Vol. IX: Vitrais 81 - out 2016
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. IX: Vitrais 81

                        out 2016

 

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Artigo 2

A descoberta de poder parar de marcar e poder ser vista como uma menina mulher

Neuza Soares Caramori

 

A DESCOBERTA DE PODER PARAR DE MARCAR E PODER SER VISTA COMO UMA MENINA MULHER.

Neuza Soares Caramori

Psicóloga. Especialização em Educação.

Especialização em Educação Infantil.

Sociopsicomotricista Ramain-Thiers.

                                                                                             

A mãe de IM se apresenta como uma mulher, que gosta de trabalhar, estudar. Mas em sua vida familiar se mostra sem estrutura, casou-se com um homem ciumento e violento.

Diz que casou para sair de casa pois sua mãe não lhe dava carinho e pediu a ela que saísse de casa,

Ao se casar não podia usar maquiagem nem usar saias e vestidos curtos, ao ficar grávida, o marido insinuou que a filha não seria dele. Sua vida virou um “inferno”, pois o marido não a acompanhava.

Divorciou quando IM tinha 9 anos, IM era muito apegado ao pai.

Quem viu as marcas de IM foi sua avó, que viu também ela conversando no facebook e postou uma foto um pouco constrangedora.

Sua mãe ficou muito assustada e não sabia lidar com o que estava acontecendo, tanto que contava para sua filha toda a sua vivência com parceiros após o divórcio, para ficar mais perto e ser amiga da filha.

IM chega ao consultório tímida, falando baixinho, uma menina aos 13 anos que marca os braços com o estilete depois passou a se cortar com gilete.

Uma menina delicada, tímida, que como ela se dizia, vivia em seus pensamentos e gostava de ouvir músicas.

Quando pontuei sobre sua aparência não gostou, (Disse que gosta de ser mais moleca e que esta delicadeza que as pessoas veem a incomoda).

Começa a contar que ninguém liga para ela, ela gosta muito do seu pai, mas ele não gosta dela, morava na casa da frente com sua avó e nem olhava para ela.  (O pai se separou da mãe e também da filha). Depois fora morar com outra mulher, tem uma filha com ela. IM fora morar com eles, mas daí percebeu que ninguém a olhava, levantava cedo limpava a casa, arrumava a cozinha e a noite ainda ficava com a criança, sua meia-irmã.

Começou a ir mal nos estudos e voltou para casa da mãe. Se perde nos dias nos seus próprios pensamento, e ouve música para esquecer dos problemas de casa.

Ao iniciar a terapia com IM, observei sua falta de referencial, dificuldade em organização espacial, na qualidade de execução, na discriminação das partes copiadas e recortadas. Demonstrava muita raiva e apresentava muita resistência ao trabalho terapêutico e em muitaspropostas, IM fazia tudo muito rápido, passando sem sentir.

No trabalho corporal, IMcomeça a perceber seu corpo, aos poucos ficar mais à vontade durante as sessões e fala das amigas (Diz que as meninas têm conversas vazias, que só sabem falar uma das outras, gosto maisdos meninos, são mais francos e leais).

Ao passar das sessões foi ficando mais amável e natural, se aceitando mais, aumentando sua autoestima e a necessidade de fazer marcas foi ficando para trás.

Durante o processo, sua mãe também amadureceu muito, eu a atendia uma vez por mês, era assídua e foi se responsabilizando mais da casa e da filha.

 

ESTUDO DO CASO

Na contemporaneidade, uma das formas utilizadas para marcar o corpo é a escarificarão. O ato de escarificar é um tipo superficial de automutilação, a qual envolve um ato intencional de um indivíduo que objetiva modificar ou destruir uma parte do tecido do corpo, sem ter a intenção de cometer o suicídio, tomando por base questões subjetivas aí envolvidas de que forma o ato de escarificar o corpo na adolescência pode estar relacionado à impossibilidade da relação sexual.

Nesta fase, observa também uma comunicação maior através de atos, do que através da linguagem verbal, ocasionando as chamadas patologias da ação e do corpo (Birman, 2007).

De acordo com a psicanálise, o uso abusivo de tais recursos não verbais, como as escarificações, pode ser entendido como um acting out ou como uma passagem ao ato do sujeito, que objetiva aliviar a angústia avassaladora e insuportável. Para Lacan (1962/2005), na passagem ao ato, o significante escapa à simbolização, havendo a emergência do real. O real, na teoria lacaniana, corresponde ao indizível, inefável, ou seja, ao que é impossível de ser representado simbolicamente. 

Na clínica médica, o sintoma tem uma origem orgânica e sempre possui um significado patológico.

A psicanálise se distancia desta idéia do sintoma enquanto patológico, considerando-o como uma “manifestação subjetiva” (Quinet, 2003). Desde Freud, o sintoma é entendido como uma formação do inconsciente, sendo o seu sentido apreendido dentro da história de cada sujeito. No sintoma, ao mesmo tempo em que existe um sofrimento, há uma satisfação pulsional. É preciso ressaltar que o sintoma contém um gozo que o sustenta e o define enquanto sexual.

Segundo Quinet (1999), “[...] o adolescente faz um apelo ao pai na tentativa de dar conta do impacto do gozo que o invade. Mas o pai será forçosamente impotente para responder as questões cruciais do sujeito [...]” (p.14). De acordo com a teoria lacaniana, o drama individual do neurótico deve-se ao fato de que o pai jamais se igualará ao pai primitivo, pois estará sempre aquém da sua função.

De acordo com Alberti (1999), [...] a partir do momento em que o sujeito, saído da infância, se depara com o real do sexo, a puberdade é o próprio encontro, malsucedido, traumático, com esse real. O real do sexo é por definição algo que jamais poderá ser totalmente simbolizado, deixando o sujeito – em linguagem do senso comum – “sem palavras”. (p. 26)

Na adolescência há um reencontro com a sexualidade, momento em que o sujeito é convocado a se posicionar diante da partilha do sexo, ou seja, tornar-se homem ou mulher, sendo esta uma posição subjetiva determinada pela linguagem. Lacan (1964b/1995) nos aponta que a escarificação e a tatuagem são formas de materializar a libido, diante da impossibilidade de representá-la simbolicamente. A libido é definida por Lacan como um órgão irreal, sendo essencial para se compreender a natureza da pulsão.

A jovem se dirigia ao casal parental em busca de um saber sobre o enigma da sexualidade, na ausência de respostas, lançava-se no ato. Notamos que frente a dificuldade estrutural do pai, considerado pela jovem como impotente, IM mantém-se alienada ao Outro. Esta dificuldade de separação nos remete à afirmação de Freud de que o desligamento da autoridade paterna se constitui como uma árdua e importante tarefa no período da adolescência.

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALBERTI, S. (1999). Esse sujeito adolescente. 2a ed.  Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos.

BIRMAN, J. (2007a). O mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação (6a ed.).  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

BIRMAN, J. (2007b). Marcas indenitárias: escrituras corporais.  Viver Mente & Cérebro: o olhar adolescente, 1, 46-53.

Lacan, J. (1956-1957). O seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

Lacan, J. (1962-1963). O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

Quinet, A. (1999). Prefácio. In S. ALBERTI, Esse sujeito adolescente. 2a ed., pp. 913).  Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos

Quinet, A. (2003).  A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Thiers, S. (1992). Orientador terapêutico Thiers para adolescentes- AD. 1ª ed., Rio de Janeiro: CESIR.

 

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