Vol. IX: Vitrais 80 - jun 2016
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
.

VITRAIS
Vol. IX: Vitrais 80

                        jun 2016

 

Editorial

Notícias

Literatura

Augusto Cury


Artigos

Berenice Ferreira Leonhardt de Abreu

Vera Lucia de Mattos

Eleide Lopes Félix

 

Reflexão

Marina Colasanti

 


Como publicar seus artigos

Contato com a ABRT:

elisabeteccerqueira@yahoo.com.br
 


 

Números anteriores

Vol. l:

Vitrais 56 - jun 2007
Vitrais 57 – fev 2008
Vitrais 58 – nov 2008

Vol. ll:
Vitrais 59 – mar 2009
Vitrais 60 – jul 2009
Vitrais 61 – dez 2009

Vol. lll:
Vitrais 62 - mar 2010

Vitrais 63 - jul 2010

Vitrais 64 - dez 2010

Vol. IV:

Vitrais 65 - mai 2011

Vitrais 66 - set 2011

Vol. V:

Vitrais 67 - mar 2012

Vitrais 68 - ago 2012

Vitrais 69 - dez 2012

Vol. VI:

Vitrais 70 - mar 2013

Vitrais 71 – jul 2013

Vitrais 72 – out 2013

Vitrais 73 – dez 2013

Vol. VII:

Vitrais 74 – mai 2014

Vitrais 75 - ago 2014
Vitrais 76 – nov 2014

Vol. VIII:

Vitrais 77 – jun 2015

Vitrais 78 -  nov 2015

Vol. IX:

Vitrais 79 – mar 2016

 

Literatura

 

Abalos sísmicos emocionais

 

Augusto Cury

 

Abalos sísmicos emocionais

Augusto Cury

Psiquiatra. Psicoterapeuta.Cientista. Escritor.

 

Todos no hospital acharam que o fato de dr. Alan ter passado por aquelas avalanches emocionais contribuíra para que se tronasse um ser humano melhor. Não entrava mais embates comfacilidade. Suas críticas diminuíram. Passou a tolerar pessoas lentas.

Todavia, pouco a pouco, foi se esquecendo de que era um simples mortal.Voltou a operar coma mesma frequência, escrever artigos na mesma intensidade e aceitar convites para conferências com a mesma facilidade de antes.

Falar do cérebro e seus segredos era com ele mesmo. Certa vez, brilhou em uma exposição diante de uma plateia de quinhentas pessoas. Mas já não tinha o mesmo vigor; o desgaste mental era rapidamente sentido no corpo como sensação de fadiga, aperto no peito e leve falta de ar. Ouviu de muitos espectadores:

Parabéns, doutor Alan, pelos excelentes ensinamentos.

Entretanto, ele ansiava sair daquele ambiente, que, por mais amplo que fosse, parecia um cubículo sem ar. Além de falar sobre segredos do cérebro, suplicava às pessoas que praticassem esporte, dormissem e se nutrissem bem. Sem dúvida era um grande apóstolo do bem, mas não seguia seus próprios mandamentos. Sua vida era um rolo compressor.

Pouco a pouco, os velhos monstros reapareceram. Esforçava-se para não reclamar dos alunos relapsos, dos enfermeiros desatenciosos, dos colegas despreparados, mas não os suportava. Claro, não podia se omitir, precisava contribuir com eles, porém dr. Alan passava dos limites. Tinha uma das mais desgastantes necessidades neuróticas: a de mudar os outros. O resultado? Explodia.

Como tem gente estúpida neste mundo, meu Deus! – dizia com facilidade.

Então, de repente, tentava botar ordem na casa, dizendo a si mesmo:

Acalme-se, Alan. Acalme-se....

Contudo isso não funcionava, ou não funcionava por mais de uma hora.

Tornou-se um mestre em sabotar sua saúde física e emocional. Era um ser humano contraditório. Só tomava água mineral porque não queria, em hipótese alguma, se contaminar com bactérias, mas não sabia filtrar estímulos estressantes. Coava uma mosca e eixava passar um elefante. O território da sua emoção era uma terra sem escritura, sem proprietário: qualquer um a invadia. Claudia, observando-o perder a paciência com facilidade, indagava-lhe:

Você está tentando se controlar?

Derrapo algumas vezes, mas estou conseguindo.

Mas você ainda se estressa facilmente...

E que mortal não se estressa, diga-me? Quem por mais calmo que seja, não tem reações ansiosa? Que intelectual brilhante não tem atitudes tolas? Só se estiver no silêncio de um túmulo – dizia rapidamente e com astúcia.

Claudia se calava. Era muito difícil vencê-lo se desse a ele trinta segundos para argumentar. Era um gênio. Gênio na profissão, ingênuo em promover sua qualidade de vida. Mais um paradoxo de muitos intelectuais...

Por favor, querido, cuide de si. Cuide do nosso casamento. E cuide de Lucila.

Está certo general – expressava, brincando com a esposa como fazia com a filha.

Você é que é um general. Eu, Claudia Alcântara, sou uma simples soldada tentando marcar audiência com quem amo.

 Ninguém tinha prioridade na sua agenda; nem mesmo ele, só seus compromissos. Na semana posterior às suas férias, levou Lucila para jantar. Foi um momento memorável. Percebendo como a menina estava angustiada, disse-lhe:

Você parece um pouco triste, minha filha.

Não é nada.

Fale, filha. Sou seu pai, sou seu melhor amigo.

É que um menino na minha classe falou que eu não tenho pai. Então eu briguei com ele.

Que menino mau, minha filha. Isso é bullying ! Vou ligar para a diretora.

Mas papai...

O quê, princesa?

Fiquei pensando... será que ele não tem razão?

Por que ele teria razão?

Porque você... nunca me levou para escola, nunca participou das festas, nunca foi a uma reunião de pais.

Dr. Alan congelou um suspiro, e em seguida, balançou a cabeça em sinal de concordância.

Filha vou reparar isso. O papai está saturado de atividades neste mês, mas prometo que, assim que meus compromissos diminuírem, procurarei leva-la à escola de vez em quando, curtir as festas e participar das reuniões de pais.

Eba! Obrigada, papai. Você me deu o melhor presente do mundo!

Finalmente, parecia que as bases da relação com a filha iriam mudar. 

Um dia após essa conversa, dr. Alan realizava uma cirurgia delicadíssima para extrair um grande tumor de um paciente de meia-idade. O risco de lesar áreas nobres do cérebro e comprometer a visão era grande. Estava fazia sete horas no centro cirúrgico. Subitamente, o terremoto emocional que parecia ter desaparecido de sua vida retornou. Ele teve taquicardia intensa, suor excessivo, sentiu falta de ar e pressão no peito. E um sintoma novo apareceu: tremor nas mãos. Dessa vez não teve dúvida, estava em seus últimos minutos de vida.

Continue, Ronald, continue...

Um medo incontrolável e indescritível de morte súbita encarcerou sua mente. Um novo ritual se instalou. O anestesista fez o primeiro atendimento. Mediu a pressão: dezoito por onze. Estava alta.

Vou ter uma parada... cardíaca – falou, claudicando.

O anestesista, desesperado, deu-lhe uma dose de ácido acetilsalicílico e chamou a emergência. Dr. Paulo de Tarso, seu dileto amigo e fiel escudeiro, novamente foi acionado às pressas. Encontrou-o a vinte passos da entrada da UTI.

O diagnóstico estava errado! – Dr. Alan apontou para o cardiologista. Estou realmente enfartando!

Calma, Alan. Vamos descobrir o que é e tratá-lo – disse dr. Paulo, ansioso, sabendo que, se tivesse errado o diagnóstico, poderia não apenas perder o amigo, mas também manchar ou até enterrar sua carreira. Ponderou para si: “Será que tudo foi falso-negativo, ou será que o primeiro ataque não foi um enfarto, mas este é? Coincidências não são impossíveis”. Enfim, estava confuso e não queria pecar por falta de zelo médico. Horas depois, vieram os resultados.

E aí Paulo?

Nada. Nenhum exame acusa que você enfartou. A irrigação dos músculos cardíacos está perfeita. Átrio, ventrículos, tudo em ordem. Só um pequeno prolapso da válvula mitral, muito comum na população em geral.

Não é possível!

Tudo indica que você teve mais uma crise emocional, um ataque de pânico.

Ataque de pânico? Eu, Paulo?

E por que não, Alan? Ninguém é perfeito.

Eu cuido do cérebro dos outros, e o meu está me traindo? Tenha santa paciência!

Traindo ou avisando.

Avisando do quê?

Já lhe disse, da sua sobrecarga de trabalho.

E a sua sobrecarga? E a das centenas de médicos desta instituição? E a dos magistrados, promotores, executivos, professores? Quem é poupado nesta sociedade? Todos serão vítimas de ataques de pânico?

A sobrecarga da mente semanifesta de várias formas, com os mais diversos sintomas psicossomáticos. O coração é um dos órgãos mais agredidos pela ansiedade crônica.

Concordo, mas não no meu caso. Sinto que estou no apagar das luzes da vida. E essa sensação é terrível. Será que meu instinto cerebral é mais esperto do que a minha inteligência? Acreditar nisso é o apogeu da ingenuidade.

Você é inteligente e tem convicções fortíssimas. Mas, infelizmente, é quase imutável.

Pela primeira vez vejo como é estar do outro lado, ser um paciente, estar numa relação desigual diante de um médico que lhe distribui conselhos rápidos e s

Então procure outra opinião, Alan.

Eu o respeito como amigo e médico, porém quero não uma, duas, três, quatro opiniões de cardiologistas.

Dr. Alan não voltou mais ao consultório de Paulo de Tarso. Bateu à porta de outros profissionais. Como era conhecido de todos, os cardiologistas que o assistiam eram minuciosos ao examiná-lo. E todos chegavam a mesma conclusão: não houvera enfarto.

Nada dr. Alan – disse um.

Felizmente não sofreu um enfarto, professor – comentou outro. – A minha receita é um bom anti-hipertensivo e um tranquilizante.

Sua pressão está irregular, mas a cintilografia mostrou que o tecido cardíaco

Dr. Alan saía das consultas indignado.

Queria encontrar uma resposta concreta, palpável, para seu terror psíquico. Admitia que a emoção abalava o físico, mas não nessa magnitude, obviamente, não o seu corpo. Era inadmissível que estivesse desabando por fenômenos psíquicos. Além da resistência ao tratamento, outro fantasma começou a assombrá-lo, um inimigo que ele jamais imaginou que o atingisse: o orgulho. Preocupava-se com o que seus colegas e pacientes pensariam dele. O orgulho, esse sentimento que infecta o psiquismohumano, às vezes é mais forte do que a própria dor.

Referências

CURY, Augusto. Felicidade roubada. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. P.65.

 

COLEÇÃO
RAMAIN-THIERS

Leia o livro digital que você deseja
------------------------------------------------

------------------------------------------------
Volume I
Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
------------------------------------------------
Volume II
A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
------------------------------------------------

Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

------------------------------------------------
Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers

  Página melhor vizualizada em 1024 x 768 px
Envie esta página por e-mail