Artigo 2
O método
“GrowingUp” como recurso psicomotor para intervenção em
grupo
Vera
Lucia de Mattos |
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O método “GrowingUp” como recurso
psicomotor para intervenção em grupo
Vera
Lucia de Mattos
UNESA/IBMR/Móbile)
Resumo: O principal objetivo do método
“GROWING UP” é oferecer aos terapeutas de diversas áreas de saúde da
criança uma base para fundamentar e organizar os atendimentos e
intervenções em situações de grupo. A intervenção organizada oferece
o suporte necessário, não só para o desenvolvimento infantil, como
também para a construção das relações no processo terapêutico. O
arcabouço teórico que dá forma ao “GROWING UP” se condensa na
interseção de três aspectos fundamentais para o desenvolvimento
psicomotor, a saber: cognitivo-linguístico; motor/funcional e
afetivo/social. O material que compõe o método é organizado em 10
caixas temáticas. Sua utilização se dá a partir do desejo e da
necessidade de cada grupo e tem como objetivo maior o
desenvolvimento global da criança e sua interação social.
Palavras-chave: Psicomotricidade, Desenvolvimento infantil,
Estimulação
A
proposta inicial, de fundamental importância na abordagem
terapêutica proposta pelo método “GROWING UP” é o acolhimento da
família e sua demanda. Tal encontro é muito mais que uma simples
entrevista ou anamnese. Trata-se de tentar descobrir e compreender o
lugar que esta criança ocupa em sua história. A disponibilidade para
a escuta desta demanda é primordial atributo para um terapeuta que
pretenda fazer uso desta metodologia. É uma escuta “sem pressa”,
onde o tempo é determinado pela demanda até que esta esteja clara na
escuta do terapeuta. Tornar-se atento para ouvir, neste momento,
significa ter também o conhecimento e sensibilidade para identificar
o instante em que a demanda se presentifica.
Algumas
brincadeiras foram selecionadas para facilitar a observação e
avaliação da criança em situação de grupo que também podem ser
utilizadas em atendimentos individuais.
Além desta disponibilidade inicial, para a utilização do método,
alguns conhecimentos teóricos são necessários para fundamentar a
ação do coordenador do grupo. Os aportes dos autores do
desenvolvimento não podem ser negligenciados, assim como
conhecimentos básicos sobre o cérebro e seu funcionamento.
O conhecimento teórico
sobre o desenvolvimento infantil é de suma importância para embasar
toda observação e para adequar sua intervenção, desde a escolha do
material, do vocabulário e das atividades, o terapeuta (ou
coordenador do grupo) depende deste conhecimento.
Nos
grupos de psicomotricidade sob este enfoque metodológico é
fundamental que haja dois coordenadores (ou terapeutas), de
preferência com formações de base diferentes, para que possamos
olhar o grupo, no mínimo, por duas perspectivas. Os grupos são
compostos de, no máximo, seis crianças (com ou sem atraso em seu
desenvolvimento). As atividades psicomotoras vividas na situação de
grupo provocam desdobramentos afetivos e sociais de grande riqueza
na construção da subjetividade. Estes desdobramentos ultrapassam
suas fronteiras, uma vez que exigem, a todo instante, um enorme
esforço perceptivo e cognitivo.
O
interesse pelo meio social nas crianças é evidente desde o
nascimento. A criança busca seus parceiros sociais através de
mecanismos básicos de socialização, como a atenção seletiva para
faces sorridentes ou vozes agudas e brincadeiras.
Estes
laços sociais vêm sendo explicados como oriundos, também, de uma
base neurobiológica natural, caracterizada por uma integração
funcional
que
permite ao organismo manter seu equilíbrio e, consequentemente, sua
adaptação ao meio. O cérebro
pode ser visto,
então,
como o substrato biológico que
fundamenta
a sociabilidade humana.O cérebro social é visto como conjunto de
regiões cerebrais que são ativadas durante o desempenho de
atividades sociais, ligadas umas às outras, formando diversas redes
neurais (KLIN, ROSARIO, MERCADANTE, 2009).
O cérebro funciona, segundo a teoria luriana, como um sistema
totalizador que opera várias unidades funcionais consideradas como
subsistemas. Para Luria, o cérebro é composto de múltiplas
estruturas funcionais, que estão sistematicamente integradas em 3
grandes unidades funcionais fundamentais. As 3 unidades funcionais
participam de todo tipo de atividade mental, quer no movimento
voluntário, na elaboração práxica e psicomotora, quer na produção da
linguagem falada ou escrita. A 1ª unidade funcional do cérebro
trabalha interligada aos sistemas superiores corticais durante as
atividades conscientes do homem sejam elas ligadas à programação da
ação voluntária, de processos de decodificação e de codificação
simbólica. A 1ª unidade funcional está em atividade desde antes do
nascimento desempenhando participação decisiva durante o parto, e
durante os processos iniciais de maturação motora. As estruturas do
Sistema nervoso, responsáveis pelo funcionamento da primeira unidade
funcional são o tronco cerebral, o diencéfalo e as regiões médias do
córtex. Sua função é a regulação dos tônus cortical e postural e os
estados de alerta (sono e vigília). Desta forma à Formação
Reticulada assume, segundo Luria, um papel fundamental na motivação
e na aprendizagem. Transforma através do seu poder de integração com
os centros superiores, às sensações vindas de várias modalidades
sensoriais em uma percepção.
As estruturas do Sistema nervoso, responsáveis pelo funcionamento da
segunda unidade funcional estão localizadas nas regiões posteriores
e laterais no neocórtex (convexidade superficial dos hemisférios
cerebrais, que contêm as zonas responsáveis pela recepção dos órgãos
sensoriais. Sua função é específica e suas células nervosas também,
dependendo de sua localização (células do córtex visual não são
encontradas no córtex auditivo...). Esta especificidade celular faz
estas zonas sensoriais serem capaz de processarem diferenças
sensoriais mínimas, garantindo uma percepção integrada, seletiva e
complexa. São áreas responsáveis pela integração da informação,
direta e simbólica. (Cognitiva) - linguagem oral e escrita, as
operações lógicas, a matemática. Os dois hemisférios cerebrais têm
as áreas primárias iguais em termos estruturais. As áreas
secundárias são mais lateralizadas e as terciárias muito mais. O
hemisfério direito é mais eficaz no processamento de padrões
espaciais, rítmicos da memória não verbal e o hemisfério esquerdo
mais eficaz no processamento de padrões verbais (linguagem) e
lógicos, categorização e memória verbal.
A 3ª unidade
funcional é responsável pela função de expressão e implica a organização
da atividade consciente, ou seja, a programação, regulação e verificação
deste tipo de atividade. Está localizada nas regiões anteriores do
córtex, à frente do sulco central (áreas pré-central e frontal), região
denominada de lóbulos frontais. A 3ª unidade funcional depende das duas
primeiras e é responsável pelas ações voluntárias, que só serão
realizadas mais tarde. Portanto, nas ações voluntárias podemos constatar
a interação das três unidades funcionais.
Dentre os subfatores psicomotores o
tônus é um dos mais importantes,
o corpo teórico do método “GROWING UP” nos dá o embasamento para
que possamos, quando necessário, intervir com o objetivo de provocar
modificações tônico-posturais. No campo prático - proposta de
intervenção em grupo – o método promove diferentes situações onde entram
em cena as relações interpessoais. O conteúdo da primeira caixa do
“growing up” não traz somente brinquedos que estimulem as entradas
sensoriais, mas também brincadeiras e jogos corporais imprescindíveis
para o objetivo descrito acima.
WALLON (1990) fala das “atividades posturais” com dupla característica:
pode ser preparação para o ato e/ou de espera. A espera antecipatória
indica uma atitude de ajustamento preparatório específico para a
experiência que vem a seguir, seja ela a execução de um programa motor a
ser realizado (quando a criança se prepara para pular – “1, 2, 3 e...Já!),
ou simplesmente, não por isso menos importante, a espera sensorial
afetiva. No que se refere ao tônus de ação, por meio de materiais
dinâmicos o terapeuta convoca o grupo a executar desafios, circuitos,
situações de planejamento e execução motora. Controlar o corpo é algo
que o homem tem de mais difícil para aprender, porém o organismo é apto
para realizá-lo. O controle motor exige uma posição econômica, que evita
o desgaste desnecessário de energia para um determinado movimento. Essa
economia nos é oferecida pelo campo perceptivo.
A segunda caixa do “GROWING UP”
traz em seu conteúdo toda uma gama de propostas lúdicas que estimulam as
áreas perceptivas (discriminação, reconhecimento, classificação,
organização das impressões sensoriais). A produção motora é, portanto,
um processo interativo das funções da mente e corpo na generalização do
movimento (Sensorial + perceptivo + motor). As três primeiras
caixas do “GROWING UP” podem ser utilizadas para o trabalho do
equilíbrio, pois propiciam experiências proprioceptivas de grande
importância para a maturação do sistema vestíbulo-coclear (carrinho de
mão na bola suíça, charuto no colchonete) circuitos psicomotores onde
diferentes desafios são lançados no que se refere a alturas, saltos,
percepção de profundidade e consciência corporal. Em todas as atividades
propostas a regulação tônica será imprescindível para a manutenção e
conquista do equilíbrio.
É na quarta caixa do “GROWING UP”
que separamos os materiais específicos para trabalhar o conceito de
esquema corporal e o subfator psicomotor de noção do corpo. É por meio
das fantasias, máscaras, bonecos articulados, quebra-cabeças das partes
do corpo, marcadores corporais, maquiagem que construímos, junto com a
criança, a descoberta e conquista de seu próprio corpo. No entanto a
terceira caixa também se presta ao desenvolvimento deste conceito, visto
que as atividades psicomotoras promovem experiências sensório-motoras
variadas que convocam o corpo para a ação de estar no mundo. O Esquema
Corporal é o canal por onde circula a imagem do corpo, é nosso
equipamento neuromotor, tradutor do que sentimos e vivemos como sendo
nós mesmos. Já a imagem corporal pode, resumidamente, ser definida como
“A expressão da estruturação do corpo no imaginário, marcada pela
fragilidade dos investimentos afetivos e dos impulsos pulsionais” (ACHARD,
1989). É um conceito de alta complexidade com base na teoria da
psicanálise. É a imagem corporal que garante a existência do sujeito
psíquico. Para Dolto (1992) “é a síntese viva de nossas experiências
emocionais...” Sua construção está relacionada com a história individual
de cada um e as relações que este estabelece com os afetos que recebe
nas relações com o mundo. É construída com base nos contatos sociais,
nas relações com o outro, sendo resultado de um processo de co-construção.
É um conceito subjetivo, é inconsciente, logo, sendo singular, é
constitutiva do sujeito. Não é um fenômeno estático, pois sofre as
mutações a cada afeto recebido, podendo se resignificar a cada instante,
até o fim de nossos dias. É estruturante para a identidade do sujeito e
não pode ser medida ou quantificada.
Em Psicomotricidade verificamos a
inter-relação entre os conceitos espaciais e temporais naquilo que
chamamos de estruturação espaço-temporal (EET). A EET compreende a
orientação espaço-temporal e a organização espaço-temporal. A
estruturação espaço-temporal é importantíssima no processo de adaptação
do indivíduo ao meio, visto que, todos e tudo ocupam um determinado
lugar no espaço em um dado momento. É o conhecimento do próprio corpo
que vai possibilitar a assimilação destes conceitos.
A orientação espacial e temporal
corresponde à organização intelectual do meio, e está ligada à
consciência, a memória, às experiências vivenciadas pelo indivíduo. A
orientação espacial refere-se, então, ao conhecimento destas noções do
espaço (é cognitiva); A organização espacial diz respeito à utilização
que o sujeito faz de tais noções (é práxica); A orientação temporal
seria, então, o conhecimento de todos estes conceitos temporais que
vimos até aqui (também cognitiva); A organização temporal vai referir-se
à utilização de tais conceitos pelo sujeito em questão (também práxica).
O método “GROWING UP” caracteriza-se por sua
ampla aplicabilidade tanto no campo educacional quanto
no campo clínico. A utilização das caixas temáticas
percorre todas as etapas do desenvolvimento presentes na
educação infantil, e também é boa ferramenta no auxílio
da clínica da infância (Fonoaudiologia, Psicologia,
Fisioterapia, Terapia Ocupacional), uma vez que aborda
todas as áreas envolvidas desde o campo sensorial e
perceptivo até o expressivo (linguagem, movimento e
relações interpessoais).
Ninguém questiona que a aquisição
da linguagem proporciona o surgimento de um sistema
combinatório e relacional muito mais rico e sofisticado
de percepções e memórias. Porém, atualmente já se pode
comprovar que “os domínios culturalmente construídos
possuem tanto uma base biológica e evolucionária quanto
uma base sócio histórica. ” (Andrade,
2006. p. 113). Na quinta caixa o “GROWING UP” nos
oferece uma enorme gama de recursos para o
desenvolvimento da linguagem (assim como as demais
caixas), desde a simples nomeação, até a complexa
produção textual. A
atividade da criança é cada vez mais valorizada no
processo de ensino-aprendizagem, visto que é através
dela que o cérebro é estimulado, elaborando e
registrando suas experiências. Seu desenvolvimento,
estrutural e funcional, está intimamente ligado a essas
experiências.
As praxias finas são o tema da caixa 6 onde encontramos
os estímulos para a coordenação manual e óculo-motora.
Nesta proposta metodológica algumas das caixas (7 e 8)
foram criadas para favorecer os processos de atenção,
memorização e dos raciocínios lógico matemáticos.
O mecanismo de atenção é fundamental para o processo
perceptivo, possibilitando ao sujeito a tomada de
consciência dos estímulos que o envolvem. Na
metodologia o cuidado para com o fenômeno da atenção é
primordial, pois, sabemos de sua importância para todos
os processos cognitivos. Cabe ao profissional usar
recursos como a prosódia, intervenção tônica, apelos
linguísticos para manter ou capturar a atenção do grupo.
Sem dúvida, as atividades em grupo requisitam diversas
capacidades (atenção seletiva, memória verbal,
organização do pensamento, etc.), que se aproximam ao
máximo das relações interpessoais do mundo adulto. As
situações oferecem para as crianças que apresentam
alterações do desenvolvimento, a possibilidade de lidar
com situações inusitadas e, a partir das intervenções
terapêuticas, tornarem-se capazes de regular seus
comportamentos de acordo com o contexto.
A união entre atenção, percepção e memória dará à
criança ferramentas para que ela possa se tornar o autor
de sua própria história. No grupo do “GROWING UP”
os profissionais serão os coautores desta história,
provocando, o tempo todo, o seu crescimento. A busca
pelo equilíbrio entre a própria autonomia e as
atividades compartilhadas passa a ser o centro da
questão na metodologia, pois, é o corolário do
desenvolvimento das relações sociais do humano: aprender
a manipular essas emoções conforme as normas e
expectativas sociais, objetivando uma correta cognição
social.
Nas últimas caixas (9 e 10) nossa metodologia propõe a
estimulação da linguagem escrita e as diversas formas de
expressão por meio de diversos recursos plásticos (pintura,
argila, costura, etc.). O
Reconhecimento das letras, o reconhecimento do próprio
nome, a formação de palavras, a percepção de sílabas, a
escrita/leitura de palavras ou frases, produção textual,
assim como a coordenação motora fina – reprodução de
letras, a qualidade ortográfica e sintática e a
interpretação de enunciados dependem das habilidades de
simbolização e interpretação cuja metodologia vai
trabalhando ao longo do uso das 10 caixas temáticas.
Todas estas são ferramentas por meio das quais o sujeito
se dá a ver ao mundo, através de suas infinitas formas
de representação.
O “GROWING UP” proporciona, então, um desenvolver
harmonioso, pois, abraça todas as esferas do
desenvolvimento infantil, além de dar à criança a
oportunidade de interação entre pares, que, a nosso ver,
é a base para o desenvolvimento de qualquer sujeito. A
partir destas considerações, fica evidente que as
habilidades sociais são passíveis de serem adquiridas
pelas trocas que acontecem no processo de aprendizagem
social.
Referências:
ACHARD, M. (1989) ActesduIXèmeColloqueInternational
de ThérapiePsychomotrice, Paris.
ANDRADE, P.E. (2006) Desenvolvimento cognitivo na
infância. Neurociências, v. 3, n. 2, p. 98-118,
2006.
DOLTO F. (1992) A Criança e o Espelho. São
Paulo. Ed. Perspectiva, 1992.
MERCADANTE M. T. KLIN, A.; ROSARIO, M. C, (2009) Autismo,
síndrome de Asperger e cérebro social. In: MERCADANTE,
M. T.; ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. Segmento
Farma - São Paulo.
LURIA, A. R. (1984) Fundamentos da Neuropsicologia.
Ed. Livros Técnicos e Científicos S/A - Rio de Janeiro.
_________ (1986) Atenção e Memória. Ed.
Livros Técnicos e Científicos S/A - Rio de Janeiro.
WALLON, H. (1990) De L’acte a la PenséeEd.
Flamarion, Paris.
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