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      Vol. IX: Vitrais 82 - dez 2016

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719

 

VITRAIS
Vol. IX: Vitrais 82

                        dez 2016

 

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Artigo 2

A Sociopsicomotricidade Ramain–Thiers na Clínica Psicopedagógica

Scheila Bastos S. Fontes


 

A Sociopsicomotricidade Ramain–Thiers na Clínica Psicopedagógica com Adolescentes

Scheila Bastos S. Fontes

Pedagoga. Psicopedagoga Clínica.

Sociopsicomotricista Ramain-Thiers

 

COLEÇÃO
RAMAIN-THIERS

Leia o livro digital que você deseja
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Volume I
Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
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Volume II
A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
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Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

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Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers

"...O psiquismo, nesta dimensão integra a totalidade dos processos cognitivos, compreendendo as funções de atenção, de processamento e integração multissensorial, de planificação, regulação, controlo e de execução motora. A motricidade nesta dimensão é entendida como o conjunto de expressões mentais e corporais, envolvendo funções tónicas, posturais, somatognósicas e práxicas que suportam e sustentam as funções psíquicas."

(Vitor da Fonseca em “Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem” in  Congresso  Internacional “EDUCACIÓN INFANTIL Y DESARROLLO DE COMPETENCIAS”. Madrid los dias 28, 29 y 30 de Noviembre de 2008).

Este trabalho tem como objetivo refletir a respeito da Sociopsicomotricidade Ramain Thiers na Clínica Psicopedagógica com Adolescentes, levando-se em conta a queixa trazida, o seu desempenho no percurso da escolaridade, considerando o efeito do “peso da escola” nas condições sócio afetivas desse sujeito.

A proposta que apresento é o desafio de apresentar considerações sobre o meu atendimento a adolescentes que tem chegado à Clínica Psicopedagógica com muita frequência e algumas das minhas reflexões a respeito dos efeitos da Sociopsicomotricidade Ramain Thiers neste trabalho.

Apresento aqui para discussão e conhecimento, recortes escolhidos diante de critérios pessoais, porém proponho não a apresentação de um caso descrito a  partir  do  atendimento  a  um  adolescente,  mas  as

 

 

considerações acerca das construções e reflexões que pude fazer: não trarei, portanto, a história de um garoto ou garota, mas o caminho que tenho percorrido com estes sujeitos.

Diante desse enquadre, pensar, em que medida as queixas referentes à desatenção, hiperatividade, organização, disfunção executiva, disgrafia, entre outras, têm relação com questões de ordem psicomotoras não observadas e não cuidadas desde os primeiros anos de escolaridade.

As queixas iniciais trazidas para a clínica têm em comum o insucesso escolar, entretanto as características e/ou dificuldades apresentadas se diferenciam: transtornos de linguagem, transtorno psíquico, desatenção, inadequação à modalidade do ensino regular ou a falta de vínculo com a aprendizagem.

Embora fiquem claras as diferenças e singularidades pessoais, a convergência para os aspectos de ordem psicomotora e afetiva foram um ponto de partida para inquietações e para o aprofundamento dessas questões em meus registros individuais e nos espaços de formação profissional, grupos de estudo e supervisão, em direção a esta escrita.

No início de um dos trabalhos com a metodologia Ramain Thiers, a minha escolha pelo conjunto Cópia, fez-se no sentido de trabalhar com a transposição literal dos desenhos, oferecendo, desse modo, um amparo localizado no modelo a ser copiado, favorecendo a transferência e a identificação.

O contato inicial com o modelo é feito e se inicia o processo: O erro não surge apenas por se ter maior ou menor habilidade motora, mas sim por mobilizar processos cognitivos como também aspectos relativos ao inconsciente, como associações livres, vínculo com a proposta ou transferências.

Considerando um atendimento que teve como foco inicial o tratamento das questões relativas à linguagem, no sentido de fortalecer o reconhecimento e controle das dificuldades com a leitura e escrita, questões de ordem psicomotora e afetivo-emocionais se apresentaram e, desse modo, o investimento na aplicação da metodologia Ramain Thiers têm se estruturado como um instrumento importante.

As questões quanto à motricidade estiveram sempre presentes e causando grande angústia: a organização espacial e a lateralidade foram aspectos a serem considerados em um diagnóstico de dislexia, com uma confusão e desordem clara quanto à imagem e representação corporal que aparecem nos registros de escrita, bem como nas dificuldades com a leitura.

Na aplicação da proposta AD04-07, deste conjunto Cópia, constatei, mais uma vez, que todo o "amparo" não é garantia de que o contato com conteúdos subjetivos será o esperado: A escolha dessa proposta, transposição da paisagem com a casa e o uso dos lápis para colorir me davam a direção de um trabalho leve. Pois bem, o que vi foi expressão de angústia e muita raiva. O papel pontilhado ofereceu, nesse caso, um desamparo e a cópia, que inicialmente seria "apenas uma transposição do modelo", tornou-se um desafio e um confronto com o erro: " Por que tem que trocar de lápis? O que é erro? Isso aqui, sair um pouco torto, é erro? Tá horrível, cheio de emenda com cor...melhor seria apagar e pronto!"

Seguiram-se muitas reclamações. Ao final, a escolha em usar o lápis preto para cobrir todo o desenho, com traçado forte e muito marcado: "Já sei, você vai dizer que tá errado, mas vai ficar assim mesmo!"

O Trabalho de Corpo, após a atividade diferenciada, ofereceu a possibilidade de aquietar e entrar em contato consigo e com a vivência no trabalho de mesa.

Numa outra sessão, o Trabalho Corporal, dessa vez no início, foi realizado com muita fala e desconforto, ainda que sem a negativa em realizar os movimentos:  "Você sabe que sou horrível com isso, não poderia fazer nada mais 'difícil' não?"

Durante o TC, numa proposta que envolvia simetria, percebi a dificuldade em realizar os movimentos e a angústia gerada com o reconhecimento desse "desencontro" com o seu corpo: "Tenho dificuldade com o movimento, quer dizer, acho que é com o corpo em movimento, é difícil"

Esse desconforto com o corpo aparece lá no papel, no movimento do corpo no papel, nele(s) diante do papel e da proposta a ser realizada.

Descompasso com o corpo, o ritmo, os movimentos isolados, alternados e em conjunto. Descompasso desse corpo com a sua imagem e representação.

Cito Jorge da Cruz: 

"... temos de tratar de ver que ali há um sujeito que desenha, que de alguma maneira construiu um corpo e um espaço, os quais vão estar representados nessa folha de papel e nesses desenhos que aparecem aí ... desenhar é sempre expressão, projeção da corporeidade no espaço simbólico, representado pela folha, nesse caso ... perceber um modelo e desenhá-lo inclui dois momentos: o primeiro com predomínio da acomodação e o segundo com predomínio assimilativo, ainda que requeira acomodações. "

(Jorge Gonçalves da Cruz em "Os testes e a clínica" in A Inteligência Aprisionada de Alicia Fernández) 

Em um dado momento do trabalho, mais uma vez, a dificuldade em realizar propostas do conjunto, Motivos Simétricos, inclusive pela não compreensão ainda do significado de simetria, orientou a minha escolha em retomar nas sessões seguintes, o Orientador CR, conjunto CR10-9 e CR10-5, em papel quadriculado e tabuleiro de pregos, respectivamente, buscando o trabalho com o eixo, que aparece nas duas propostas, marcado como referência: "Já sei que você vai repetir pra eu contar e me responder com uma pergunta, em vez de me responder  mostrando... já sei, sou uma pessoa que não gosta de parar para pensar e de olhar o que não sei... tá, vou contar e definir onde vou fazer o meu eixo".

As sessões corporais que se seguiram, apresentaram um corpo mais integrado, leve e com a atenção voltada para si mesma, sem me solicitar e com muito relaxamento.

Retornando ao AD04, Cópia, dessa vez com a proposta 05, transpor o modelo como está e, depois, copiá-lo em rotação de 90º, a percepção de que foi possível fazer o deslocamento espacial, enquanto representação mental, mantendo a referência no modelo e no seu corpo, com o manuseio do papel com o modelo, realizando o movimento de rotação sem ainda copiar, fazendo o giro com o papel, incluindo giros que lhe permitissem pensar na simetria: "Tenho medo desse sapato... tenho medo de errar..."

Depois, uma pausa e um pedido de ajuda, iniciando a cópia, olhando para mim muitas vezes como que para assegurar-se que não estava só, verbalizando: " A gente errou, vamos trocar de lápis". E agora, sem a dúvida quanto ao que seria considerado erro e nos colocando juntas na reparação da sua produção.

Diante do Conjunto Integração, mais uma vez, a necessidade, quase regredida, da minha presença e mediação todo o tempo, localizando a referência para prosseguir integrando as setas: " ai meu Deus porque não me deu logo um liga-ponto... que figura mais estranha é essa? Quem inventou um negócio desses? Tava até gostando, mas agora comecei a errar e não tô gostando mais não... meleca... ai Deus"

Concluiu e ao observar o desenho da figura no modelo para correção, respirou e pode encontrar onde estavam os erros, considerando que, dessa vez, o erro não estava mais na direção das setas e sim nos espaçamentos e integração entre elas.

Não mais na direção, mas ainda na integração.

Seguem algumas considerações a respeito de outro adolescente que trazia a queixa sobre a desmotivação na vida escolar, desatenção diante das aprendizagens e negação em envolver-se ou realizar qualquer investimento pessoal.

Nesse casoà medida em que o vínculo com o trabalho psicopedagógico foi sendo fortalecido, questões foram trazidas quanto à dificuldade em dar conta dos estudos regulares e de se submeter a uma rotina de disciplina, investindo na reflexão sobre si mesmo e suas modalidades para aprender. A possibilidade de “fracassar” ou de não responder à demanda na escola e nos grupos sociais, causava grande sofrimento psíquico, deixava-o cada vez mais desorganizado com as solicitações que lhe chegavam e assim um ciclo de repetição se formava.  Pouco a pouco fomos criandoespaços para a leitura, escrita e atividades que lhe desafiassem, com o suporte do vínculo estabelecido na clínica e deste outro, a psicopedagoga, que lhe servia como amparo e referência de ensinante/aprendente. 

O Ramain-Thiers foi aplicado com essa perspectiva, favorecendo o contato com as suas matrizes de aprendizagem, com a sua subjetividade, reconhecendo medos, fragilidades e possibilidades.

Com o Conjunto Percursos, em outra sessão, ao receber a orientação, investiu um tempo maior nas perguntas para certificar-se do que teria que ser feito, como que para assegurar que não fizesse errado, demonstrando muita ansiedade no momento em que foi preciso fazer a estimativa quanto ao tamanho das linhas para iniciar o trabalho: "Qual a primeira linha? Qual linha fica sobre a outra? É para cortar o tamanho certo da linha? É ruim fazer assim, não dá pra ter uma medida certa? Não tenho certeza, e se não der?"

Fez a estimativa para mais, cortando uma grande quantidade de linha e no final, muita dificuldade em jogar no lixo as suas sobras...

Numa outra proposta de Integração, essa ansiedade apareceu novamente no momento da orientação e enquanto ia transpondo as setas e não sabia qual figura iria formar. Fez o trabalho de forma minuciosa, bastante investida e concentrada, mas ao finalizar, verbalizou o quanto foi difícil traçar um desenho sem saber do que se tratava, dizendo: "foi bizarro".

Fiz uma associação com o momento que está vivendo: terceiro ano do ensino médio e com os exames de vestibulares sendo prestados, diante da escolha profissional e ainda sem saber, ao certo, qual figura irá se formar após o seu desenho...

Na aplicação de Sequências Codificadas, em dado momento do ditado de formas através dos cartões, errei repetindoa mesma coluna duas vezes, vi o erro (aqui não era possível trocar os lápis) e pedi que parasse. Falei do meu erro e aguardei a verbalização: "Tudo bem, eu já tinha errado antes aqui (apontando com o dedo)... acho que você só se atrapalhou...".

E então, quando a terapeuta erra, não é erro? É atrapalhação? O que fazemos com o erro? Qual a possibilidade de reparação nesse caso? Qual o modelo, a referência que podemos oferecer?

Falamos sobre erro e tipos de erro, houve espaço para a reflexão e verbalização, pensando sobre as inúmeras vezes em que o erro é sentenciado como "falta de atenção". E somente erra que não está atento?

Seguir com o erro e apesar de, não destruir ou se destruir. Vínculo, reparação, perdão.

Diante de outro adolescente, mais um desafio: Estabelecer um vínculo de confiança e ter o meu saber reconhecido: A passagem por vários profissionais e algumas avaliações diagnósticas, inclusive, a conclusãonumérica de suas altas habilidades cognitivas.  Quando o meu lugar foi ficando mais claro, se estabeleceu um espaço de maior segurança e tranquilidade, ao tempo em que íamos ampliando as reflexões sobre o seu fazer, sua percepção como um adolescente com um grande potencial cognitivo, mas com algumas dificuldades em dar conta das demandas próprias da idade e escolarização.

Em uma das propostas Ramain Thiers, teve muita dificuldade em realizar a atividade, ficando bastante ansioso, perguntando várias vezes se outra pessoa já tinha conseguido fazer ou se eu já tinha feito aquele trabalho. A reparação através da troca de lápis provocou agressividade manifestada por ironias, marcando que a beleza em ter tantas cores diferentes no traçado foi uma ação planejada pra que o desenho ficasse diferente. Foi possível dar conta de um corpo desarrumado que aparecia no papel, ali representado num movimento desordenado, mudando de critériosa todo momento, permitindo-se pedir e aceitar ajuda, lentificando a sua produção a fim de concluí-la. Vi, também, neste momento, a vinculação, a transferência positiva ali claramente apresentada.

“Não é erro, é falha, é diferente, falha é uma parte do erro... tá é só um pouquinho errado, mostra que não estou pronto... a pessoa erra uma questão e falha na prova, a falha é maior, não gosto de errar, nem de falhar, parece que não estou pronto."

No final da sessão, o pedido de um papel em branco e, silenciosamente, com muita concentração e investimento, a produção de um pássaro em origami para mim.

Os erros diante das propostas Ramain Thiers, tão ameaçadores ao ponto da negativa em arriscar-se em atividades desconhecidas ou que não tivesse o domínio para realizá-las, ofereceram uma grande oportunidade para que se percebesse errando e mais ainda, vendo claramente a possibilidade de reparação, nos dando condições de aprofundar questões quanto à sua insegurança e o uso da onipotência como defesa de ego, fazendo uma marca em nosso trabalho, nas suas vivências, impulsionando, sob meu ponto de vista, uma escolha antes não imaginada em participar de seleção para um curso em uma instituição pública, com grande número de concorrentes e colocando a sua competência à prova.

Durante essa escrita, fui lembrando naturalmente de situações vividas na clínica, há muito mais, coisas boas, outras nem tanto, acertos, erros e reparações, muitas e sempre possíveis.

A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers tem oferecido um importante recurso enquanto metodologia escolhida e abraçada, elucidando, dando mais visibilidade aos processos vivenciados na minha clínica.

Concluo com um agradecimento a esses garotos e garotas, que partilham suas aprendizagens comigo, a "quem inventou tudo isso", como me foi bem dito e aos profissionais envolvidos de modo significativo na minha formação profissional e pessoal.

 
Referências:

ALVES, Fátima. Psicomotricidade: Corpo, Ação e Movimento. Rio de Janeiro: Wak, 2003.

AUCOUTURIER, B e LAPIERRE. Psicomotricidade e Terapia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre: Artmed,1991.

FONSECA, Vítor da. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.  

FONSECA, Vítor da. Introdução às Dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: ArtesMédicas, 1995.

GERALDI, Ana Cristina, THIERS, Solange.Organizadoras.Corpo e Afeto: reflexões em Ramain-Thiers. Rio de Janeiro: Wak, 2009.

THIERS, Elaine. Org.Compartilhar em Terapia: seleções em Ramain-Thiers. Rio de Janeiro: Casa do Psicólogo, 1998.

THIERS, Solange e Cols. Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e social. Rio de Janeiro: C

 

 

 

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