Vol. VIII: Vitrais 77 - jun 2015
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. VIII: Vitrais 77

                        jun 2015

 

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Maria Nathalia Chaves Monteiro

Maria Paula Costa Raphael

 

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Artigo 1

 

 

 

Maria Nathalia Chaves Monteiro

 

 

Samilly - Amada ou deixada...

Maria Nathalia Chaves Monteiro

                            Pedagogia. Letras. Inspeção Escolar.

                                                   Pós-graduação: Legislação Educacional e

               Fundamentos Educacionais.

                                                   Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers. Psicanálise.

 

            O encontro com Samilly aconteceu em meados do mês de junho. Samilly entrou na sala acompanhada da “tia” Janda. Estava bonita, arrumada, penteada e muito bem cuidada. Uma menina alegre, falante e muito curiosa. Conversamos um pouquinho com ela e a tia. Precisávamos observar a convivência das duas estando juntas.

            Ao ser perguntada sobre as queixas que tinha a respeito da Samilly, disse que a maior dificuldade era conviver com as mentiras dela. Foi procurar ajuda porque a escola pediu. Disse que ela tem dislexia, de acordo com o médico. Mente muito, pega as coisas dos outros. A sua aprendizagem é difícil. Não consegue escrever direito. Escreve tudo junto. Não consegue ler. Quando chegou à escola, pedia a professora para ir ao banheiro e sumia na escola. Ficava passeando pela escola.

            Samilly não apresenta nenhuma doença crônica, a não ser alergia a picada de pernilongo e chocolate branco. (uma vez).  Toma ritalina, o médico receitou. Acho que ela ficou mais calma. Tem um mês o tratamento. Quem sai mais com ela é a Janda. Sai também com o pai e os dois para ir ao trenzinho, tomar sorvete, etc.

            Com o Vinicius (irmão - filho da esposa Janda) brincam e brigam também. Mas ela fica mais sozinha, pois o Vinicius vai para casa da avó paterna duas vezes por semana para dormir e fica lá o restante do dia seguinte. A avó leva para a escola todos os dias e ele faz as refeições lá.

           Quem mais cobra a disciplina é Janda, mas o pai não interfere. Eles levantam cedo, ele vai trabalhar e leva Samilly para a casa da avó paterna. Ela faz alguma coisa por lá e, ou fica assistindo TV. Lá eles almoçam. Samilly, Erick, Janda. Após o almoço ele leva a menina para a escola. Ela é da mesma sala do Vinicius.

            Após a escola ela tem aula particular, duas vezes na semana. O Vinicius sai de manhã, vai para a casa da avó paterna, do outro lado da cidade, lá ele fica, almoça e vai para a escola de Van (carro). Depois a Van Escolar busca e nos dois dias da semana que ele dorme na avó, ele vai direto para lá. De vez em quando ela vai lá ver a mãe. A avó materna não mais quer ver. O pai preocupa muito com as mentiras que ela conta.

           Pergunta-se a ela, se sabia por que estava ali. ”É para melhorar na escola. Ficar melhor lá”.

           Disse a ela, para ficar a vontade e que ela poderia brincar e fazer o que ela quiser. Ela diz: “tem muito brinquedo aqui não é?”. Destampa a caixa que estava sobre a mesa, e continua: “Tem muitas miçangas aqui”, “Cada uma de uma cor, e de todos os tamanhos”. Pega um pedaço de linha do novelo, tira um pedaço, procura pela tesoura, corta um tamanho médio e diz: “Vou fazer uma bijuteria, minha mãe fazia bijuteria. Ela tinha umas miçangas bem pequenininhas, nem dava para pegar direito”.

           Pede para dar um nó, porque ela não sabe dar nó. Dá-se o nó na ponta da linha para ela. Ela pega uma conta de cor verde e enfia a linha dentro dela. A conta passa direto, pois a linha era fina e a conta grande. Assim percebe que precisa de um nó maior e então pede novamente. Dá-se alguns nós até ficar mais grosso o final da linha. Ela pega contas verdes e depois contas rosa e vai colocando uma após outra, até formar um colar.

            Ela diz: “Eu ajudava minha mãe a fazer bijuteria”. Ela fazia muita. Agora ela não faz mais porque ela não tem tempo. Ela está esperando bebe e as coisas ficaram apertadas. Quando eu morava com minha avó ela fazia. Depois minha avó preta mudou para o bairro da penha, e minha mãe não foi. Aí eu fiquei com minha mãe. Minha avó chama avó Preta porque ela é morena. Ela abriu um hotel lá no bairro. Eu vou ver a minha Avó preta quando ela liga para eu ir. mas tem muito tempo que ela não liga. Aí meu pai não leva. Eu vim morar com o meu pai no dia do meu aniversário. Minha tia Kita, (Janda) é quem cuida de mim. Quando ela não pode, ela pede a vizinha Nina para olhar.

            Pergunta-se se ela gostava de fazer bijuteria, ela disse que sim. Que era bom porque ficava enfeitada e ficava bonita. Você gosta de ficar bonita? Ela diz: ”Eu gosto. É muito ruim quando as pessoas falam que a gente é feia. Chateia a gente!”

             E quem disse que você é feia? Ela diz que as colegas dela. ”A Ana Claudia é muito chata. Ninguém pode encostar nela, que ela diz que tá machucando. E a Maria Clara fica fazendo fofoca. Elas falam que eu sou feia.”

           E elas são bonitas? “Não, elas são bobas”.

           Samilly fez todo o colar, chegou bem perto de mim, colocou no meu pescoço, e perguntou: “Tá apertado?” Amarrou o colar no meu pescoço, e comenta: “tem que ficar maior para passar”.

           Enquanto brinca com as contas fala e cantarola um pedacinho de música. Esta sempre concentrada naquilo que está fazendo. Não demonstra nenhuma dificuldade em usar a tesoura, as contas e as bolinhas. Depois, encontra uns bichinhos, e começa a separá-los e diz: “São os bichinhos do mar. Todos coloridos.” Pergunta qual cor eu gosto mais. Ela diz que esta difícil escolher a mais bonita. Pega outro pedaço de linha e faz um anel com dois bichinhos do mar. Os buraquinhos estavam muito fininhos, ela pega a tesoura e tenta abrir um pouco o buraquinho, para passar a linha. Faz o anel e coloca, isto é, amarra no meu dedo.

Pergunta-se: você gosta do mar. Ela diz que sim. “Nado um pouco, só que não muito bem”.

           Na seqüência pega a família de bonecos e diz que sabe fazer aquele bebe da família. “isto aqui é só algodão.” Apertando o boneco. “A gente faz isto assim”. E foi me ensinando passo a passo como se fazia o bebe da família dos bonecos, com o algodão, as colas coloridas e a lã do cabelinho, me explicando como se faz cada parte. Quando acabou, me diz: “Assim é que fica bonitinho, e a gente pode também fazer os cabelinhos bem arrumadinhos”. Olha o restante dos bonecos, observa cada um, diz quem era a vovó, porque ela usava óculos.

            Observa-se que Samilly é uma menina curiosa, falante e bem comunicativa. Sempre tem respostas para todas as perguntas, e respostas bem elaboradas. É de uma criatividade incrível e vive em um mundo de fantasia criado por ela, para ela. Por isso, as outras pessoas dizerem que ela mente muito. O desejo dela é ter uma família completa. Pai, mãe, irmãos, avó, etc.

            Sempre fala aquilo que ela quer e ou sonha ter. Ao ser perguntada, onde ela tinha visto fazer bonecos e quem tinha ensinado, responde: “Ninguém me ensinou não, isso vem da minha cabeça”.

.          E continua: “Eu gosto de desenhar, mas o meu pai não compra folhas brancas para mim. Eu só tenho folhas brancas na escola.”

            Questiona-se ao pai sobre este detalhe, “das folhas brancas”, ele diz que era mentira. Ela tem folhas em casa. O que Samilly necessita? O que os pais e a escola chamam de mentira? Parecia tão verdadeira e à vontade naquele momento!     

           Oferece-se uma folha em branco para desenhar. Ela desenha uma borboleta, a mão livre, sem copiar de lugar nenhum, faz a borboleta de lápis preto e depois pede tinta para pintar a borboleta. Pega a tinta guache, pincéis e então pinta a borboleta, fazendo o contorno com tinta branca misturada com preto, fazendo o cinza. Durante o tempo que ela ia misturando a tinta, ela disse que as cores podem ser misturadas que a gente consegue outras cores. “Olha quando a gente mistura o vermelho e o amarelo a gente tem o verde. E quando mistura preto com branco, tem a cinza. Tá vendo como eu fiz.” Ela pinta o contorno e faz o centro da borboleta de vermelho. Faz questão de fazer os detalhes, como as anteninhas e o rabinho. Depois pega varias lantejoulas e decora, isto é, cola as lantejoulas na borboleta enfeitando-a.

            Novamente refere-se ás bijuteria que a mãe fazia. Mas que agora ela estava muito apertada e não fazia mais. Que representação de mãe apertada é essa que não faz mais? O que não faz mais? Agora está ocupada com outro bebe? Termina o desenho e vai embora. Mas antes escreve o nome dela, em letra cursiva na folha do desenho, mas ela não sabe escrever, somente escreve tudo junto! Que interressante!

            Numa proposta de trabalho do socius, ela recortou as mulheres com os cabelos bonitos e depois colou. Foi passando as folhas e ia me dizendo assim. “Você sabe o que é isso? Esta bolsa é de couro de jacaré. E esta aqui é de couro de cobra. Eu não gosto de machucar os bichos não. Eu gosto muito de bichos, mas eu gosto mais é peixe. Eu às vezes fico imaginando que eu sou um peixinho”. Por quê?  “Porque eu gosto de peixes. E como eu sou do signo de peixes, aí eu sou um peixinho, né?” Quem te falou que você é do signo de peixes? “Ora ninguém. Eu descobri”. Mas você descobriu sozinha. Como descobriu? É que eu sei que faço aniversário dia 15/03, então eu sou do signo de peixes. Portanto, eu sou um peixinho.

           Em outra proposta com argila, ela faz várias peças, numa ânsia de aproveitar tudo ao mesmo tempo.  Tem muito cuidado ao fazer as pétalas da flor. Ela diz que gosta de fazer florzinhas para fazer um colar de flores para colocar no pescoço. E então diz: “pode fazer um também. È só você fazer umas tirinhas, depois você enrola e faz as flores. Coloca bem juntinho e quando elas tiverem juntinhas você faz o cordão para colocar no pescoço. Para elas ficarem juntinhas, junta a sua mão com os dedos fechados e aperta a argila que ela vira uma flor”. E foi ensinando passo a passo como deveria fazer uma flor.

            Com um pedaço de argila e começo a fazer as flores. Então comento que eu sou desastrada para fazer flor. Ela com a sua sabedoria infantil diz: “A gente não pode falar assim não. Se a agente fala que é desastrada a gente fica muito triste e não consegue fazer nada. Tem que tentar fazer falar que consegue e que vai dar certo.”

            Após algum tempo com Samilly, a grande descoberta é que ela não era problema. Ela é uma menina que precisa de atenção, carinho e muito amor. Que tem o sonho de formar uma família, mas que não possui a família desejada. Samilly não é amada do jeito que gostaria de ser, portanto não consegue amar do jeito que as pessoas querem que ela ame. É uma menina deixada para o mundo!

 

Referências

THIERS, Solange. Orientador terapêutico Thiers para crianças - CR. 1ed. Rio de Janeiro: Cesir,1992
 

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Uma leitura em Ramain-Thiers

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