutam para serem felizes. Alguns se contentam em viver na ilusão por não suportar a dor da realidade, outros buscam avançar dentro de seus afetos, de seus sonhos e de seus desejos.

Ao encerrar esse trabalho de estágio, pude notar o crescimento do grupo, sua normalidade dentro da adolescência, ora criança, ora adulto e a sua busca diante da vida, o que ser, o que querer e quem querer.

Por estas questões, é natural a continuidade da terapia, encerrando apenas o estágio.

Deixei claro aqui, em vários pontos, que o meu crescimento foi imenso, ficando difícil mostrar a sua dimensão, ou seja, o quanto.

A Sociopsicomotricidade é verdadeiramente instigante, nos faz estudar, nosfaz conhecer e investigar nos teóricos, os porquês das questões.

Esse é um relato pequeno dentro do tanto que foi vivido. Mas a vida é assim, nem sempre se pode traduzir para o papel as emoções reveladas nos encontros de olhares, ou no sentir da pele e até mesmo no ouvir do som ou do silêncio.

O Ramain-Thiers me ensinou muito. Me fez rever e relembrar de muitas vivenciais da minha vida e de outras coisas mais.

Encerro com a frase do livro Duda Mendonça, Casos e Coisas:“Voltei no tempo. Me vi menino. Pouco a pouco, comecei a compreender meus medos e porquês das minhas angústias”.

Complemento com:E me permiti viver melhor a cada dia. 

 

REFERÊNCIAS

DECHERF, G. Édipo em grupo: psicanálise e grupos de crianças. Trad. REIS, C. E. Porto Alegre: Artes Médicas,1986.

MARCELLI, D. e BRACONNIER, A. Manual de psicopatologia do adolescente. Trad. FILMAN, A. E. Porto Alegre: Artes Médicas. São Paulo: Masson, 1989.

OSÓRIO, L. C. Grupoterapia hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

THIERS, S. Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e social. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

 

 

 

 

 

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