PSICOMOTRICIDADE - O CORPO É A
NOSSA
CASA FACILITADORA DA APRENDIZAGEM
Maria Paula Costa
Raphael
Fonoaudióloga. Sociopsicomotricista Ramain-Thiers
Desde nossos primeiros meses de vida, registramos em
nosso corpo, toda nossa história de vida. Tanto as
vivências, quanto as sensações, boas e ruins, ficam
“guardadas” no corpo; e as chaves estão em nossas
próprias mãos. Assim como arrumamos a nossa casa, também
podemos organizar e limpar o nosso corpo, a nossa casa
interna; e podemos fazer uma “limpeza, uma faxina
interna”, reorganizar e colocar nossas coisas em seus
devidos lugares. E o corpo (se) representa...
Quando iniciei meu curso de Fonoaudiologia, fui
surpreendida pela disciplina PSICOMOTRICIDADE. Desde
então eu comecei a me inspirar e me apaixonar pelo
trabalho corporal. A linguagem sempre me despertou maior
atração e estudos; daí aumentou minha curiosidade e
procura de conhecimento sobre a linguagem do corpo e
suas razões. Eu tinha muita curiosidade em tentar
descobrir como seria viver o CORPO em harmonia. Eu
entendi que o CORPO era/é a casa onde habitamos e muitas
vezes a desconhecemos ou o tratamos mal, mesmo quando
nos tornamos adultos e pensamos ter total controle de
tudo.
Enquanto estudava e depois como profissional da área,
comparei por diversas vezes, inclusive em oportunidades
de estágios ou no convívio diário com minha família,
sobrinhos (ainda era solteira), o comportamento das
crianças, livres, sem pudor ou regras de comportamentos,
e a diferença demonstrada pelas crianças exigidas por
regras e comportamentos severos de disciplina.
Esse conjunto de observações e percepções começou a
despertar as minhas primeiras descobertas sobre o corpo
e observá-lo realmente como uma CASA; grande ou pequena,
de um ou dois andares, com poucos ou muitos
compartimentos, com uma estrutura externa de pedra ou
apenas uma “casinha de sapé. Lembrei também das
histórias contadas em nossas infâncias, por exemplo,
sobre a casa “dos três porquinhos" em cujo final,
descobríamos que a única casa que resistira fora a
daquele porquinho que construíra sua casa com a
estrutura mais forte: a casa de tijolos. Ou seja, sua
estrutura forte se devia ao seu processo de construção
em que o porquinho teve mais persistência, mais
paciência, menos pressa.
Enfim, pensemos, onde os outros porquinhos, supostamente
fracassaram? Ou o que os levou ao fracasso? Ou mesmo,
houve mesmo fracasso? Essas são perguntas como tantas
outras contidas em histórias de contos de fadas de
nossas infâncias, em cujos enredos não discernimos entre
verdades ou mentiras? Alegrias ou tristezas? Verdades ou
fantasias? Enfim.
Enquanto isso realizava estágios em diferentes hospitais
de uma mesma instituição, trabalhava no campo da
fonoaudiologia hospitalar em CTIs com pacientes com
sequelas de AVCs, AVEs, afásicos, disártricos, ou com
disfagias etc. Nós recebíamos a supervisão de minha
querida mestra, e hoje amiga e madrinha de casamento,
Profª Célia Regina Maia. E ela, por diversas vezes,
aplicava técnicas psicomotoras que mantinham desperta
minha curiosidade.
Ao término delas, havia a sensação de bem estar quanto
ao aprendizado, uma vez que lidávamos com situações que
nos envolviam demais com nossos pacientes, logo
precisávamos também aprender a nos “separar” destas
situações para que o envolvimento emocional não
prejudicasse ou afetasse nosso trabalho, em nosso dia a
dia e em nossa vida.
Minha admiração pela Profª Célia era tanta, que tratei
de me informar sobre qual formação ela havia feito e
onde havia aprendido as diferentes técnicas utilizadas
em diversos momentos pessoais com nosso grupo. E
descobri. Ela me apresentou sua formação: o
“Ramain-Thiers A Sociopsicomotricidade”.
Imediatamente ao me formar, me inscrevi para o processo
de seleção da formação, aguardando ansiosamente para ter
uma resposta e iniciar assim que possível.
E
assim aconteceu. Iniciei a formação em 1992 no grupo
U-RIO/RJ. Estava muito feliz por poder fazer parte de um
grupo seleto, que faria parte da minha vida e me
acompanharia por três anos.
Grandes
e verdadeiras amizades foram construídas nesse processo.
Neste período, também conheci a Profª Fátima Alves e
essa amizade, construída na formação, se fortaleceu
ainda mais quando finalizamos nosso trabalho de
conclusão e tivemos a felicidade de receber o convite
para nos apresentarmos no I CONGRESSO BRASILEIRO
RAMAIN-THIERS, cujo trabalho, mais tarde, transformou-se
em um capítulo do livro Compartilhar em terapia
Ramain-Thiers, organizado por Elaine Thiers.
Enquanto em
formação, tive
o imenso prazer de ter como terapeuta a própria Solange
Thiers, idealizadora da metodologia, acompanhada por
Elisabete Cerqueira e uma equipe maravilhosa de
supervisores como Eliana Julia, Elaine Thiers e tantas
outras que compartilharam conhecimentos com tanta
sabedoria e clareza ao longo dos anos.
A formação e especialização em Sociopsicomotricidade
Ramain-Thiers nos proporciona momentos inesquecíveis e
muito marcantes. Em uma das diversas propostas
vivenciadas, especialmente uma, marcou bastante minha
formação; “construir" simbolicamente a nossa “própria
casa interior e exterior”: isso não foi fácil.
Após três anos de intenso trabalho e formação pessoal,
fui capaz de construir essa casa com tanta dedicação que,
recordo-me, entrei em profundo contato comigo mesmo,
vivi cada momento, cada pedacinho, cada compartimento,
cada detalhe e ao finalizar, fiquei encantada com o
resultado.
Hoje tenho o imenso prazer de fazer parte da equipe de
supervisores de formação dos grupos do Rio de Janeiro,
em Ramain-Thiers a Sociopsicomotricidade; tendo ao meu
lado minhas antigas mestras e, agora amigas, que, com a
mesma simplicidade, continuam compartilhando
conhecimentos e opiniões em nossas reuniões. Penso o
quanto se tornou importante esta minha especialização de
três anos. Percebo que acima de tudo foi uma educação,
um ensino e uma aprendizagem que levei e ainda levo para
minha vida, em todos os momentos, profissional, pessoal,
como mãe, esposa e etc.
Enfim, eu percebi que fui capaz de me libertar da
programação do meu corpo do passado ou simplesmente
mostrar os “registros” marcados em minha mais tenra
infância, naquele material que tanto significou e que me
fez aprofundar e descobrir a “MINHA VERDADEIRA CASA
INTERNA”. Confirmando:
Nesse instante, esteja onde você estiver, há uma casa
com o seu nome. Você é o único proprietário, mas faz
tempo que perdeu as chaves. Por isso, fica de fora, só
vendo a fachada e não chega a morar nela. Essa casa,
teto que abriga suas mais recônditas e reprimidas
lembranças, é o seu corpo.
(BERTHERAT, 1987, p.11).
Mesmo que, em algum passado bem distante, esses
‘guardados’ (marcas e registros) tenham ficado em
lugares “errados", é possível reorganizar, desde a
criança até a constituição da vida adulta. Só depende de
nós, de nosso desejo, de nossas descobertas e das
possibilidades que nos são oferecidas facilitando e
tornando essa atitude mais rápida ou não. Nosso corpo
somos nós. Ou, como afirma Shakespeare, 1584/1616, “O
meu corpo é um jardim, a minha vontade o seu jardineiro.”
Muitas vezes quando pensamos em CORPO associamos ao
CORPO humano; aquele que sempre foi valorizado, desde a
Antiguidade e na cultura grega, onde havia o culto
excessivo do seu esplendor físico e eram conferidos
lugares de destaque, em estátuas na história antiga.
Mas
ainda, que esse pensamento de dualismo corpo-alma fosse
discutido por muitos filósofos como Platão, Descartes,
entre outros, o movimento já era motivo de estudos e,
relativamente, as emoções passaram a não ser mais
negadas, adquirindo cunho próprio; mas a força do homem
estava justamente em poder controlar suas emoções, ou
seja, evitar que essas emoções aparecessem e, hoje,
sabemos que isso é impossível dissociar as emoções do
nosso corpo como forma de expressão. Sabemos que ”O
CORPO FALA E TEM SUAS RAZÕES”.
E por ser tão complexo e fundamental a existência do
mesmo, e a existência do homem, vários foram os poetas,
filósofos e estudiosos que se dedicaram a desvendar e
conhecer seus prazeres e mistérios.
Nós precisamos nos conhecer bem, entender quem somos e
conhecer o nosso CORPO, para assim poder lidar com o
outro e com o CORPO do outro, buscando uma melhor
proposta terapêutica corporal, levando ao conhecimento
das diferenças entre as pessoas.
Cada pessoa que passa por nossa vida, nos traz novos
ensinamentos, novas buscas, novas descobertas, enfim
somos eternos aprendizes. O CORPO se movimenta e
acompanha esta jornada e por isso precisamos sempre "faxiná-lo".
Como também precisamos cuidar para que estejamos sempre
preparados para receber, de portas abertas, novas
pessoas, novas visitas, aquelas que nos trarão
informações e mensagens as quais precisaremos saber o
que fazer ou como lidar com elas.
As escolhas e as “chaves” das portas estarão em nossas
próprias mãos, caberá a nós escolher o que entra, o que
fica e o que sai.
Referências
BERTHERAT, Thérèse. ; BERNSTEIN, Carol. O corpo tem
suas razões. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1987.