Artigo
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A descoberta de
poder parar de marcar e poder ser vista como uma menina
mulher
Neuza Soares
Caramori |
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A DESCOBERTA DE PODER PARAR DE MARCAR E PODER SER VISTA
COMO UMA MENINA MULHER.
Neuza Soares Caramori
Psicóloga. Especialização em Educação.
Especialização em Educação Infantil.
Sociopsicomotricista Ramain-Thiers.
A mãe de IM se apresenta como uma mulher, que gosta de
trabalhar, estudar. Mas em sua vida familiar se mostra
sem estrutura, casou-se com um homem ciumento e violento.
Diz que
casou para sair de casa pois sua mãe não lhe dava
carinho e pediu a ela que saísse de casa,
Ao se
casar não podia usar maquiagem nem usar saias e vestidos
curtos, ao ficar grávida, o marido insinuou que a filha
não seria dele. Sua vida virou um “inferno”, pois o
marido não a acompanhava.
Divorciou
quando IM tinha 9 anos, IM era muito apegado ao pai.
Quem viu as marcas de IM foi sua avó, que viu também ela
conversando no facebook e postou uma foto um pouco
constrangedora.
Sua mãe ficou muito assustada e não sabia lidar com o
que estava acontecendo, tanto que contava para sua filha
toda a sua vivência com parceiros após o divórcio, para
ficar mais perto e ser amiga da filha.
IM chega
ao consultório tímida, falando baixinho, uma menina aos
13 anos que marca os braços com o estilete depois passou
a se cortar com gilete.
Uma menina delicada, tímida, que como ela se dizia,
vivia em seus pensamentos e gostava de ouvir músicas.
Quando
pontuei sobre sua aparência não gostou, (Disse que gosta
de ser mais moleca e que esta delicadeza que as pessoas
veem a incomoda).
Começa a contar que ninguém liga para ela, ela gosta
muito do seu pai, mas ele não gosta dela, morava na casa
da frente com sua avó e nem olhava para ela. (O pai se
separou da mãe e também da filha). Depois fora morar com
outra mulher, tem uma filha com ela. IM fora morar com
eles, mas daí percebeu que ninguém a olhava, levantava
cedo limpava a casa, arrumava a cozinha e a noite ainda
ficava com a criança, sua meia-irmã.
Começou a ir mal nos estudos e voltou para casa da mãe.
Se perde nos dias nos seus próprios pensamento, e ouve
música para esquecer dos problemas de casa.
Ao iniciar a terapia com IM, observei sua falta de
referencial, dificuldade em organização espacial, na
qualidade de execução, na discriminação das partes
copiadas e recortadas. Demonstrava muita raiva e
apresentava muita resistência ao trabalho terapêutico e
em muitaspropostas, IM fazia tudo muito rápido, passando
sem sentir.
No trabalho corporal, IMcomeça a perceber seu corpo, aos
poucos ficar mais à vontade durante as sessões e fala
das amigas (Diz que as meninas têm conversas vazias, que
só sabem falar uma das outras, gosto maisdos meninos,
são mais francos e leais).
Ao passar
das sessões foi ficando mais amável e natural, se
aceitando mais, aumentando sua autoestima e a
necessidade de fazer marcas foi ficando para trás.
Durante o
processo, sua mãe também amadureceu muito, eu a atendia
uma vez por mês, era assídua e foi se responsabilizando
mais da casa e da filha.
ESTUDO DO CASO
Na
contemporaneidade, uma das formas utilizadas para marcar
o corpo é a escarificarão. O ato de escarificar é um
tipo superficial de automutilação, a qual envolve um ato
intencional de um indivíduo que objetiva modificar ou
destruir uma parte do tecido do corpo, sem ter a
intenção de cometer o suicídio, tomando por base
questões subjetivas aí envolvidas de que forma o ato de
escarificar o corpo na adolescência pode estar
relacionado à impossibilidade da relação sexual.
Nesta
fase, observa também uma comunicação maior através de
atos, do que através da linguagem verbal, ocasionando as
chamadas patologias da ação e do corpo (Birman, 2007).
De acordo com a psicanálise, o uso abusivo de tais
recursos não verbais, como as escarificações, pode ser
entendido como um acting out ou como uma passagem ao ato
do sujeito, que objetiva aliviar a angústia avassaladora
e insuportável. Para Lacan (1962/2005), na passagem ao
ato, o significante escapa à simbolização, havendo a
emergência do real. O real, na teoria lacaniana,
corresponde ao indizível, inefável, ou seja, ao que é
impossível de ser representado simbolicamente.
Na
clínica médica, o sintoma tem uma origem orgânica e
sempre possui um significado patológico.
A
psicanálise se distancia desta idéia do sintoma enquanto
patológico, considerando-o como uma “manifestação
subjetiva” (Quinet, 2003). Desde Freud, o sintoma é
entendido como uma formação do inconsciente, sendo o seu
sentido apreendido dentro da história de cada sujeito.
No sintoma, ao mesmo tempo em que existe um sofrimento,
há uma satisfação pulsional. É preciso ressaltar que o
sintoma contém um gozo que o sustenta e o define
enquanto sexual.
Segundo
Quinet (1999), “[...] o adolescente faz um apelo ao pai
na tentativa de dar conta do impacto do gozo que o
invade. Mas o pai será forçosamente impotente para
responder as questões cruciais do sujeito [...]” (p.14).
De acordo com a teoria lacaniana, o drama individual do
neurótico deve-se ao fato de que o pai jamais se
igualará ao pai primitivo, pois estará sempre aquém da
sua função.
De acordo
com Alberti (1999), [...] a partir do momento em que o
sujeito, saído da infância, se depara com o real do sexo,
a puberdade é o próprio encontro, malsucedido,
traumático, com esse real. O real do sexo é por
definição algo que jamais poderá ser totalmente
simbolizado, deixando o sujeito – em linguagem do senso
comum – “sem palavras”. (p. 26)
Na adolescência há um reencontro com a sexualidade,
momento em que o sujeito é convocado a se posicionar
diante da partilha do sexo, ou seja, tornar-se homem ou
mulher, sendo esta uma posição subjetiva determinada
pela linguagem. Lacan (1964b/1995) nos aponta que a
escarificação e a tatuagem são formas de materializar a
libido, diante da impossibilidade de representá-la
simbolicamente. A libido é definida por Lacan como um
órgão irreal, sendo essencial para se compreender a
natureza da pulsão.
A jovem
se dirigia ao casal parental em busca de um saber sobre
o enigma da sexualidade, na ausência de respostas,
lançava-se no ato. Notamos que frente a dificuldade
estrutural do pai, considerado pela jovem como impotente,
IM mantém-se alienada ao Outro. Esta dificuldade de
separação nos remete à afirmação de Freud de que o
desligamento da autoridade paterna se constitui como uma
árdua e importante tarefa no período da adolescência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS