Artigo 1
Sabine Leh Korpasch |
|
SOCIOPSICOMOTRICIDADE
RAMAIN-THIERS AUXILIANDO NO DESENVOLVIMENTO DA
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Sabine Leh Korpasch
Licenciada e pós
graduada em Matemática. Orientadora do Método Kumon.
Sociopsicomotricista Ramain-Thiers. Terapeuta Reiki.
Focalizadora de Danças Circulares em Entre Rios,
Guarapuava, PR.
RESUMO
Este trabalho tem como
objetivo abordar como a Sociopsicomotricidade
Ramain-Thiers com sua metodologia ajuda no
desenvolvimento da inteligência como um todo, em
especial da inteligência emocional e mostrar que o
estudo feito por Daniel Goleman, principalmente, nessa
área enriquece, complementa e, na maioria das vezes,
confirma o trabalho desenvolvido por Solange Thiers.
Será enfocado o que foi observado dessa correlação no
atendimento clínico de duas meninas e maior ênfase será
dada à atenção interiorizada como protagonista para esse
desenvolvimento.
INTRODUÇÃO
No
mundo
atual, a complexidade dos estudos efetuados na área da
neurociência vem cada vez mais demonstrando a
plasticidade do nosso cérebro e o quanto ainda pode
entender e aprender, para termos um desenvolvimento mais
amplo e eficaz de nossas aptidões, e assim lidar melhor,
mais tranquilamente, mais presentemente com as mais
diversas situações do dia-a-dia, ajudando a evitar,
muitas vezes, algumas doenças psicossomáticas, tão
evidenciadas nos últimos anos como, por exemplo, o
stress, a síndrome de pânico, alguns tipos de depressão
entre outras, ou, simplesmente tornar a vida mais leve,
mais interessante.
A inteligência emocional é a sabedoria, que nos permite
conhecer e harmonizar os diversos tipos de inteligência
e energia, de que cada um de nós dispõe como ser humano.
A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers tem todo um estudo,
experiência e ferramentas para proporcionar ao sujeito
situações necessárias, favoráveis para refazer ou
melhorar seu desenvolvimento intelectual, cognitivo,
corporal e emocional.
O objetivo deste trabalho foi juntar um pouco do que se
sabe da neurociência com o que a psicologia trabalha,
usando a metodologia da Sociopsicomotricidade
Ramain-Thiers como base e norte no atendimento clínico
de duas meninas.
Grande parte dessa teoria se baseou nos estudos de
Daniel Goleman. Eckart Tolle contribui também com seus
livros, já que a atenção interiorizada se mostra
elemento principal para que o objetivo seja alcançado.
Na prática, além do objetivo inicial ser constatado e
usado, a contribuição de Juan David Nasio ainda se fez
necessária, já que o Complexo de Édipo parecia
predominar na maior parte de sessões.
Finalizando o trabalho, o desenvolvimento e progresso
das meninas são pontuados fazendo uma correlação com
toda a teoria estudada, mostrando o quanto o “estar
presente” se faz importante. Pois, para encontrar o
equilíbrio, o ser humano precisa vivenciar suas emoções
de forma mais ampla e consciente, sem perder de vista a
importância do raciocínio lógico.
O CASO CLÍNICO
O atendimento foi feito
com duas meninas, E. de 10 anos e C. de 8
anos. As sessões eram de duas horas, duas vezes por
semana no período de março a novembro de 2012.
E. de 10 anos
Os pais de E. foram
chamados pela orientadora da escola. Disseram que E.
tinha dificuldade de se expressar, que “dava branco” nas
provas, chorava e não entendia as questões. As
professoras de matemática e português pediram para
trabalhar o seu emocional, para que se afirmasse mais e
para que tivesse mais autoconfiança. Declaram que o
sentimento de E. é de menos valia, pois se
desorganiza, quando vê que todos os colegas estão
terminando alguma atividade ou alguma avaliação. Assim,
paralisa, não termina ou faz as tarefas de qualquer
jeito.
Os pais de E.
concordam e complementam dizendo, que se sente a última
da turma (amigos tiram 10 e ela não), ao mesmo tempo
afirmam, que em casa é tudo normal, ela canta, é
faladeira e agita a casa inteira.
C. de 8 anos
Interessante que é
exatamente o oposto da E. Da escola não há queixa.
C. é perfeccionista, não quer ser mais ou menos.
Gosta de fazer tudo certo. Se não tiver certeza de que
vai dar conta de alguma atividade prefere nem fazer. Em
casa fica muito irritada com o pai, quer tudo na hora,
parece que nada a satisfaz. Quando quer muito um
brinquedo e ganha fica um tempo extasiada, mas já volta
à insatisfação. Sempre foi assim, até mesmo antes da
irmã nascer. Ela é a filha mais velha. Tira a mãe do
sério. Presenciou muito as crises de pânico da mãe.
Quando está só com o pai ou só com a mãe é mais calma.
Quando os dois estão juntos tem muito ciúmes. Dorme
muitas vezes com a mãe e o pai dorme na sua cama. Quando
os pais discutem, ela chora muito depois
O ATENDIMENTO
Após as entrevistas, foram
feitas as avaliações, individualmente, em sessões de 1
hora com os desenhos do Walter Trinca. “O desenho vai
desencadear emergências inconscientes vinculadas a
figuras parentais, a medos arcaicos, a vivências
edípicas, à reconstrução egóica como agentes
facilitadores desses conteúdos”. (Thiers, 1998, pág.
31)
O que ficou mais evidente
nestes desenhos foi o pouco investimento em detalhes de
E., apesar de ser 2 anos mais velha, ao contrário
de C. que se esmerou em detalhar rostos e roupas.
E. executa sem muito analisar e nem planejar e
deixa claro a diferença nas cores escolhidas para
desenhar o cabelo das pessoas. Justamente pela cor do
cabelo soube que, ela se desenhou primeiro, em seguida a
figura masculina (o pai) e depois outras duas figuras
femininas (a mãe e a irmã mais velha). C.
demorava mais, pensando e analisando para depois começar
a desenhar.
Nas atividades livres, de
início, E. se sentir mais a vontade que C.,
mas nos trabalhos corporais ocorreu o inverso. C.
que se apresenta mais confiante em seguir os comandos.
Realmente aproveitava e relaxava. E. nas últimas
sessões, visualmente, dificilmente conseguia se entregar
e se aquietar. Exceto, quando o trabalho corporal era
realizado com água. Ela verbalizava sempre situações de
férias ou brincadeiras em piscinas e tobogãs. Nesses
momentos falava bastante e tinha uma expressão muito
feliz no rosto.
Em um trabalho de psicomotricidade diferenciada, quando
apareceu pela primeira vez “os famosos quadradinhos”,
E. já apresentou um olhar apavorado e não escutou o
que era para ser feito, Somente quando foi repetida a
proposta, conseguiu realizar. C. terminou antes e
com bastante perfeição. Isso deixou E. bem
chateada. Verbalizou: como poderia repetir alguma
proposta todas as vezes que ficasse brava? Isso a
lembrava as aulas de matemática. Propõe-se então que
fizesse um desenho de alguém ensinando e alguém
aprendendo. E. aperta muito o lápis vermelho
enquanto pintava a menina que dizia ser ela : “Quanto
mais aperto, mais rápido eu faço”, dizia. Pediu borracha
algumas vezes e falava o tempo todo em lanche, gostaria
de tomar Nescau. Essa situação passou a se repetir
principalmente nas atividades de cópia. Quando percebia
que errava, E. relutava em trocar o lápis e
muitas vezes deixava a mão amolecer ou forçava demais,
sempre com o olho já avermelhado. Parece que paralisa e
entra numa cegueira de fúria. Exatamente assim acontecia
nas mais variadas situações na escola, principalmente
nas provas ou quando alguém ria dela.
Na cópia da melancia, As duas logo tiveram que pegar a
cor vermelha. Quando E. teve que pegar a cor azul
disse que a mão ficou mole, “perdi a força” – disse, e
quis segurar o lápis com força. Propõe-se que segure
normalmente, mas ela não consegue fazer um traço bom. A
conversa, na verbalização, foca em como ela pode
comandar em sua mão e de que, se não consegue enxergar
como continuar, às vezes, é melhor começar por outro
lado, mudar o foco. Conseguiu fazer tudo certinho depois,
mas com o mesmo olhar avermelhado e bravo. C. em
todas essas situações observava bastante e quando era
convocada para falar sempre dizia: “E. você sabe
fazer! Veja! Parece que não enxerga, mas sabe fazer.”
No conjunto de cópia, as
ferramentas podem mobilizar a agressividade ou aspectos
fálicos, vinculados à fase pré-edipiana. (CR, pág. 113)
Na cópia do Martelo, E.
logo reclamou do tamanho do papel e perguntou se
estava certo. Errou. Quando viu que teria que trocar o
lápis, começou a chorar. Disse que se sente assim na
sala de aula, nas aulas de matemática, mas não sabe por
quê. Conversamos. Quando pergunto se gostaram do martelo,
os olhos da E. clarearam. ”Nossa, um martelo?
Achei que era um barco visto de perfil!” C. achou
que era uma árvore. As duas riram.
Segundo Thiers (1998) “copiar é a ação que leva à
procura do outro para identificar-se”.
A relação da identificação com o Complexo de Édipo se dá
porque a criança precisa identificar-se com a figura
parental do mesmo sexo, desinvestir da outra e procurar,
por deslocamento, um novo parceiro para a satisfação de
seus desejos.
A incorporação, a introjeção e a
identificação são processos psíquicos que aparecem
quando, na construção do setting Ramain-Thiers, e
aparecem nos momentos das propostas de cópia ou decalque,
quando se tem um modelo e se busca ser igual a este
modelo. Muitas vezes, as questões de agressividade
surgem porque para ela é muito difícil buscar a
identificação com aquela figura parental e, então, os
erros são mais frequentes, como marcas de um referencial
inconsciente que é mobilizado. (CR-04, Cópia,
pág.113)
Na identificação pré-edipiana,
portanto, há a necessidade de procurar ser igual à mãe
para conquistar e ter o pai. Isso ficava bem evidente
nos desenhos livres da E., quando desenhava
primeiro o pai, depois a si mesma e quando desenhava a
mãe, caprichava em detalhes. Dava bastante ênfase aos
cabelos escuros e cacheadas da mãe, em contrapartida com
os seus, que eram louros e lisos. Este parecia ser um
ponto chave a ser trabalhado tanto para C.,
quanto para E. C. ainda estava tendo seus
ataques de fúria em casa e crises de ciúmes quando os
pais estavam juntos. A mãe dela havia novamente
comentado sobre esses ataques em casa, principalmente
com o pai. C. não suportava quando o pai chegava
perto da mãe e ele, também, muitas vezes se comportava
como irmão da C. Ambos disputando a atenção da
mãe. Mas a mãe de C. colaborava permitindo que a
C. e a irmã dormissem com ela na cama e o pai
dormia no quarto das meninas. Pedi para a mãe rever isso
e ela me informou que havia procurado uma psicóloga que
havia orientado a mesma coisa. A mãe passou então a
fazer terapia para melhorar sua situação com o marido e
isto iria contribuir muito para a evolução da C.
nas sessões de Ramain-Thiers. O curioso que C. em
nenhuma proposta, ou situação, ou verbalização
demonstrou um pouco sequer deste sentimento dela ou dos
fatos que a mãe relatava acontecer em casa. Percebia-se
realmente, na execução das tarefas que ela era bem
metódica, detalhista e por isso bem controlada. O medo
que a mãe na anamnese havia confessado, de que C.
não se comportasse na frente das outras pessoas falava
mais forte em todas as sessões. Como na escola, em
nenhuma sessão ela se descontrolou. Isso era comprovado
nas propostas que exigiam precisão. Era muito
perfeccionista, ponderava muito antes de executar.
Novamente, o oposto de E. que muitas vezes agia
sem programar, planejar e depois se arrependia.
Explosões emocionais são o que Daniel Goleman,(1995)
explica, em seu livro Inteligência Emocional, como sendo
sequestros neurais. Segundo ele, quando um sentimento
impulsivo domina a razão, é o papel da amígdala cortical
que se mostra crucial. Por isso, ele a chama de
sentinela emocional, capaz de assumir o controle do
cérebro. É aí que todo o trabalho realizado com a
Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers pode ajudar.
Assim o
processo terapêutico passou a focalizar, nas propostas
corporais principalmente, o tônus, a respiração, para
ajudá-las a entrar em contato consigo mesmas, buscar a
atenção interiorizada segundo Solange Thiers, ou buscar
o poder do agora segundo Eckhart Tolle ou, ainda,
estarem mais autoconscientes, segundo Daniel Goleman.
Os psicólogos falam de metacognição – um termo um pouco
pesado – para referirem-se à consciência do processo de
pensar, e metaestado de espírito para a consciência de
nossas emoções. Eu prefiro o termo autoconsciência, no
sentido de permanente atenção ao que estamos sentindo
internamente. Nessa consciência auto-reflexiva, a mente
observa e investiga o que está sendo vivenciado,
incluindo as emoções. (GOLEMAN, 1995, pág. 60)
Em uma sessão seguinte E. na verbalização contou
que tentou fazer a “respiração” durante a prova na
escola, ou seja, respirar 3 vezes lentamente, prestar
atenção em si para se acalmar e tentar lembrar o que
havia estudado, mas não adiantou porque não conseguiu
terminar a avaliação e daí teve de concluí-la no dia
seguinte. E. precisava muito perceber quando ela
“travava”, porque estancava com determinadas atividades
e tentar descobrir a razão disso.
Todo sentir começa com o sentido de si próprio, isto é,
do próprio corpo. Assim a pessoa percebe o que está
acontecendo no ambiente, à medida que o ambiente exerce
influencia sobre os sentidos. ...O Trabalho Corporal nas
Técnicas Ramain-Thiers levará o indivíduo
inevitavelmente a “sentir” e entrar em contato com os
próprios sentimentos, na busca de uma atenção voltada
para si mesmo, seu corpo, que requer um longo caminho de
trabalho pessoal, de jornada interior e consciência
corporal. (THIERS, 1998, pág. 85)
C. precisava perceber o momento, que começava a
ficar furiosa, quando via o pai e mãe ficarem juntos e
entender o lugar do pai e entender o seu lugar. Ela
tinha consciência de que não era certo ela dormir com a
mãe. Faltava mãe e pai terem essa consciência também.
O Édipo feminino culmina no momento em que a menina, já
tendo feito a experiência da separação da mãe, está
preparada para desejar o pai, renunciar-lhe, introjetar
os traços de sua pessoa e seus valores, e, finalmente,
substituí-lo, uma vez jovem mulher, por um parceiro
masculino. (NASIO, 2007, pág. 87)
Certo dia numa proposta do CR-18 - Estória Contada,
justamente por este conjunto favorecer a projeção das
crianças e identificação com os personagens da estória,
foi lido o livro NARIZ VERDE de Max Lucado. (Em suma:
Deus fez cada um diferente e para ele cada um é
especial). Esse era o segundo livro desse autor lido, já
que em uma das primeiras propostas de Estória Contada,
já havíamos lido VOCÊ É ESPECIAL e as meninas haviam
gostado e verbalizado muito. Foi pedido que desenhassem
a estória em seguida. Depois de concluir o desenho,
E. diz: “Ah, por isso que não tem borracha aqui.
Você gosta da gente como a gente é!” “Isso, você é
especial!”, respondi. “Não, não sou. Eu não sei a
tabuada.” - retrucou E. para não receber o elogio.
Parece que ela sempre tinha que ativar seus mecanismos
de defesa quando começava a ter avanços. Volta e meia
perguntava por que de tantas perguntas: “Por que você
sempre pergunta “Por que”? Às vezes a gente não
sabe o que falar!”. Questionava bastante tudo que era
apresentado e pedido, quase sempre como uma afronta.
Passou a se comportar assim em casa, segundo uma queixa
da mãe. Nos trabalhos corporais se entregavam bem menos
que a C.. Parece que não tinha confiança
suficiente no que estava sendo feito.
Solange Thiers, (1998) em seu texto O Processo Criativo
e a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers declara: “A
psicomotricidade diferenciada não permite fugas ao
indivíduo. [...] O mecanismo de negação surge muitas
vezes para proteger o “não poder ver” tudo que é
doloroso demais para ser exposto [...].
”Pensando em otimizar e aperfeiçoar mais as sessões para
E., tentando talvez refazer o vínculo novamente,
resolvi fazer numa sessão seguinte uma proposta do
CR17-09 (Anal-Fálica) – Artes (trenzinho). Escolhi esta
para tentar ver se a E. perderia a aversão pelos
quadradinhos, já que é de quadradinhos de 2 cm. Ampliava
sua visão. Logo de início não gostou de ver, mas quando
viu que a proposta seria uma “arte” se animou mais.
C. logo disse: “Nossa um trenzinho. Legal!” Optei
por usar canudinhos no lugar de sisal e pedi que
fizessem bolinhas de crepon no lugar dos botões. O
canudo deu mais confiança para E. Por ser mais
“firme” que o sisal, auxiliou-a a se estruturar,
“enxergar” e não perder o controle. Assim fez tudo
certinho desde o início. Conseguiu observar melhor a
quantidade de quadrados, onde ficavam as diagonais e
quando errava, percebia sozinha e já corrigia, pois a
cola permitia isso. Fazer bolinhas de papel de crepon, a
ajudava trabalhar o tônus também. Dessa vez E.
adorou o trabalho, as duas tagarelavam o tempo todo.
Chamei a atenção da E. para o fato de, dessa vez,
ela não havia ficado brava e ela disse que estava brava,
mas falou sorrindo, tirando sarro. Aí lembrou que até já
tinha melhorado na tabuada, já tinha tirado um 7 (porque
no começo do ano ela havia tirado zero) e que por isso
sua mãe a deixaria fazer aulas de natação.
Nas sessões seguintes procurei usar sempre que possível
o decalque em algumas propostas, mesmo que a proposta
não pedisse, para ajudar na estruturação e identificação,
principalmente da E. Isso foi proporcionando mais
tranquilidade inclusive no conjunto de sinuosas, que
normalmente provoca o oposto. E. começou a lidar
melhor com o erro, e C. a se permitir errar de
vez em quando também. Na finalização de uma proposta do
Conjunto Socius, na verbalização sobre um painel, do que
elas acham justo e injusto, fui surpreendida com a
concordância das duas em afirmarem: Justo é que
Ramain-Thiers ajuda a gente perder a vergonha!
O uso do lápis de cor no lugar da borracha e do duréx
nos recortes e da colagem em algumas propostas, faz a
pessoa se deparar com aquilo, que ela mais quer esconder:
seus próprios erros. E, assumir uma situação de erro não
significa necessariamente um fim, mas pode ser o início
de um novo caminho. Justamente esta é a função da troca
de lápis, da colagem em Ramain-Thiers, de que, mesmo o
erro estando ali, não podendo ser totalmente apagado,
sempre há uma chance de haver reparação. De tudo que foi
trabalhado nas sessões, é bem possível que E. e
C. saíram com essa certeza.
O indivíduo passa pelo fazer, sente-se mais produtivo e
tem a oportunidade de reparar as questões danificadas no
seu trabalho prático, na vida pessoal, passando a ter
uma maior conscientização de seu próprio corpo, que
sentido e vivido descobre formas de crescer, amadurecer,
ser adulto, ser produtivo, ser social, com condições de
viver coletivamente. (THIERS, 2009, pág. 226)
Na reunião de encerramento dos atendimentos de 2012 os
pais de C. se mostraram bastante contentes com o
desenvolvimento dela, mas cientes de que ainda havia
muito a ser melhorado. Contavam com a possibilidade de
dar continuidade no ano seguinte. Com os pais de E.
foi um pouco diferente. Só a mãe compareceu dizendo que
o pai não tinha tempo. Começou falando que percebeu uma
melhora da E. na escola e que em casa, apesar de
ela responder mais, agora a mãe sabia o que ela andava
pensando. A mãe se dava por satisfeita por ter
conseguido trazê-la até o final de ano já que o pai,
para minha surpresa, nunca acreditou em nenhum trabalho
terapêutico, incluindo esse. Talvez isso explique um
pouco a resistência que E. teve em diversos
momentos.
CONCLUSÃO
Enfim, de alguma forma, a diversidade do material, a
postura do terapeuta adequando as sessões e lendo a
expressão que surge, a mobilização proporcionada pelo
trabalho corporal e a importância dada aos momentos de
verbalização, diminuíram ao menos um pouco as
resistências de E. e ampliaram nela a consciência
do desejo, a autoestima e, principalmente, melhoraram a
sua auto percepção. Nas últimas sessões isso foi ficando
bem claro quando acontecia de ela estancar novamente
diante de uma atividade e mesmo ainda brava percebia e
procurava dar continuidade por outro lado, mudando o
foco de atenção e consequentemente conseguindo assim
finalizar a tarefa. Em alguns outros momentos, através
de sua própria verbalização, E. também demonstrou
estar ciente de sua evolução quando contava já estar
melhorando na tabuada, quando dizia que sabia que no
Ramain-Thiers na tinha borracha porque ali ela era
especial (não no sentido de se sentir melhor que alguém,
mas sim valorizada pelo que consegue produzir) ou quando
afirmava que o atendimento ajudava a perder a vergonha.
O progresso de C. foi mais sutil, mas bem
perceptível quando começou a se sentir mais a vontade
nas situações em que errava e os ataques de brabeza,
ciúmes que tinha com os pais também haviam diminuído.
Passou também a frequentar mais a casa das amigas, coisa
que antes acontecia raras vezes. Conseguiu perceber que
sair um pouco daquele enquadramento mãe - pai – filha
também pode ser seguro e interessante.
Ficou realmente constatado no atendimento que a
metodologia Ramain-Thiers proporciona situações em que o
indivíduo se depara com seus limites, seus erros, mas ao
mesmo tempo mostra que a oportunidade de correção, de
rever o que foi feito, de continuar sob outro enfoque
sempre é possível. O recomeçar sempre é possível. Muitas
vezes é só trocar a cor do lápis ou usar um pequeno
pedaço de duréx. Mesmo que no final o erro ainda esteja
lá, a oportunidade de reparação se sobressai
fortalecendo, acalmando, clareando. O privilégio, sim, é
um privilégio que ainda precisa ser aprendido por muitos,
de poder prestar atenção em si, parar por um breve
instante, entender o que se está sentindo, perceber o
que ocasionou cada sentimento é fundamental para o
início de um bom desenvolvimento da inteligência
emocional. Portanto, a atenção interiorizada, tanto
falada por Simonne Ramain, é peça chave de tudo isso.
Estar atento, mais presente, consciente.
A sabedoria das emoções é parte decisiva da revolução
cultural que nos leva à sociedade do século 21, porque
ajuda a unir teoria e prática na mente e no coração.
Espera-se que cada vez mais as pessoas se esforcem na
sua senda evolutiva para crescer e lapidar-se
interiormente. Pessoas com qualidades e defeitos, muito
mais compreensivas em relação às suas próprias
particularidades do que em relação às características
dos outros. Até chegarmos ao ponto coerente e desejável
sintetizado há cerca de dois mil anos – o “amar a Deus
sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”- ,
pais, mães, maridos, esposas, filhos, filhas, namorados,
namoradas, professores, professoras, amigos e amigas
continuarão colaborando em nosso aprendizado. Um
aprendizado que a inteligência emocional vem facilitar
muito e a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers pode ser
meio para isso.
REFERÊNCIAS
DOLTO, Françoise, J-D. Nasio. A Criança do Espelho.
Tradução André Telles; revisão técnica Marco Antonio
Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
GOLEMAN, Daniel. A Arte da Meditação. Tradução de
Domingos DeMasi. Rio de Janeiro: Sextante, 2005
GOLEMAN, Daniel, Ph. D. Inteligência Emocional: A
Teoria Revolucionária que Redefine o que é Ser
Inteligente. 72º Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
GOTTMAN, John, Ph. D e Joan DeClair. Inteligência
Emocional e a Arte de Educar Nossos Filhos: como aplicar
os conceitos revolucionários da inteligência emocional
para uma compreensão da relação entre pais e filhos.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
NASIO, Juan-David. Édipo: O Complexo pelo qual
Nenhuma Criança Escapa. Tradução André Telles. Rio
de Janeiro: Zahar, 2007.
THIERS, Solange e col. Sociopsicomotricidade
Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e
social. 2ª Ed. Ver. e atual. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1998.
THIERS, Solange e Elaine (organizadoras). A Essência
dos Vínculos. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 2001.
THIERS, Solange e Ana Cristina Geraldi (organizadoras).
Corpo e afeto: reflexões em Ramain-Thiers. Rio de
Janeiro: Walk Ed., 2009.