Artigo 2
Limite, um Fator
de Inclusão Social
Teresa Christina
Najar Pereira Araujo |
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LIMITE, UM FATOR DE INCLUSÃO
SOCIAL
Teresa Christina Najar Pereira Araujo
Graduação em Letras. Pós graduação em
Língua Inglesa.
Pós graduação em Escrita
e Leitura em Língua Inglesa. Psicanalista. Sociopsicomotricista
Ramain-Thiers.
“A nossa sociedade
debate-se, desesperadamente, contra a falta de autoridade oriunda de
não entrada da função paterna, o que nos foi deixado como legado
histórico e social. O nosso povo deixou de respeitar a Lei e está
com dificuldades de encontrar uma forma segura de agir”. SOLANGE
THIERS
Desde tempos remotos, foi necessário estabelecer normas
de convivência, determinando assim o comportamento social, do
sujeito que faz parte de um processo de imitação em constante
movimento. Essas normas, ou seja, os LIMITES, foram instaurados para
que o indivíduo, conhecendo seus deveres e direitos, pudesse passar
a viver numa sociedade, com interesses coletivos, desenvolvendo a
virtude da disciplina, da educação e amor aos seus filhos.
O limite moral é a sociedade,
pois ao fazer parte da coletividade, essa controla o indivíduo
através de suas normas e princípios, costumes e tradições. Portanto;
“Limites são regras ou
normas de conduta que devem ser passadas para as crianças desde a
mais tenra idade, pois a imposição de limites é a parte essencial da
educação de uma criança, possibilitando melhor equilíbrio quanto ao
seu desenvolvimento moral, psíquico, afetivo, cognitivo, organizando
suas relações sociais. Ao colocar regras para as crianças as
preparamos para a vida real, onde nem tudo acontece do jeito e na
hora que se quer, portanto, durante o processo de desenvolvimento é
importante saber que a lei na criança é internalizada, pois ela
nasce amoral por ainda não ter internalizado as regras e aos poucos
se torna capaz de moralidade quando guarda para si as leis” (COSTA,
2002).
Segundo Freud, é entre o terceiro
e quinto ano de vida que se faz presente o Complexo de Édipo,
momento em que o pai entra na relação como LEI do interdito do
incesto. Nesta fase a criança experiencia um desejo sexual
incontrolável e a presença paterna a faz limitar e ajustar seus
impulsos. Assim sendo, pode-se afirmar que, o adulto, ao ter
superado seus impulsos e resolvido seus desejos durante o Complexo
de Édipo, consegue então ter o prazer de viver em sociedade.
Winnicot defendia a idéia de que
as normas e a moral são implantadas nas crianças de duas formas,
sendo uma pela imposição de aceitação e a outra, pelo incentivo da
moralidade que se faz inerente ao ser. Para ele, os pais deveriam
ter um código moral à espera desse filho que está por vir. Desta
forma:
“A civilização começou de novo dentro de mais um ser humano, e os
pais deveriam ter um código moral à espera do filho para quando ele,
mais tarde, começar a procurar algum. Uma função pertinente a essa
atitude será humanizar a própria moralidade exaltada, mas imperfeita,
da criança, sua aversão à obediência, À custa de um modo de vida
pessoal. É bom que essa moralidade exaltada seja humanizada, mas não
deve ser eliminada – como poderá ser por pais que compreensivelmente
dêem um demasiado valor à paz e tranqüilidade. A obediência acarreta
compensações imediatas e os adultos incorrem muito facilmente no
erro de confundir obediência com crescimento.” (Winnicott, D. W, p.
109, 2008).
Através da filosofia “é proibido
proibir”, com a intenção de exterminar o autoritarismo que vigorava
nas relações até os anos 60, os limites foram substituídos pelo
“tudo pode” e, tanto os pais, professores e crianças, já não sabiam
como agir.
Pais sem querer dar limites, por
medo de deixarem de ser amados e de repetirem com seus filhos o
horror do autoritarismo do qual foram vítimas, passaram a deixar que
os mesmos fizessem tudo que desejassem para não se sentirem
frustrados ou feridos. Ao tentar modernizar a educação familiar,
esses pais esqueceram o equilíbrio que deve estar presente em toda
educação e, acabaram se perdendo pelo caminho e vitimizando seus
filhos emocionalmente.
Detecta-se que, os papéis a serem
cumpridos por cada um dos que faziam parte da estrutura familiar
ficaram distorcidos. Os pais, ao iniciarem a divisão de tarefas e
responsabilidades domésticas com as mães, que passaram a trabalhar
fora, confundiram o que seria uma relação mais próxima, afetuosa,
aberta, com falta de limites.
Zagury afirma que, com essa
confusão toda, os papéis acabaram sendo invertidos, os filhos
passaram a ter o poder absoluto. Os pais, no intuito e ânsia de
criar filhos mais felizes, transformaram-nos em indivíduos sem
noções de direitos e deveres, o que se faz imprescindível para a
convivência em sociedade. Assim, “Filhos de pais severos podem
realmente tornarem-se dependentes e inseguros, da mesma forma que os
filhos de pais permissivos podem apresentar as mesmas
características”. (ZAGURY, 2002, p.46).
As crianças aprendem com seus
pais e outras pessoas com as quais convivem, através da imitação,
experimentação e invenção. Assim sendo, se os pais não colocam os
limites, permitindo que os filhos façam tudo o que desejam, então
também não estão ensinando-os a viver como seres sociais uma vez que
esses desconhecem os limites individuais e relacionais. ”Portanto,
cada vez que os pais aceitam uma contrariedade, um desrespeito, a
quebra de limites está fazendo com que seus filhos rompam o limite
natural para seu comportamento em família e em sociedade.” (TIBA, I.
2006 p. 21).
“Os pode” e os “não pode”, têm de
ser ensinado às crianças, já na primeira infância, para que esses
internalizem , cabendo aos pais e à escola estabelecer e fazer serem
cumpridas as regras e limites, possibilitando assim, o processo de
socialização para que o desenvolvimento psicossocial futuro das
mesmas, aconteça de forma natural e equilibrada.
O respeito, no entanto, não pode
ser colocado de lado, mesmo para impor limites. Deve-se explicar
para as crianças o “não” que foi dito e, esse deverá ter uma razão
para ter sido usado de fato. Se há um motivo concreto para ser dito,
a criança sentirá que está sendo respeitada, e, como ser imitativo,
em constante movimento, aprenderá a respeitar o outro, a se sentir
importante numa educação que faz parte da sua existência.
As relações estabelecidas entre
pais e filhos, desde muito cedo é que vão orientar essas crianças
nos seus relacionamentos futuros em todas as situações a que forem
expostos, seja no meio educacional, nas relações afetivas,
profissionais, sociais em geral.
Bebês sem disciplina apresentam
uma tendência enorme a se tornarem adolescentes e adultos que não
sabem esperar para a realização dos seus desejos, pois não suportam
viver a frustração.
Pais inseguros, desnorteados,
acabam por deixar seus filhos desequilibrados emocionalmente, e, com
eles, criam conflitos inúmeros. Se esses mesmos filhos são criados
sem parâmetros de disciplina e moral, isentos de reflexões e de
responsabilidade pelos seus atos, conseqüentemente aprenderão a
conviver com indiferença e desvalorização de si mesmos e dos outros,
são os indivíduos onde o TER sobrepõe o SER.
Neste contexto, é fundamental
restituir aos pais a coragem que eles perderam, talvez até sem
sentir, na tentativa de encontrar um novo caminho nas suas relações
com os filhos. Precisa-se evitar que se invertam os papéis de
dominador-dominado/ dominado-dominador. Isto pura e simplesmente não
conduzirá a nada de positivo.
É preciso que a coerência esteja
presente em toda a formação e criação dos filhos, para que os pais
consigam manter o que foi dito, afirma Zagury (2002). Crianças não
entendem os “de vez em quando”, assim sendo, esse ir e vir nas
decisões, acabam por confundi-los. Se os pais prometem castigo,
então deverá ser cumprido, caso contrário só servirá como agente de
angústia e ansiedade, fazendo dos seus filhos, indivíduos medrosos e
assustados. Promessas não cumpridas geram crianças inseguras e
indecisas. E ainda, “O castigo também pode tornar a criança mais
cuidadosa ao cometer uma falha, ou hábil em escondê-la. As crianças
punidas com freqüência muitas vezes ficam mais perdidas, deixando de
ser mais honestas ou responsáveis.” (SAMALIN e JABLOW, 2000).
Educar de forma equilibrada, com
democracia, sem autoritarismo, é orientar as crianças em relação à
avaliação de seus atos e ao que esses atos, as levarão, em
contrapartida, o limite injusto, o “não” sem fundamento, só servirá
para reforçar os medos e as angústias que são fatores que dificultam
o processo de aprendizagem.
Crianças bem educadas é resultado de educadores que acreditam na
importância de se estabelecer limites desde a mais tenra infância
para que aconteça a internalização do processo de respeito a si
mesmo e ao outro, buscando realizar mais do que apenas satisfazer
seus desejos individuais. Esses educadores são os pais e os
professores, responsáveis por criar futuros homens e mulheres
capazes de viver em sociedade.
Torna-se relevante o
estabelecimento de limites pela família, uma vez que, só assim é
possível minimizar as graves conseqüências que a sociedade está
sofrendo ultimamente por ser constituída de indivíduos criados com
excesso de liberdade, de autoridade e de desejo próprio, por pais
que, ao quererem usar da psicologia, tornaram-se tão permissivos que
aceitaram o comportamento tirânico dos filhos desde a primeira
infância, resultando esses em adolescentes e jovens, capazes de
cometer atos de selvageria, assassinatos e violências diversas
comuns na atualidade.
A escola também se faz
importantíssima nesta formação do indivíduo, proporcionando o
desenvolvimento da reflexão e autodescoberta das crianças. É função
da escola, deixar claro para os alunos a importância dos limites,
desenvolvendo a importância da cooperação e solidariedade na
convivência grupal e social.
Ao educador, fica a missão de
saber estabelecer limites e valorizar a disciplina, assim sendo,
quem o faz, deverá estar saudável, pois o respeito à auto-estima é
que diferencia o autoritário da autoridade, esse último, responsável
por tornar a outra pessoa mais educada e disciplinada. Assim, “Você,
pai ou professor, é o educador, e não pode se esquivar da tarefa de
apontar, na medida certa, os limites para que os jovens se
desenvolvam bem e consigam situar-se no mundo” (TIBA, 2006).
Dar limite não significa deixar
de amar, de dar afeto, carinho, confiança e com tudo isso gerar
segurança. O educador que usa da autoridade para educar está aberto
para ouvir e respeitar a criança, o que representa ter que ser duro,
agir de forma mais racional, com o intuito de gerar no sujeito, o
seu bem estar e direcioná-lo à tão necessária cidadania. “O que
queremos mostrar aqui é que, se agirmos com segurança e firmeza de
propósitos, mas com muito afeto e carinho, poderemos atingir nossos
objetivos educacionais sem autoritarismo...” (ZAGURY, 2003).
É possível chegar à conclusão de
que, pais e professores deverão ter o estabelecimento de limites
como fonte de compreensão e união ao outro, através do respeito, uma
vez que cada indivíduo precisa se colocar de forma a entender que
seus desejos não são maiores nem melhores do que o do outro e, assim
sendo, deverão compartilhar de respeito mútuo, pois:
“Acredito no ser humano
e nas suas competências para aprender, mesmo com seus erros; para
solucionar seus problemas, expandir seus limites muito além do
conhecido, buscando novos modelos para obter um upgrade na vida e
não se acomodar com o insatisfatório. Isso tudo para usufruir da
felicidade.” (TIBA, 2006).
Família e escola devem caminhar
em sintonia e comunhão de idéias uma vez que, limite e disciplina na
criança é fator fundamental para que esse tenha um desenvolvimento
psíquico, cognitivo e social, saudáveis, oferecendo ao sujeito a
chance de viver a inclusão na sociedade.
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