Vol. XI: Vitrais 85 - jan 2018

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719

 

VITRAIS
Vol. X: Vitrais 85

                        jan 2018

 

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Artigo 1

Escolhas e Abandonos
 

Tânia Virgini do Vale Voss.

 

ESCOLHAS E ABANDONOS

 Tânia Virgini do Vale Voss.

Psicóloga. Pós-graduada em RH.  Sociopsicomotricista Ramain-Thiers

            Este artigo dedica-se a pontuar alguns aspectos teóricos pertinentes ao trabalho de Psicoterapia em Grupo na Formação como Sociopsicoterapeuta na metodologia Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers.

Este trabalho descrito ocorreu com quatro crianças, sendo dois meninos e duas meninas na faixa etária de 11anos a 14 anos.

Todos chegaram na clínica particular com diferentes demandas, como: dificuldade de relacionamento na escola, dificuldade em elaborar a separação dos pais, hiperatividade e desobediência no lar. O próprio grupo percebeu que tinha em comum o fato, de todos serem filhos de pais separados, viverem com a mãe e somente uma das crianças tinha o pai na mesma cidade podendo vê-lo com alguma frequência, sendo que os outros dois passavam as férias com o pai e uma delas o pai estava mais ausente devido à recente e traumática separação.

Assim fizemos o contrato de trabalho em grupo e foi possível realizar dez encontros consecutivos com aplicação da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers evidenciando, que as Escolhas e Abandonos permeavam essas histórias e consequentemente o trabalho terapêutico.

As informações do artigo se baseiam em diversos autores, mas é primordialmente, a leitura psicanalítica que viabiliza as conclusões sobre a dinâmica psicológica observada neste trabalho.

1. 1 -  PSICOTERAPIA EM GRUPO

            Entende-se que falar do processo em grupo seja interessante para notar as nuances do trabalho psicoterápico em grupo, suas relações verticais e horizontais.

COLEÇÃO
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Do complexo de édipo a terapia de casais
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Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
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Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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           A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers importa-se com o sujeito social e a transversalidade, ou seja, trabalha-se “na relação que os indivíduos mantêm com o coletivo no qual estão inseridos” (BOCK, p. 176, 2008) desta forma procura-se entender a dinâmica das relações parentais e sociais, que se reproduzem nos contatos psicoterápicos em grupo.

            Outeiral, 1998, descreve diversas experiências de grupos de crianças, neste olhar pode-se destacar alguns aspectos que coincidem com o entendimento do trabalho em grupo realizado pelo método Ramain-Thiers, como segue:

“No grupo, as possibilidades de diferentes identificações encorajam mudanças e adquirem um equilíbrio com seu ego fortificado. As crianças aprendem novas técnicas para lidar com seus conflitos, visando a um melhor domínio da realidade e possibilitando melhor relacionamento interpessoal. Podem mais facilmente deixar cair as defesas sem que, com isto, se sintam desprotegidos. ” (OUTEIRAL, p. 309, 1998).

            Esta riqueza do trabalho em grupo, comentada por Outeiral, também é aproveitada por esta metodologia desenvolvida por Solange Thiers, a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, na qual os profissionais formados, já desenvolveram e desenvolvem trabalhos em instituições públicas e privadas, com os mais diversos grupos: terceira idade, usuários de drogas, jovens com problemas psicossociais, de diferentes culturas, dentre outros, com as suas particularidades:

“Os grupos de crianças e púberes são muito questionados em função da agressividade. E muitos grupoterapeutas de crianças desistiram deste trabalho em função de pensar que liberdade de expressão é deixar fazer o que quiserem no momento do grupo, sem dar limite. ” (OUTEIRAL, p. 308, 1998)

            Para a abordagem psicanalista, no que compete ao método aqui estudado, a estruturação da sessão, assim como os materiais oferecidos são auxiliares, para promover a organização psíquica das crianças e também para introduzir os limites, como a função paterna, que é revivida e resgatada pelo sujeito no processo psicoterápico. É fundamental que o estudo do material seja realizado, para que as ofertas possam ser adequadas e com isso auxiliar o processo.

“[...] o Método Ramain Thiers é um instrumento clínico que permite a visualização e a compreensão de fenômenos psíquicos do sujeito. Assim como Freud utilizava-se do divã, Klein dos brinquedos e Winnicott do espaço, Ramain Thiers utiliza-se das propostas de atividades psicomotoras como instrumento facilitador da comunicação entre o sujeito e seu próprio inconsciente. ” (THIERS, p. 86, 2001).

1. 2 - ESCOLHAS E ABANDONOS

            O interesse aqui é pontuar o que alguns autores trazem deste processo, pois no decorrer do estágio psicoterápico do grupo notou-se que aos poucos o abandono foi permeando o grupo e como não se conseguiu trabalhar a “fantasia de desintegração/diluição” este acabou mesmo por se desintegrar. Talvez esse tenha sido o aspecto mais constante do grupo e do qual infelizmente não foi possível nomear e possivelmente com isso se inviabilizou sua continuidade.

            Se utilizando dos preceitos de Freud, Ana Freud e M. Klein a autora Raquel Soifer comenta que os mecanismos de defesa são à “princípio normais, ou seja, estão a serviço da saúde” (SOIFER, p 183, 1992), mas que o normal ou patológico se distinguirá de acordo com a: oportunidade, intensidade e consequências de sua utilização. Tal noção é fundamental para se trabalhar com a saúde mental, tendo em mente que se trata de um assunto muito amplo e com diversas possibilidades de definições.

“Organização Mundial de Saúde diz que o estado de completo bem-estar físico, mental e social define o que é saúde, portanto, tal conceito implica num critério de valores (valorativo), já que, lida com a ideia de bem-estar e mal-estar” (PORTAL DE PSIQUIATRIA web site http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=327&sec=31, consultado em 02/10/2011).     

Nesse grupo de trabalho, aqui experimentado, todas as crianças viviam com a mãe e sem o pai, dos quatro integrantes apenas uma mantinha esse convívio, apesar dos pais serem separados, mas outra vivia a experiência de separação traumática e distância da figura paterna e chegaram com a queixa do sofrimento dessa separação. A hipótese é de que essa vivência tenha contribuído com o desfecho do grupo, mas também que a impossibilidade de trabalhar esses aspectos se deu no grupo.

            As escolhas realizadas pela condução e vivência do grupo pode ter falhado no aspecto de buscar ainda mais essas mães e dar condições das mesmas acolherem essas crianças, assim como na terapia fazer uma melhor integração do corpo/ mente.

A Psicomotricidade neste aspecto é uma área que ganhou espaço no século passado, após mudanças de paradigmas que durante séculos procuraram separar corpo e alma, ou soma e psiquismo, como cita Fonseca (1995). Devido um novo olhar sobre a importância e dialética desses elementos, já introduzido por grandes nomes como Wallon, que Fonseca cita como “...a pedra angular do edifício da psicomotricidade...”. O conceito de psicomotricidade entende corpo e mente não somente como partes que se completam, mas sim se constituem mutuamente em interdependência. A Sociedade Brasileira de Psicomotricidade traz o seguinte conceito sobre Psicomotricidade:

Busca conhecer o corpo nas suas relações, transformando-o num instrumento de ação. Este corpo pensado como objeto, marcado por uma mente que pensa. A evolução da psicomotricidade no homem se dá de forma natural. Ela auxilia e capacita melhor o aluno para uma melhor assimilação das aprendizagens escolares. O corpo e o movimento constituem alicerces para o desenvolvimento da criança. No campo da Psicomotricidade, a relação, a vivência corporal e a linguagem simbólica são imprescindíveis. A psicomotricidade permite à criança a viver e atuar no seu desenvolvimento afetivo, motor e cognitivo. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE, web site http://www.psicomotricidade.com.br/ acesso em 27/07/10) grifo meu.

            Nesta descrição é possivel perceber o entendimento não só conceitual, mas também da possibilidade de intervenção prática da psicomotricidade no processo de aprendizagem escolar e também terapeutico.

1. 3 - CONCLUSÃO:

Pode-se afirmar que a experiência do abandono é um tema que causa facilmente algum desconforto e certa dificuldade em abordá-lo. Pois a vivência de um abandono pode conduzir o sujeito a re-vivenciar os diversos abandonos que foram experimentados na vida.

Nem toda vivência de abandono é patológica, existem os que fazem parte do processo de desenvolvimento e amadurecimento, quando novas escolhas vão deixando para trás velhos hábitos e funcionamentos que à princípio podem deixar um vazio, mas que abrem espaços para novas aquisições, como os traduzidos nos diversos contos de fadas.

Patologicamente pode ocorrer também do sujeito se abandonar, por vezes se abandona um trabalho ainda estando nele, se abandona relacionamentos, pois pode acontecer de se deixar de investir no outro por já estar ocupado mentalmente, seja por fantasia ou realmente, investindo em outros relacionamentos. Mesmo o próprio corpo se deixa de dar atenção, cuidar da saúde, estética e viver em um corpo abandonado.

 Foi em supervisão que ficou evidente que a história de abandono do grupo, vivenciada em sua maioria do abandono paterno se repetiu e facilitou a desintegração do grupo. Este artigo mesmo esteve por longo tempo abandonado até que fosse possível processar todas essas questões e então concluir.

Mas concluir algo também pode ser uma escolha que nos remete ao sentimento de medo do abandono, pois uma vez concluída uma tarefa, novas tarefas surgirão, novos desafios aparecerão e o medo do desconhecido pode nos paralisar, podendo estar motivado por esses medos. E assim não concluímos leituras de algum livro, não terminamos de escrever algo, de levar a termo um projeto e mesmo participar do grupo até sua conclusão ou alta. O medo da perda se apodera do sujeito e o impede de realizar os seus desejos.

Por isso a superação de cada etapa temos que buscar o amparo, o suporte, ponderando o binômio: desconstrução e construção; desestabilizando e estabilizando. Buscando dar suporte nos processos potencializadores do psiquismo atendido, mas numa busca de que o inconsciente não domine o grupo e assim o desintegre.

REFERÊNCIAS:

BEE, Helen; “A criança em desenvolvimento”. 12º ed. Porto Alegre: ARTMED, 2011.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. DE L. T. “Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia” 14º ed. SARAIVA: São Paulo, 2008.

FONSECA, Vitor; Manual de Observação Psicomotora”. Porto Alegre: Artmed, 1995

FONSECA, Vitor; “Psicomotricidade Perspectivas multidisciplinares”. Porto Alegre: Artmed, 2004.

FREUD, Sigmund “Psicologia de grupo e análise do ego”.Obras Completas: Imago; Vol. XVIII.

OUTEIRAL, José; “Clínica Psicanalítica de Crianças e Adolescentes: Desenvolvimento, Psicopatologia e Tratamento”. Rio de Janeiro: Revinter, 1998.

SOIFER, Raquel “Psiquiatria Infantil Operativa”. Trad. José Cláudio de Almeida Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

THIERS, Solange; THIERS, Elaine; org. “A Essência dos Vínculos”. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 2001.

THIERS, Solange;“Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e social”. 2ª Ed.São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE, acesso em  27/07/10 web site http://www.psicomotricidade.com.br/ .

PORTAL DE PSIQUIATRIA, consultado em 02/10/2011 web site http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=327&sec=31.

 

 

 

 

 

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