Vol. VIII: Vitrais 78 - dez 2015
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. VIII: Vitrais 78

                        dez 2015

 

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Reflexão

Os Ipês Amarelos

Rubem Alves

 

 

OS IPÊS AMARELOS

Rubem Alves

 

          Uma professora me contou essa coisa deliciosa. Um inspetor visitava a escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes, trabalhos dos alunos a cerca de alguns dos meus livros infantis. Como que num desafio, ele perguntou à criançada: “E quem é Rubem Alves? ”. Um menininho respondeu: “ Rubem Alves é um homem que gosta de ipês amarelos...”. A resposta do menininho me deu grande felicidade. Ele sabia das coisas. As pessoas são aquilo que amam.

          Mas o menininho não sabia que sou um homem de muitos amores.... Amo os ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas levam seus cães a passear. Eu levo meus olhos a passear. E como eles gostam! Encantam-se com tudo. Para eles, o mundo é assombroso. Gosto também de banho de cachoeira (no verão...), de vento na cara, do barulho das folhas dos eucaliptos, do cheiro das magnólias, de música clássica, de canto gregoriano, do som metálico da viola, de poesia, de olhar as estrelas, de cachorro, das pinturas de Vermeer (o pintor do filme Moça com brinco de pérola), de Monet, de dali, de Carl Larsson, do repicar dos sinos, das catedrais góticas, de jardins, de comida mineira, de conversar em volta da lareira.

          Diz Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto e não para pensarmos nele. Nos poemas bíblicos da criação está relatado queDeus, ao fim de cada dia de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que criara: tudo era muito bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Meus olhos se espantam com tudo.  Sou místico. Ao contrário dos místicos religiosos, que fecham os olhos para verem Deus, a Virgem e os anjos, eu abro bem os meus para ver as frutas e legumes nas bancas de feira. Cada fruta é um assombro, um milagre. Uma cebola é um milagre. Tanto assim que Neruda escreveu uma ode em seu louvor: “Rosa de água com escamas de cristal...”. Vejo e quero que os outros vejam comigo. Por isso escrevo. Faço fotografias com as palavras. Diferentes dos filmes, que exigem tempo para serem vistos, as fotografias são instantâneas. Minhas crônicas são fotografias. Escrevo para fazer ver.  Uma das minhas alegrias são os e-mailsque recebo de pessoas que me confessam haver aprendido o gozo da leitura lendo os meus textos. Os adolescentes que parariam desanimados diante de um livro de 200 páginas sentem-se atraídos por um texto pequeno de três páginas. O que escrevo são aperitivos. Na literatura, frequentemente, o curto é muito maior que o comprido. Há poemas que contêm um universo.

          Mas escrevo também com uma intenção gastronômica. Quero que meus textos sejam comidos. Mais do que isso: quero que eles sejam comidos com prazer. Um texto que dá prazer é degustado vagarosamente. São esses os textos que se transformam em carne e sangue, como na eucaristia.

          Sei que não me resta muito tempo. Já é crepúsculo. Não tenho medo da

morte. O que sinto é tristeza. O mundo é muito bonito! Gostaria de ficar por aqui.... Escrever é o meu jeito de ficar por aqui. Cada texto é uma semente. Depois que eu for, elas ficarão. Quem sabe se transformarão em árvores! Torço para que sejam ipês amarelos...

Referência.

ALVES, Rubem. Pimentas: para provocar um incêndio, não é preciso fogo. 1ª ed. São Paulo: Planeta, 2012, p. 79.

 

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