Vol. VII: Vitrais 76 - nov 2014
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
.

VITRAIS
Vol. VII: Vitrais 76

                        nov 2014

 

Editorial

Notícias

Literatura
Rubem Braga


Artigos

Sabine Leh Korpasch 

Teresa Christina N. Araujo

 

Reflexões

Alicia Fernandez

Albert Einstein

Rubem Alves

 


Como publicar seus artigos

Contato com a ABRT:

E-mail  abrt.rj@gmail.com


 

Números anteriores

Vol. l:

Vitrais 56 - jun 2007
Vitrais 57 – fev 2008
Vitrais 58 – nov 2008

Vol. ll:
Vitrais 59 – mar 2009
Vitrais 60 – jul 2009
Vitrais 61 – dez 2009

Vol. lll:
Vitrais 62 - mar 2010

Vitrais 63 - jul 2010

Vitrais 64 - dez 2010

Vol. IV:

Vitrais 65 - mai 2011

Vitrais 66 - set 2011

Vol. V:

Vitrais 67 - mar 2012

Vitrais 68 - ago 2012

Vitrais 69 - dez 2012

Vol. VI:

Vitrais 70 - mar 2013

Vitrais 71 – jul 2013

Vitrais 72 – out 2013

Vitrais 73 – dez 2013

Vol. VII:

Vitrais 74 – mai 2014

Vitrais 75 - ago 2014

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Artigo 1

 

Sabine Leh Korpasch

 

SOCIOPSICOMOTRICIDADE RAMAIN-THIERS AUXILIANDO NO DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Sabine Leh Korpasch

Licenciada e pós graduada em Matemática. Orientadora do Método Kumon. Sociopsicomotricista Ramain-Thiers. Terapeuta Reiki. Focalizadora de Danças Circulares em Entre Rios, Guarapuava, PR.

 

RESUMO

        Este trabalho tem como objetivo abordar como a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers com sua metodologia ajuda no desenvolvimento da inteligência como um todo, em especial da inteligência emocional e mostrar que o estudo feito por Daniel Goleman, principalmente, nessa área enriquece, complementa e, na maioria das vezes, confirma o trabalho desenvolvido por Solange Thiers. Será enfocado o que foi observado dessa correlação no atendimento clínico de duas meninas e maior ênfase será dada à atenção interiorizada como protagonista para esse desenvolvimento.

 INTRODUÇÃO

No mundo atual, a complexidade dos estudos efetuados na área da neurociência vem cada vez mais demonstrando a plasticidade do nosso cérebro e o quanto ainda pode entender e aprender, para termos um desenvolvimento mais amplo e eficaz de nossas aptidões, e assim lidar melhor, mais tranquilamente, mais presentemente com as mais diversas situações do dia-a-dia, ajudando a evitar, muitas vezes, algumas doenças psicossomáticas, tão evidenciadas nos últimos anos como, por exemplo, o stress, a síndrome de pânico, alguns tipos de depressão entre outras, ou, simplesmente tornar a vida mais leve, mais interessante.

A inteligência emocional é a sabedoria, que nos permite conhecer e harmonizar os diversos tipos de inteligência e energia, de que cada um de nós dispõe como ser humano. A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers tem todo um estudo, experiência e ferramentas para proporcionar ao sujeito situações necessárias, favoráveis para refazer ou melhorar seu desenvolvimento intelectual, cognitivo, corporal e emocional.

O objetivo deste trabalho foi juntar um pouco do que se sabe da neurociência com o que a psicologia trabalha, usando a metodologia da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers como base e norte no atendimento clínico de duas meninas.

Grande parte dessa teoria se baseou nos estudos de Daniel Goleman. Eckart Tolle contribui também com seus livros, já que a atenção interiorizada se mostra elemento principal para que o objetivo seja alcançado.

Na prática, além do objetivo inicial ser constatado e usado, a contribuição de Juan David Nasio ainda se fez necessária, já que o Complexo de Édipo parecia predominar na maior parte de sessões.

Finalizando o trabalho, o desenvolvimento e progresso das meninas são pontuados fazendo uma correlação com toda a teoria estudada, mostrando o quanto o “estar presente” se faz importante. Pois, para encontrar o equilíbrio, o ser humano precisa vivenciar suas emoções de forma mais ampla e consciente, sem perder de vista a importância do raciocínio lógico.

O CASO CLÍNICO

O atendimento foi feito com duas meninas, E. de 10 anos e C. de 8 anos. As sessões eram de duas horas, duas vezes por semana no período de março a novembro de 2012.

E. de 10 anos

Os pais de E. foram chamados pela orientadora da escola. Disseram que E. tinha dificuldade de se expressar, que “dava branco” nas provas, chorava e não entendia as questões. As professoras de matemática e português pediram para trabalhar o seu emocional, para que se afirmasse mais e para que tivesse mais autoconfiança. Declaram que o sentimento de E. é de menos valia, pois se desorganiza, quando vê que todos os colegas estão terminando alguma atividade ou alguma avaliação. Assim, paralisa, não termina ou faz as tarefas de qualquer jeito.

Os pais de E. concordam e complementam dizendo, que se sente a última da turma (amigos tiram 10 e ela não), ao mesmo tempo afirmam, que em casa é tudo normal, ela canta, é faladeira e agita a casa inteira.

C. de 8 anos

Interessante que é exatamente o oposto da E. Da escola não há queixa. C. é perfeccionista, não quer ser mais ou menos. Gosta de fazer tudo certo. Se não tiver certeza de que vai dar conta de alguma atividade prefere nem fazer. Em casa fica muito irritada com o pai, quer tudo na hora, parece que nada a satisfaz. Quando quer muito um brinquedo e ganha fica um tempo extasiada, mas já volta à insatisfação. Sempre foi assim, até mesmo antes da irmã nascer. Ela é a filha mais velha.  Tira a mãe do sério. Presenciou muito as crises de pânico da mãe. Quando está só com o pai ou só com a mãe é mais calma. Quando os dois estão juntos tem muito ciúmes. Dorme muitas vezes com a mãe e o pai dorme na sua cama. Quando os pais discutem, ela chora muito depois

O ATENDIMENTO

 Após as entrevistas, foram feitas as avaliações, individualmente, em sessões de 1 hora com os desenhos do Walter Trinca. “O desenho vai desencadear emergências inconscientes vinculadas a figuras parentais, a medos arcaicos, a vivências edípicas, à reconstrução egóica como agentes facilitadores desses conteúdos”. (Thiers, 1998, pág. 31)

O que ficou mais evidente nestes desenhos foi o pouco investimento em detalhes de E., apesar de ser 2 anos mais velha, ao contrário de C. que se esmerou em detalhar rostos e roupas. E. executa sem muito analisar e nem planejar e deixa claro a diferença nas cores escolhidas para desenhar o cabelo das pessoas. Justamente pela cor do cabelo soube que, ela se desenhou primeiro, em seguida a figura masculina (o pai) e depois outras duas figuras femininas (a mãe e a irmã mais velha). C. demorava mais, pensando e analisando para depois começar a desenhar.

Nas atividades livres, de início, E. se sentir mais a vontade que C., mas nos trabalhos corporais ocorreu o inverso. C. que se apresenta mais confiante em seguir os comandos. Realmente aproveitava e relaxava. E. nas últimas sessões, visualmente, dificilmente conseguia se entregar e se aquietar. Exceto, quando o trabalho corporal era realizado com água. Ela verbalizava sempre situações de férias ou brincadeiras em piscinas e tobogãs. Nesses momentos falava bastante e tinha uma expressão muito feliz no rosto.

Em um trabalho de psicomotricidade diferenciada, quando apareceu pela primeira vez “os famosos quadradinhos”, E. já apresentou um olhar apavorado e não escutou o que era para ser feito, Somente quando foi repetida a proposta, conseguiu realizar. C. terminou antes e com bastante perfeição. Isso deixou E. bem chateada. Verbalizou: como poderia repetir alguma proposta todas as vezes que ficasse brava? Isso a lembrava as aulas de matemática. Propõe-se então que fizesse um desenho de alguém ensinando e alguém aprendendo. E. aperta muito o lápis vermelho enquanto pintava a menina que dizia ser ela : “Quanto mais aperto, mais rápido eu faço”, dizia. Pediu borracha algumas vezes e falava o tempo todo em lanche, gostaria de tomar Nescau. Essa situação passou a se repetir principalmente nas atividades de cópia. Quando percebia que errava, E. relutava em trocar o lápis e muitas vezes deixava a mão amolecer ou forçava demais, sempre com o olho já avermelhado. Parece que paralisa e entra numa cegueira de fúria. Exatamente assim acontecia nas mais variadas situações na escola, principalmente nas provas ou quando alguém ria dela.

Na cópia da melancia, As duas logo tiveram que pegar a cor vermelha. Quando E. teve que pegar a cor azul disse que a mão ficou mole, “perdi a força” – disse, e quis segurar o lápis com força. Propõe-se que segure normalmente, mas ela não consegue fazer um traço bom. A conversa, na verbalização, foca em como ela pode comandar em sua mão e de que, se não consegue enxergar como continuar, às vezes, é melhor começar por outro lado, mudar o foco. Conseguiu fazer tudo certinho depois, mas com o mesmo olhar avermelhado e bravo. C. em todas essas situações observava bastante e quando era convocada para falar sempre dizia: “E. você sabe fazer! Veja! Parece que não enxerga, mas sabe fazer.”

No conjunto de cópia, as ferramentas podem mobilizar a agressividade ou aspectos fálicos, vinculados à fase pré-edipiana. (CR, pág. 113) Na cópia do Martelo, E. logo reclamou do tamanho do papel e perguntou se estava certo. Errou. Quando viu que teria que trocar o lápis, começou a chorar. Disse que se sente assim na sala de aula, nas aulas de matemática, mas não sabe por quê. Conversamos. Quando pergunto se gostaram do martelo, os olhos da E. clarearam. ”Nossa, um martelo? Achei que era um barco visto de perfil!” C. achou que era uma árvore. As duas riram.

Segundo Thiers (1998) “copiar é a ação que leva à procura do outro para identificar-se”.  

A relação da identificação com o Complexo de Édipo se dá porque a criança precisa identificar-se com a figura parental do mesmo sexo, desinvestir da outra e procurar, por deslocamento, um novo parceiro para a satisfação de seus desejos.

A incorporação, a introjeção e a identificação são processos psíquicos que aparecem quando, na construção do setting Ramain-Thiers, e aparecem nos momentos das propostas de cópia ou decalque, quando se tem um modelo e se busca ser igual a este modelo. Muitas vezes, as questões de agressividade surgem porque para ela é muito difícil buscar a identificação com aquela figura parental e, então, os erros são mais frequentes, como marcas de um referencial inconsciente que é mobilizado. (CR-04, Cópia, pág.113) 

Na identificação pré-edipiana, portanto, há a necessidade de procurar ser igual à mãe para conquistar e ter o pai. Isso ficava bem evidente nos desenhos livres da E., quando desenhava primeiro o pai, depois a si mesma e quando desenhava a mãe, caprichava em detalhes. Dava bastante ênfase aos cabelos escuros e cacheadas da mãe, em contrapartida com os seus, que eram louros e lisos. Este parecia ser um ponto chave a ser trabalhado tanto para C., quanto para E. C. ainda estava tendo seus ataques de fúria em casa e crises de ciúmes quando os pais estavam juntos.  A mãe dela havia novamente comentado sobre esses ataques em casa, principalmente com o pai.  C. não suportava quando o pai chegava perto da mãe e ele, também, muitas vezes se comportava como irmão da C. Ambos disputando a atenção da mãe. Mas a mãe de C. colaborava permitindo que a C. e a irmã dormissem com ela na cama e o pai dormia no quarto das meninas. Pedi para a mãe rever isso e ela me informou que havia procurado uma psicóloga que havia orientado a mesma coisa. A mãe passou então a fazer terapia para melhorar sua situação com o marido e isto iria contribuir muito para a evolução da C. nas sessões de Ramain-Thiers. O curioso que C. em nenhuma proposta, ou situação, ou verbalização demonstrou um pouco sequer deste sentimento dela ou dos fatos que a mãe relatava acontecer em casa. Percebia-se realmente, na execução das tarefas que ela era bem metódica, detalhista e por isso bem controlada. O medo que a mãe na anamnese havia confessado, de que C. não se comportasse na frente das outras pessoas falava mais forte em todas as sessões. Como na escola, em nenhuma sessão ela se descontrolou. Isso era comprovado nas propostas que exigiam precisão. Era muito perfeccionista, ponderava muito antes de executar. Novamente, o oposto de E. que muitas vezes agia sem programar, planejar e depois se arrependia.

Explosões emocionais são o que Daniel Goleman,(1995) explica, em seu livro Inteligência Emocional, como sendo sequestros neurais. Segundo ele, quando um sentimento impulsivo domina a razão, é o papel da amígdala cortical que se mostra crucial. Por isso, ele a chama de sentinela emocional, capaz de assumir o controle do cérebro. É aí que todo o trabalho realizado com a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers pode ajudar.

Assim o processo terapêutico passou a focalizar, nas propostas corporais principalmente, o tônus, a respiração, para ajudá-las a entrar em contato consigo mesmas, buscar a atenção interiorizada segundo Solange Thiers, ou buscar o poder do agora segundo Eckhart Tolle ou, ainda, estarem mais autoconscientes, segundo Daniel Goleman. 

Os psicólogos falam de metacognição – um termo um pouco pesado – para referirem-se à consciência do processo de pensar, e metaestado de espírito para a consciência de nossas emoções. Eu prefiro o termo autoconsciência, no sentido de permanente atenção ao que estamos sentindo internamente. Nessa consciência auto-reflexiva, a mente observa e investiga o que está sendo vivenciado, incluindo as emoções. (GOLEMAN, 1995, pág. 60) 

Em uma sessão seguinte E. na verbalização contou que tentou fazer a “respiração” durante a prova na escola, ou seja, respirar 3 vezes lentamente, prestar atenção em si para se acalmar e tentar lembrar o que havia estudado, mas não adiantou porque não conseguiu terminar a avaliação e daí teve de concluí-la no dia seguinte. E. precisava muito perceber quando ela “travava”, porque estancava com determinadas atividades e tentar descobrir a razão disso.

Todo sentir começa com o sentido de si próprio, isto é, do próprio corpo. Assim a pessoa percebe o que está acontecendo no ambiente, à medida que o ambiente exerce influencia sobre os sentidos. ...O Trabalho Corporal nas Técnicas Ramain-Thiers levará o indivíduo inevitavelmente a “sentir” e entrar em contato com os próprios sentimentos, na busca de uma atenção voltada para si mesmo, seu corpo, que requer um longo caminho de trabalho pessoal, de jornada interior e consciência corporal. (THIERS, 1998, pág. 85) 

C. precisava perceber o momento, que começava a ficar furiosa, quando via o pai e mãe ficarem juntos e entender o lugar do pai e entender o seu lugar. Ela tinha consciência de que não era certo ela dormir com a mãe. Faltava mãe e pai terem essa consciência também. 

O Édipo feminino culmina no momento em que a menina, já tendo feito a experiência da separação da mãe, está preparada para desejar o pai, renunciar-lhe, introjetar os traços de sua pessoa e seus valores, e, finalmente, substituí-lo, uma vez jovem mulher, por um parceiro masculino. (NASIO, 2007, pág. 87) 

Certo dia numa proposta do CR-18 - Estória Contada, justamente por este conjunto favorecer a projeção das crianças e identificação com os personagens da estória, foi lido o livro NARIZ VERDE de Max Lucado. (Em suma: Deus fez cada um diferente e para ele cada um é especial). Esse era o segundo livro desse autor lido, já que em uma das primeiras propostas de Estória Contada, já havíamos lido VOCÊ É ESPECIAL e as meninas haviam gostado e verbalizado muito. Foi pedido que desenhassem a estória em seguida. Depois de concluir o desenho, E. diz: “Ah, por isso que não tem borracha aqui. Você gosta da gente como a gente é!” “Isso, você é especial!”, respondi. “Não, não sou. Eu não sei a tabuada.” - retrucou E. para não receber o elogio. Parece que ela sempre tinha que ativar seus mecanismos de defesa quando começava a ter avanços. Volta e meia perguntava por que de tantas perguntas: “Por que você sempre pergunta “Por que”? Às vezes a gente não sabe o que falar!”. Questionava bastante tudo que era apresentado e pedido, quase sempre como uma afronta. Passou a se comportar assim em casa, segundo uma queixa da mãe. Nos trabalhos corporais se entregavam bem menos que a C.. Parece que não tinha confiança suficiente no que estava sendo feito.

Solange Thiers, (1998) em seu texto O Processo Criativo e a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers declara: “A psicomotricidade diferenciada não permite fugas ao indivíduo. [...] O mecanismo de negação surge muitas vezes para proteger o “não poder ver” tudo que é doloroso demais para ser exposto [...].

”Pensando em otimizar e aperfeiçoar mais as sessões para E., tentando talvez refazer o vínculo novamente, resolvi fazer numa sessão seguinte uma proposta do CR17-09 (Anal-Fálica) – Artes (trenzinho). Escolhi esta para tentar ver se a E. perderia a aversão pelos quadradinhos, já que é de quadradinhos de 2 cm. Ampliava sua visão. Logo de início não gostou de ver, mas quando viu que a proposta seria uma “arte” se animou mais. C. logo disse: “Nossa um trenzinho. Legal!” Optei por usar canudinhos no lugar de sisal e pedi que fizessem bolinhas de crepon no lugar dos botões. O canudo deu mais confiança para E. Por ser mais “firme” que o sisal, auxiliou-a a se estruturar, “enxergar” e não perder o controle. Assim fez tudo certinho desde o início. Conseguiu observar melhor a quantidade de quadrados, onde ficavam as diagonais e quando errava, percebia sozinha e já corrigia, pois a cola permitia isso. Fazer bolinhas de papel de crepon, a ajudava trabalhar o tônus também. Dessa vez E. adorou o trabalho, as duas tagarelavam o tempo todo. Chamei a atenção da E. para o fato de, dessa vez, ela não havia ficado brava e ela disse que estava brava, mas falou sorrindo, tirando sarro. Aí lembrou que até já tinha melhorado na tabuada, já tinha tirado um 7 (porque no começo do ano ela havia tirado zero) e que por isso sua mãe a deixaria fazer aulas de natação.

Nas sessões seguintes procurei usar sempre que possível o decalque em algumas propostas, mesmo que a proposta não pedisse, para ajudar na estruturação e identificação, principalmente da E. Isso foi proporcionando mais tranquilidade inclusive no conjunto de sinuosas, que normalmente provoca o oposto. E. começou a lidar melhor com o erro, e C. a se permitir errar de vez em quando também. Na finalização de uma proposta do Conjunto Socius, na verbalização sobre um painel, do que elas acham justo e injusto, fui surpreendida com a concordância das duas em afirmarem: Justo é que Ramain-Thiers ajuda a gente perder a vergonha!

O uso do lápis de cor no lugar da borracha e do duréx nos recortes e da colagem em algumas propostas, faz a pessoa se deparar com aquilo, que ela mais quer esconder: seus próprios erros. E, assumir uma situação de erro não significa necessariamente um fim, mas pode ser o início de um novo caminho. Justamente esta é a função da troca de lápis, da colagem em Ramain-Thiers, de que, mesmo o erro estando ali, não podendo ser totalmente apagado, sempre há uma chance de haver reparação. De tudo que foi trabalhado nas sessões, é bem possível que E. e C. saíram com essa certeza.  

O indivíduo passa pelo fazer, sente-se mais produtivo e tem a oportunidade de reparar as questões danificadas no seu trabalho prático, na vida pessoal, passando a ter uma maior conscientização de seu próprio corpo, que sentido e vivido descobre formas de crescer, amadurecer, ser adulto, ser produtivo, ser social, com condições de viver coletivamente. (THIERS, 2009, pág. 226) 

Na reunião de encerramento dos atendimentos de 2012 os pais de C. se mostraram bastante contentes com o desenvolvimento dela, mas cientes de que ainda havia muito a ser melhorado. Contavam com a possibilidade de dar continuidade no ano seguinte. Com os pais de E. foi um pouco diferente. Só a mãe compareceu dizendo que o pai não tinha tempo. Começou falando que percebeu uma melhora da E. na escola e que em casa, apesar de ela responder mais, agora a mãe sabia o que ela andava pensando. A mãe se dava por satisfeita por ter conseguido trazê-la até o final de ano já que o pai, para minha surpresa, nunca acreditou em nenhum trabalho terapêutico, incluindo esse. Talvez isso explique um pouco a resistência que E. teve em diversos momentos. 

 CONCLUSÃO 

Enfim, de alguma forma, a diversidade do material, a postura do terapeuta adequando as sessões e lendo a expressão que surge, a mobilização proporcionada pelo trabalho corporal e a importância dada aos momentos de verbalização, diminuíram ao menos um pouco as resistências de E. e ampliaram nela a consciência do desejo, a autoestima e, principalmente, melhoraram a sua auto percepção. Nas últimas sessões isso foi ficando bem claro quando acontecia de ela estancar novamente diante de uma atividade e mesmo ainda brava percebia e procurava dar continuidade por outro lado, mudando o foco de atenção e consequentemente conseguindo assim finalizar a tarefa. Em alguns outros momentos, através de sua própria verbalização, E. também demonstrou estar ciente de sua evolução quando contava já estar melhorando na tabuada, quando dizia que sabia que no Ramain-Thiers na tinha borracha porque ali ela era especial (não no sentido de se sentir melhor que alguém, mas sim valorizada pelo que consegue produzir) ou quando afirmava que o atendimento ajudava a perder a vergonha.

O progresso de C. foi mais sutil, mas bem perceptível quando começou a se sentir mais a vontade nas situações em que errava e os ataques de brabeza, ciúmes que tinha com os pais também haviam diminuído. Passou também a frequentar mais a casa das amigas, coisa que antes acontecia raras vezes.  Conseguiu perceber que sair um pouco daquele enquadramento mãe - pai – filha também pode ser seguro e interessante.

Ficou realmente constatado no atendimento que a metodologia Ramain-Thiers proporciona situações em que o indivíduo se depara com seus limites, seus erros, mas ao mesmo tempo mostra que a oportunidade de correção, de rever o que foi feito, de continuar sob outro enfoque sempre é possível. O recomeçar sempre é possível. Muitas vezes é só trocar a cor do lápis ou usar um pequeno pedaço de duréx. Mesmo que no final o erro ainda esteja lá, a oportunidade de reparação se sobressai fortalecendo, acalmando, clareando. O privilégio, sim, é um privilégio que ainda precisa ser aprendido por muitos, de poder prestar atenção em si, parar por um breve instante, entender o que se está sentindo, perceber o que ocasionou cada sentimento é fundamental para o início de um bom desenvolvimento da inteligência emocional. Portanto, a atenção interiorizada, tanto falada por Simonne Ramain, é peça chave de tudo isso. Estar atento, mais presente, consciente.

A sabedoria das emoções é parte decisiva da revolução cultural que nos leva à sociedade do século 21, porque ajuda a unir teoria e prática na mente e no coração. Espera-se que cada vez mais as pessoas se esforcem na sua senda evolutiva para crescer e lapidar-se interiormente. Pessoas com qualidades e defeitos, muito mais compreensivas em relação às suas próprias particularidades do que em relação às características dos outros. Até chegarmos ao ponto coerente e desejável sintetizado há cerca de dois mil anos – o “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”- , pais, mães, maridos, esposas, filhos, filhas, namorados, namoradas, professores, professoras, amigos e amigas continuarão colaborando em nosso aprendizado. Um aprendizado que a inteligência emocional vem facilitar muito e a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers pode ser meio para isso. 

REFERÊNCIAS 

DOLTO, Françoise, J-D. Nasio. A Criança do Espelho. Tradução André Telles; revisão técnica Marco Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

GOLEMAN, Daniel. A Arte da Meditação. Tradução de Domingos DeMasi. Rio de Janeiro: Sextante, 2005

GOLEMAN, Daniel, Ph. D. Inteligência Emocional: A Teoria Revolucionária que Redefine o que é Ser Inteligente. 72º Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

GOTTMAN, John, Ph. D e Joan DeClair. Inteligência Emocional e a Arte de Educar Nossos Filhos: como aplicar os conceitos revolucionários da inteligência emocional para uma compreensão da relação entre pais e filhos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

NASIO, Juan-David. Édipo: O Complexo pelo qual Nenhuma Criança Escapa. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

THIERS, Solange e col. Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e social. 2ª Ed. Ver. e atual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

THIERS, Solange e Elaine (organizadoras). A Essência dos Vínculos. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 2001.

THIERS, Solange e Ana Cristina Geraldi (organizadoras). Corpo e afeto: reflexões em Ramain-Thiers. Rio de Janeiro: Walk Ed., 2009.

TOLLE, Eckhart. O despertar de uma nova consciência. Trad. Henrique Monteiro. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.

TOLLE, Eckhart. O poder do agora – um guia para a iluminação espiritual. Trad. Iva Sofia Gonçalves Lima. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

 

COLEÇÃO
RAMAIN-THIERS

Leia o livro digital que você deseja
------------------------------------------------

------------------------------------------------
Volume I
Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
------------------------------------------------
Volume II
A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
------------------------------------------------

Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

------------------------------------------------
Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Página melhor vizualizada em 1024 x 768 px
Envie esta página por e-mail