Artigo 1
Maria Nathalia
Chaves Monteiro
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Samilly - Amada ou deixada...
Maria Nathalia Chaves
Monteiro
Pedagogia. Letras.
Inspeção Escolar.
Pós-graduação: Legislação Educacional e
Fundamentos Educacionais.
Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers. Psicanálise.
O encontro com Samilly aconteceu em meados do mês de
junho. Samilly entrou na sala acompanhada da “tia” Janda. Estava
bonita, arrumada, penteada e muito bem cuidada. Uma menina alegre,
falante e muito curiosa. Conversamos um pouquinho com ela e a tia.
Precisávamos observar a convivência das duas estando juntas.
Ao ser perguntada sobre as queixas que tinha
a respeito da Samilly, disse que a maior dificuldade era
conviver com as mentiras dela. Foi procurar ajuda porque
a escola pediu. Disse que ela tem dislexia, de acordo
com o médico. Mente muito, pega as coisas dos outros. A
sua aprendizagem é difícil. Não consegue escrever
direito. Escreve tudo junto. Não consegue ler. Quando
chegou à escola, pedia a professora para ir ao banheiro
e sumia na escola. Ficava passeando pela escola.
Samilly não apresenta nenhuma doença crônica,
a não ser alergia a picada de pernilongo e chocolate
branco. (uma vez). Toma ritalina, o médico receitou.
Acho que ela ficou mais calma. Tem um mês o tratamento.
Quem sai mais com ela é a Janda. Sai também com o pai e
os dois para ir ao trenzinho, tomar sorvete, etc.
Com o Vinicius (irmão - filho da esposa
Janda) brincam e brigam também. Mas ela fica mais
sozinha, pois o Vinicius vai para casa da avó paterna
duas vezes por semana para dormir e fica lá o restante
do dia seguinte. A avó leva para a escola todos os dias
e ele faz as refeições lá.
Quem mais cobra a disciplina é Janda, mas o pai não
interfere. Eles levantam cedo, ele vai trabalhar e leva Samilly para
a casa da avó paterna. Ela faz alguma coisa por lá e, ou fica
assistindo TV. Lá eles almoçam. Samilly, Erick, Janda. Após o almoço
ele leva a menina para a escola. Ela é da mesma sala do Vinicius.
Após a escola ela tem aula particular, duas
vezes na semana. O Vinicius sai de manhã, vai para a
casa da avó paterna, do outro lado da cidade, lá ele
fica, almoça e vai para a escola de Van (carro). Depois
a Van Escolar busca e nos dois dias da semana que ele
dorme na avó, ele vai direto para lá. De vez em quando
ela vai lá ver a mãe. A avó materna não mais quer ver. O
pai preocupa muito com as mentiras que ela conta.
Pergunta-se a ela, se sabia por que estava ali. Ӄ para
melhorar na escola. Ficar melhor lá”.
Disse a ela, para ficar a vontade e que ela
poderia brincar e fazer o que ela quiser. Ela diz:
“tem muito brinquedo aqui não é?”. Destampa a caixa
que estava sobre a mesa, e continua: “Tem muitas
miçangas aqui”, “Cada uma de uma cor, e de todos
os tamanhos”. Pega um pedaço de linha do novelo,
tira um pedaço, procura pela tesoura, corta um tamanho
médio e diz: “Vou fazer uma bijuteria, minha mãe
fazia bijuteria. Ela tinha umas miçangas bem
pequenininhas, nem dava para pegar direito”.
Pede para dar um nó, porque ela não sabe dar nó. Dá-se o
nó na ponta da linha para ela. Ela pega uma conta de cor verde e
enfia a linha dentro dela. A conta passa direto, pois a linha era
fina e a conta grande. Assim percebe que precisa de um nó maior e
então pede novamente. Dá-se alguns nós até ficar mais grosso o final
da linha. Ela pega contas verdes e depois contas rosa e vai
colocando uma após outra, até formar um colar.
Ela diz: “Eu ajudava minha mãe a fazer
bijuteria”. Ela fazia muita. Agora ela não faz mais
porque ela não tem tempo. Ela está esperando bebe e as
coisas ficaram apertadas. Quando eu morava com minha avó
ela fazia. Depois minha avó preta mudou para o bairro da
penha, e minha mãe não foi. Aí eu fiquei com minha mãe.
Minha avó chama avó Preta porque ela é morena. Ela abriu
um hotel lá no bairro. Eu vou ver a minha Avó preta
quando ela liga para eu ir. mas tem muito tempo que ela
não liga. Aí meu pai não leva. Eu vim morar com o meu
pai no dia do meu aniversário. Minha tia Kita, (Janda) é
quem cuida de mim. Quando ela não pode, ela pede a
vizinha Nina para olhar.
Pergunta-se se ela gostava de fazer
bijuteria, ela disse que sim. Que era bom porque ficava
enfeitada e ficava bonita. Você gosta de ficar bonita?
Ela diz: ”Eu gosto. É muito ruim quando as pessoas
falam que a gente é feia. Chateia a gente!”
E quem disse que você é feia? Ela diz que
as colegas dela. ”A Ana Claudia é muito chata.
Ninguém pode encostar nela, que ela diz que tá
machucando. E a Maria Clara fica fazendo fofoca. Elas
falam que eu sou feia.”
E elas são bonitas? “Não, elas são bobas”.
Samilly fez todo o colar, chegou bem perto de
mim, colocou no meu pescoço, e perguntou: “Tá
apertado?” Amarrou o colar no meu pescoço, e comenta:
“tem que ficar maior para passar”.
Enquanto brinca com as contas fala e
cantarola um pedacinho de música. Esta sempre
concentrada naquilo que está fazendo. Não demonstra
nenhuma dificuldade em usar a tesoura, as contas e as
bolinhas. Depois, encontra uns bichinhos, e começa a
separá-los e diz: “São os bichinhos do mar. Todos
coloridos.” Pergunta qual cor eu gosto mais. Ela diz
que esta difícil escolher a mais bonita. Pega outro
pedaço de linha e faz um anel com dois bichinhos do mar.
Os buraquinhos estavam muito fininhos, ela pega a
tesoura e tenta abrir um pouco o buraquinho, para passar
a linha. Faz o anel e coloca, isto é, amarra no meu dedo.
Pergunta-se:
você gosta do mar. Ela diz que sim. “Nado um pouco,
só que não muito bem”.
Na seqüência pega a família de bonecos e diz
que sabe fazer aquele bebe da família. “isto aqui é
só algodão.” Apertando o boneco. “A gente faz
isto assim”. E foi me ensinando passo a passo como
se fazia o bebe da família dos bonecos, com o algodão,
as colas coloridas e a lã do cabelinho, me explicando
como se faz cada parte. Quando acabou, me diz: “Assim
é que fica bonitinho, e a gente pode também fazer os
cabelinhos bem arrumadinhos”. Olha o restante dos
bonecos, observa cada um, diz quem era a vovó, porque
ela usava óculos.
Observa-se que Samilly é uma menina curiosa,
falante e bem comunicativa. Sempre tem respostas para
todas as perguntas, e respostas bem elaboradas. É de uma
criatividade incrível e vive em um mundo de fantasia
criado por ela, para ela. Por isso, as outras pessoas
dizerem que ela mente muito. O desejo dela é ter uma
família completa. Pai, mãe, irmãos, avó, etc.
Sempre fala aquilo que ela quer e ou sonha
ter. Ao ser perguntada, onde ela tinha visto fazer
bonecos e quem tinha ensinado, responde: “Ninguém me
ensinou não, isso vem da minha cabeça”.
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E continua: “Eu gosto de desenhar, mas o meu pai não
compra folhas brancas para mim. Eu só tenho folhas
brancas na escola.”
Questiona-se ao pai sobre este detalhe, “das
folhas brancas”, ele diz que era mentira. Ela tem folhas
em casa. O que Samilly necessita? O que os pais e a
escola chamam de mentira? Parecia tão verdadeira e à
vontade naquele momento!
Oferece-se uma folha em branco para desenhar.
Ela desenha uma borboleta, a mão livre, sem copiar de
lugar nenhum, faz a borboleta de lápis preto e depois
pede tinta para pintar a borboleta. Pega a tinta guache,
pincéis e então pinta a borboleta, fazendo o contorno
com tinta branca misturada com preto, fazendo o cinza.
Durante o tempo que ela ia misturando a tinta, ela disse
que as cores podem ser misturadas que a gente consegue
outras cores. “Olha quando a gente mistura o vermelho
e o amarelo a gente tem o verde. E quando mistura preto
com branco, tem a cinza. Tá vendo como eu fiz.” Ela
pinta o contorno e faz o centro da borboleta de vermelho.
Faz questão de fazer os detalhes, como as anteninhas e o
rabinho. Depois pega varias lantejoulas e decora, isto
é, cola as lantejoulas na borboleta enfeitando-a.
Novamente refere-se ás bijuteria que a mãe
fazia. Mas que agora ela estava muito apertada e não
fazia mais. Que representação de mãe apertada é essa que
não faz mais? O que não faz mais? Agora está ocupada com
outro bebe? Termina o desenho e vai embora. Mas antes
escreve o nome dela, em letra cursiva na folha do
desenho, mas ela não sabe escrever, somente escreve tudo
junto! Que interressante!
Numa proposta de trabalho do socius, ela
recortou as mulheres com os cabelos bonitos e depois
colou. Foi passando as folhas e ia me dizendo assim.
“Você sabe o que é isso? Esta bolsa é de couro de jacaré.
E esta aqui é de couro de cobra. Eu não gosto de
machucar os bichos não. Eu gosto muito de bichos, mas eu
gosto mais é peixe. Eu às vezes fico imaginando que eu
sou um peixinho”. Por quê? “Porque eu gosto de
peixes. E como eu sou do signo de peixes, aí eu sou um
peixinho, né?” Quem te falou que você é do signo de
peixes? “Ora ninguém. Eu descobri”. Mas você
descobriu sozinha. Como descobriu? É que eu sei que
faço aniversário dia 15/03, então eu sou do signo de
peixes. Portanto, eu sou um peixinho.
Em outra proposta com argila, ela faz várias peças, numa
ânsia de aproveitar tudo ao mesmo tempo. Tem muito cuidado ao fazer
as pétalas da flor. Ela diz que gosta de fazer florzinhas para fazer
um colar de flores para colocar no pescoço. E então diz: “pode
fazer um também. È só você fazer umas tirinhas, depois você enrola e
faz as flores. Coloca bem juntinho e quando elas tiverem juntinhas
você faz o cordão para colocar no pescoço. Para elas ficarem
juntinhas, junta a sua mão com os dedos fechados e aperta a argila
que ela vira uma flor”. E foi ensinando passo a passo como
deveria fazer uma flor.
Com um pedaço de argila e começo a fazer as
flores. Então comento que eu sou desastrada para
fazer flor. Ela com a sua sabedoria infantil diz: “A
gente não pode falar assim não. Se a agente fala que é
desastrada a gente fica muito triste e não consegue
fazer nada. Tem que tentar fazer falar que consegue e
que vai dar certo.”
Após algum tempo com Samilly, a grande
descoberta é que ela não era problema. Ela é uma menina
que precisa de atenção, carinho e muito amor. Que tem o
sonho de formar uma família, mas que não possui a
família desejada. Samilly não é amada do jeito que
gostaria de ser, portanto não consegue amar do jeito que
as pessoas querem que ela ame. É uma menina deixada para
o mundo!
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