busco em todo o passado
Avenida O’Higgins... Providência...
e não o encontro
-La Moneda! É o palácio? Não é?
Já no quarto do hotel
deitado olho no espelho em frente:
sua moldura polida, o armário de roupas e à
direita
a janela
Allende não está
Não está na cidade não está no país
É tudo inacreditavelmente real: eu estou
neste quarto
e a cidade lá fora – a cidade
com suas avenidas e edifícios,
seus bairros e ônibus
e carros e pessoas
Em que direção fica La Villa Olímpica? Las
Condes?
O rio Mapocho? La calle Carlos Antúnez
onde morei?
Lá fora estende-se o presente rumoroso
a crescer com o tráfego urbano e o pulsar do
coração.
O passado sou eu.
(Quem aqui ficou vivendo
o consumiu juntamente com o gás de cozinha e
o leite
no café da manhã,
a cada manhã,
porque a vida quer viver e livrar-se do que
finda,
a vida que em sua marcha
tudo apaga e muda
e tal modo que mesmo o que permanece
não permanece o mesmo:
La Moneda não é La Moneda
Santiago não é Santiago
Nada resta das tropelias e gritos,
das aflições e paixões
da insensatez e do medo
que como um clarão a tudo então iluminava)
A cidade é agora apenas sua ruas e casas, os
supermercados,
Os shoppings abarrotados de mercadorias.
Nenhum temor, nenhuma esperança maior.
Referências:
GULLAR, Ferreira.
Em alguma parte alguma. 2 ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2010. p. 119-121.
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