Vol. VII: Vitrais 74 - mai 2014
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. VII: Vitrais 74

                        mai 2014

 

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Artigos

Eleide Lopes Felix

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Artigo

 

Ramain-Thiers na ciranda do relacionamento conjugal

Eleide Lopes Félix

 Eleide Lopes Félix

Psicóloga. Psicoterapeuta. Sociopsicomotricista Ramain-Thiers. Especialista em Psicodiagnóstico de Rorschach. Terapeuta de Formação em Campo Grande, MS.

 

Introdução:

O trabalho de aplicação da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers na terapia com casais teve início em 2008, na Clinica Logus, em Campo Grande, MS. Inicialmente foi realizado na modalidade de trabalho de grupo, com experimentação de propostas retiradas dos Orientadores Ramain-Thiers.Resultados positivos advindos dessa experiência deram início a um novo trabalho que atualmente é oferecido aos casais que buscam atendimento na clínica.

Geralmente a busca pela psicoterapia conjugal vem pautada na necessidade de umamelhor compreensão da relação, os casais buscam uma escuta profissional que façauma leitura isenta dos conflitos que permeiam os relacionamentos, auxiliando o casal para, a partir disso, vivenciar o relacionamento de modo mais harmonioso.

Por ser uma metodologia que possibilita o trabalho grupal, onde cada indivíduo é convidado a uma ação, que é a proposta de psicomotricidade diferenciada, Ramain-Thiers foi escolhida para ser utilizada no trabalho. Ao elaborar a proposta, cada indivíduo entra em contato comas próprias dificuldades, pois essas ficam mais evidentes, necessitando assumir frente ao grupo seuspróprios limites, percebendo-se de modo mais consciente, partindo para o aprendizado de formas de ação mais amadurecidas emocionalmente.

Com o casal acontece da mesma forma, cada um realiza sua parte da proposta e diante dela, torna-seautor, expectador e colaborador no trabalho do outro. Observamos situações em que um parceiro tenta controlar a ação do outro, outras vezes permanece na espera do tempo do outro. Na proposta de psicomotricidade diferenciada acontece essa revivência de situações de vida diária, sendo que, aocolocar em evidência as dificuldades de cada um, possibilita mudanças no modo de reagir diante das diferenças do outro.  Ao viver a proposta Ramain-Thiers, então, o casal poderá: conhecer, avaliar e modificar o próprio comportamento aceitando o modo de ser do outro no relacionamento conjugal.

Assim sendo, demonstrar as possibilidades de aplicação da metodologia Ramain-Thiers no V Congresso Brasileiro da Metodologia tem como principal objetivo reafirmar a eficácia da proposta de psicomotricidade diferenciada como objeto intermediário no processo psicoterápico, atuando como facilitadora da emergência de conflitos inconscientes que permeiam os relacionamentos e resultam em sofrimento emocional dos indivíduos na inter-relação.

Buscamos ainda, neste curso, fornecer um embasamento teórico referente às diferenças de gênero resultantes de diferenças no desenvolvimento do psiquismo masculino e feminino, bem como os conceitos de amor que transitam o imaginário de cada um e aí estão por força de questões até antropológicas. Este conhecimento é importante, pois tais fatores influenciam a vida emocional dos indivíduos que se conjugam.

 

 Sobre o amor e sua história...

Na história da humanidade, tanto as relações amorosas quanto as grandes histórias de amor têm um lugar de grande importância. Inicialmente, se algum acontecimento não tivesse uma explicação lógica (o amor é um desses temas), os mitos eram utilizados como forma de explicá-lo. Os mitos são de origem grega e romana e possuem,além de um caráter explicativo, a força simbólicaque influencia o desenvolvimento do ocidente.

Para falarmos de relação amorosa destacamos três mitos: o de narciso, o discurso de Aristófanes em O Banquete e o discurso de Sócrates, também neste diálogo de Platão.

O mito de Narciso ilustra o risco do narcisismo. Todos nós temos um grau razoável de amor próprio, mas perder a medida deste amor torna o narcisista incapaz de amar alguém além dele mesmo. O amor do narcisista acaba nele mesmo, como no mito. O engano de Narciso foi justamente a escolha errada do seu objeto de amor. Escolheu a si próprio e morreu nesse amor infrutífero, se perdendo justamente no momento em que se encontrou.

Em O Banquete, Platão transcreve o discurso de Aristófanes, sobre a natureza do homem e suas vicissitudes, e sobre a natureza do amor em si. Neste mito em que as criaturas têm seus corpos divididos em duas partes, Aristófanes fala da falta que o homem sente da sua outra metade e da necessidade de se restaurar esta parte perdida.

O último mito relatado no Banquete, o contado por Sócrates, fala sobre o amor e o seu tão grande poder exercido sobre nós. Sócrates não reprovava o amor pelo corpo, mas achava que era um tipo de amor inferior. Segundo ele, o amor ideal e mais belo era o que ligava deuses e homens. O filósofo, assim, fala deste amor contando a história de Eros, filho da Pobreza e do Recurso, que vive em busca do que lhe falta, a beleza.

Os dois primeiros mitos relatados são sobre a busca de uma unidade perdida, sobre a vontade de ser inteiro mais uma vez. Já Sócrates narra um mito sobre a busca de um elemento inédito a Eros, algo que nunca teve e provavelmente nunca terá.

Freud utilizou o mito de Narciso para elaborar um modo particular de relação do sujeito com a sexualidade. É importante ressaltar que, aqui, a sexualidade deve ser entendida como qualquer atividade que dá prazer e que não necessariamente está ligada à sexualidade tal como o senso comum a concebe.

Na psicanálise, a energia sexual é chamada libido e esta pode ser narcísica, quando direcionada ao próprio sujeito, ou pode ser objetal, direcionada ao outro. Ao longo do seu desenvolvimento, o sujeito passa por diferentes estados narcísicos: no primeiro deles, o de auto-erotismo, o bebê busca sua satisfação através de um único órgão sensorial: a boca. No segundo momento, o estado espelho, o bebê, em torno de 7 meses, ao ser posto na frente do espelho no colo da sua mãe ou de quem a cuida, se reconhece e se constitui através do olhar deste outro. O terceiro estado, finalmente, se dá quando o eu já está constituído e o sujeito passa a investir no outro.

O ser humano passa a vida tentando reencontrar o primeiro objeto de prazer, numa busca compulsiva de satisfação. A busca do amor simbólico, segundo os psicanalistas, é uma ilusão.

A escolha amorosa dos homens e mulheres, então, é um dos mecanismos usados para reviver o prazer de outrora. Tudo a nível inconsciente, escondido no psiquismo humano. Segundo Freud, o objetivo da escolha amorosa é voltar a ter a sensação de ser um só, a simbiose total, de se reconhecer no outro. Tal simbiose é alcançada na paixão, quando as duas identidades se misturam, a pessoa se vê no outro e essa fusão pode anular a individualidade. Não há como viver assim. No casamento não são raras as situações em que os parceiros esperam viver a paixão indefinidamente.

As crises no casamento ocorrem no momento em que um dos cônjuges se dá conta de que o outro é diferente de si mesmo, de que o outro não será capaz de acabar com sua sensação de desamparo, que o outro não é fonte incessante de satisfação.

Essa descoberta, apesar de ser fonte de dor, poderá promover crescimento emocional, dependendo do desejo do indivíduo. Após a crise, nada mais poderá ser como antes...

Deduz-se, assim, que, se o sujeito não cresce emocionalmente, evoluindo do amor narcísico passando pelo estágio de espelho e constituindo-se como sujeito capaz de investir no outro, dificilmente poderá amar de forma recíproca, com um amor feito de trocas, capaz de suportar as faltas que o outro naturalmente apresentará no decorrer do relacionamento.

 

 “Na vida, só se pode compartilhar quando, elaboradas as perdas, se criam vínculos... vínculos afetivos, ideativos... morais e filosóficos. A estes vínculos eu chamo de engajamento. Engajamento exige renúncia a posturas narcisistas alienantes da realidade, mobiliza a necessidade de compromisso, de respeito mútuo e solidariedade social.” (THIERS, 1998, p. 309).

 

Na rotina da clínica, tanto na terapia individual quanto de casais, o que vemos são indivíduos com esse tipo de queixas, de que espera demais do outro, das faltas que o outro comete na relação com ele. São histórias de relações entre indivíduos com referências parentais que não corresponderam aos desejos, resultando em permanência de sentimentos de angústia, na espera de realizações através do outro, que lhe complemente essas faltas nos relacionamentos.

 São histórias de não aceitação de perdas, de fragilidade e sensação de impotência diante da vida, da percepção dessas faltas primárias, que muitas vezes não podem ser reparadas por estarem projetadas em outros indivíduos, também fragilizados, e que não poderão corresponder a contento.

Sobre o casamento:

Através dos tempos, o casamento vem adquirindo sentidos diferenciados. Até o século 19, não vinha à cabeça do homem nem da mulher procurar a felicidade no casamento.

 “Casavam-se porque isso fazia parte da necessidade social, e se acontecia de não serem demasiado infelizes era ordem do acaso.” (MELMAN, Charles,In CALLIGARIS,  1999, p.81)

Hoje, diferentemente, todo casamento tem como primeiro objetivo de cada indivíduo: ser amado e ser feliz.

“Nossa conjugalidade é sempre um ménage-à-trois, por ser uma relação onde a insatisfação é convidada a ser sublimada, já que, mais frequentemente, é preciso educar as crianças, continuar a cadeia de gerações ou às vezes, por razões sociais, o homem e a mulher se resignam e suportam essa insatisfação.” (MELMAN, 1999.).

O real do casamento, então, é conviver com a insatisfação de não ter as expectativas de felicidade realizadas. Relacionado com as faltas ou frustrações, podemos pensar que elas representam fatores que nos impulsionam para o crescimento emocional. Nossa mãe, suficientemente boa, não nos preencherá plenamente. Para nosso crescimento emocional será necessário sairmos da dependência, estabelecendo um desejo e buscar satisfação. E ainda assim, ao realizarmos nosso desejo, provavelmente partiremos para mais uma busca de realização, e assim infinitamente, num constante crescimento.

Por outro lado, há que se buscar um equilíbrio, entre o real e a fantasia. Fantasiar é colocar a graça de viver nos relacionamentos. Projetar no outro nossos aspectos positivos de afeto, o aprendizado de colocar-se no lugar do outro, como forma de equilibrar os desejos de dar e receber, propiciando um ciclo mais harmonioso no relacionamento.

Assim como hoje a busca pela terapia conjugal está mais frequente, as decisões por terminar o relacionamento também são opções mais vistas no meio social. O papel do terapeuta é colaborar para que a decisão tomada seja a melhor para as duas partes, de modo que se possam reestruturar posteriormente relações familiares que possibilitem novos e melhores tipos de realização emocional.

 

A história do casamento de Freud e correlações com sua obra sobre o relacionamento.

 

Relatar uma parte da história do casamento de Sigmund Freud, o precursor da psicanálise tornou-se oportuno, pois nos permite o conhecimento de questões do relacionamento vivenciado por ele que se vincularam aos conceitos teóricos que formularia mais tarde.

O romance entre Freud e Martha Bernays foi registrado em mais de 900 cartas, em parte recuperadas e organizadas pelo filho Ernst. Freud encontra Martha aos 26 anos e viveu um autêntico amor à primeira vista, intensamente apaixonado, entre o primeiro encontro e o noivado foram dois meses. Em quatro anos e três meses de noivado, ficaram separados três anos, o que justifica a forma de comunicação descrita.

Uma das primeiras deduções de Freud sobre o amor é que ele consiste no ideal do ego, ou seja, o enamorar é essencialmente narcísico, quando escreveu sua Introdução ao narcisismo, texto de 1914, propõe o amor objetal e o narcísico, assinalando a busca da imortalidade do eu através de uma completude ilusória, efemeramente conseguida pelos apaixonados.

Escreveu para Martha: “Sou realmente meia pessoa no sentido da velha fábula platônica que você certamente conhece, e desde o momento em que não estou em atividade meu corte dói”.(BUENO, 1994, p. 42).

No texto sobre o Narcisismo, conceitua-se a auto-estima como a expressão de magnitude do eu, com ligação com a libido narcísica. Ser amado, então, constitui-se o fim e a satisfação na escolha narcisista de objeto, uma intensificação da auto-estima, enquanto que amar produz um esvaziamento. O ser falante cria uma imagem ideal, tanto de si como de seu objeto amoroso, que vem justamente completar o que falta ao eu para chegar a esse ideal sonhado. Por isso é dito que se ama no outro a própria carência. (BUENO, 1994, p. 43).

Freud, porém, não se mantém assim, primitivamente narcisista, passa a se reconhecer e ter Martha como suporte e referência para seu trabalho. Diz: “Fiquei encantado ao saber que você tem tantas ambições por mim, minha doce menina: a princípio eu não as tinha...Você me dá não apenas ideal e sentido, mas também tanta felicidade que não posso estar insatisfeito com o presente sob outros aspectos algo infeliz; você me dá esperança e certeza de sucesso.”

As ideias de Freud sobre os movimentos de emancipação feminina eram claras, tendo criticado o pensamento de John Stuart Mill, pela falta de senso do filósofo em não reconhecer a diferença entre homem e mulher,coloca-se em relação ao complexo de Édipo e a consequente diferença na escolha do objeto, sendo que, a partir daí é que é moldado o caráter da mulher como ser social. O precursor da Psicanálise refere-se à escolha do objeto amoroso como uma substituição do objeto de desejo personificado originalmente na mãe:“muitas mulheres escolhem seu marido de acordo com o modelo do pai ou o colocam no lugar deste; mas, no matrimônio, repetem com esse marido a má relação com a mãe.” 1936, Sobre a sexualidade feminina.

Ou: “o matrimônio mesmo não fica garantido até que a mulher tenha conseguido fazer de seu marido seu filho e atuar com ele como mãe.” 1937, sobre a Feminilidade.

E assim foi, Freud vivenciando seu laço conjugal com Martha como um fim sonhado em que nada poderia separá-los, sem iludir-se quanto à paixão vulnerável, descreve um ideal conjugal, de cumplicidade e esperança de complementaridade:

“Não temos a intenção de partilhar o prazer doloroso de paixões agitadas, temos um objetivo prático: viver e trabalhar juntos numa união íntima à deux e um pouco mais livre com outros casais e sentimo-nos com o direito de dispensar tudo o que consideramos inútil para esse fim.”

“Aceitamos uma missão difícil e para cumpri-la devemos apoiar e emendar um ao outro. Palavras de amor apenas não podem realizar isso; viver juntos não significa esconder coisas desagradáveis de outro ou passar por cima delas; ajudar o outro significa partilhar tudo que se nos depara.”

Vivenciaram os dois, Freud e Martha, um modelo de casamento indissolúvel, onde ela, enquanto personagem real foi esposa, companheira de vida e mãe de seus filhos. Para Freud, ela representou ainda uma criação, uma figura de discurso, um ideal de união complementar que permeava os motivos que impulsionaram sua obra. O casamento teve sua marca inicial em 14 de setembro de 1886 e eles viveram juntos até o fim da vida.

  

Casal Freud jovem                                      Casal Freud idoso

As questões relacionadas com a comunicação no relacionamento conjugal podem estar associadas a diferenças básicas entre homem e mulher.

Solange Thiers, em seu escrito sobre “A compreensão do sujeito psíquico pela abordagem psicanalítica”, texto integrante do Orientador CR, faz a leitura de Freud no que se refere às diferenças na vivência edipiana no menino e na menina. A formulação de Freud coloca no centro do complexo de Édipo o complexo da castração. Para o menino, acontece vivência da angústia da castração em função da ameaça paterna à sua sexualidade. Para a menina a castração é vista como um fato consumado, não entendendo a falta do pênis como uma diferença de caráter sexual. Assim, a menina não vive o temor da castração, vive mais o Édipo como uma ameaça da perda de amor.

“É uma grande batalha, a do homem, para constituir-se como homem, pois o primeiro dever dele desde que nasce é não ser uma mulher. Para os meninos, separação e individuação acham-se vinculados a identidade de gênero, visto que a separação da mãe é essencial para o desenvolvimento da masculinidade. A masculinidade se define através da separação, enquanto a feminilidade através do apego, a identidade de gênero masculina é ameaçada pela intimidade, ao passo que a identidade feminina é ameaçada pela separação.” (GRANATO, Rita, 2008).

“o senso de identidade do homem baseia-se principalmente na realização de objetivos econômicos e sociais, mais do que nas relações pessoais e, por isso, dar aos outros não é parte importante de sua auto-imagem, como é para as mulheres. Embora interessados em serem maridos e pais, a confirmação de sua masculinidade vem, sobretudo, do papel que desempenha fora da família e de sua posição de liderança. Comumente, o sucesso no mundo do trabalho exige repressão dos sentimentos, capacidade de dominar paixões e fraquezas e de desenvolver um comportamento controlado e preciso. Isso frequentemente leva a eliminar amplas áreas de sensibilidade e a inibir a resposta às necessidades do outro.” (ANDOLFI, 2002).

Torna-se muito difícil ignorar a influência de tais diferenças no relacionamento dos casais. As desigualdades entre homem e mulher repercutem de modo importante. A mulher desenvolve modelos de comunicação indiretos, como explosões de raiva, choro, dissimulação, ou mesmo apresenta sintomas. O homem fica muitas vezes confuso, sentindo-se incapaz de responder adequadamente a essa emotividade. A mulher muitas vezes requer uma maior proximidade e como resposta o homem se distancia pela dificuldade de compreensão. Podemos considerar isso como resultado do aprendizado, dacultura, muito mais do que fenômeno patológico. Permanecer atento, portanto, possibilita maior acesso do terapeuta à história de sofrimento do casal.

 

Ramain-Thiers- propostas utilizadas na terapia de casal

Ramain-Thiers apresenta pressupostos básicos para aplicação de propostas de psicomotricidade diferenciada em nossa formação como sociopsicomotricistas, o que nos permite uma aplicabilidade nos diversos enfoques que a demanda da clínica psicológica apresenta.

O elementarem Ramain-Thiers é o enfrentamento do erro, o reconhecimento da falha, o assumir a responsabilidade pela própria ação, que leva cada indivíduo a uma atitude de crescimento e aceitação do outro.

Na terapia com casais não acontece diferente.

O casal é convidado a uma ação, que é a elaboração de uma proposta de psicomotricidade diferenciada, que promove uma necessidade de negociação na busca de realizar o que pede a proposta, provocando o diálogo entre eles, o que muitas vezes já não ocorre no dia a dia.

A leitura terapêutica é feita conforme a verbalização observada após o trabalho, os embates que acontecem durante a realização costumam render conteúdos esclarecedores referentes à dinâmica do relacionamento. No momento da verbalização do casal e da clarificação por parte do terapeuta, pode acontecer o que poderia ser chamado de uma tradução do que um diz para o outro, pois, às vezes, cada um está tão absorto em seu ego que não consegue ouvir o parceiro, mesmo durante a tarefa proposta. 

Características das propostas de psicomotricidade diferenciada que podemos escolher para aplicar:

a)    Propostas que possibilitem encaixes;

b)    Que possuam um nível médio de dificuldade;

c)    Que permitam o trabalho em dupla;

d)    Que requeiram negociação;

e)    Que estimulem consenso nas escolhas de material;

f)     Que estimulem a criatividade.

Propostas utilizadas até o momento:

Orientador E: Conj.05/07, As folhas entrelaçadas; Conj.16/11, A moldura decorada; Conj.08/9, Caleidoscópio.

  

Orientador E, conj.5/7 As folhas entrelaçadas

Cada um deve copiar a folha no papel quadriculado, depois recorta o contorno e, dando picos nos traçados internos da folha, possibilitar o encaixe das duas folhas. O encaixe será possível quanto mais comunicação existir entre o casal, a proposta trabalha a necessidade de ceder espaço de si para que o outro possa participar da relação. No exemplo acima, o casal faz um único picote, central, e o encaixe se faz por sobreposição. Era um casal em reinício de relacionamento, reaprendendo a ceder, cada um o seu espaço para o outro. Haver uma atitude de evitar muitos picotes.

 

 

 

 

 

 

 

 

Orientador AD: Conj.15/16, As aves no jardim.

As aves no jardim é uma proposta que envolve recorte das aves (trabalhando-se as perdas) e a construção de uma cena, estimulando a criatividade. Tendência ao individualismo, com cada um fazendo sua parte sem consultar o outro, bem como dificuldade de ouvir a sugestão do parceiro foram traços observados na elaboração das propostas.

  

Orientador E conj. 16/11 A moldura decorada.

O casal é orientado a codificar sinais e cores, posteriormente fazendo a cópia dos sinais em quadrados de cores diferentes para cada um, ao final, colar os quadros de modo cruzado, formando um todo. Observados sinais de competitividade e tentativa de controle do parceiro, opinando e cuidando para que o erro do outro não comprometa o resultado. Abre discussão para a dificuldade de comunicação ou de atitude consensual na relação, uma vez que a proposta trabalha escolhas e estimula o diálogo para codificar os sinais e cores.

                          Orientador E, conj.8/9, Caleidoscópio

A orientação para que seja feita escolha de formas para serem copiadas e vazadas no círculo, possibilita ao casal a vivência da atividade criativa. Observado no casal da proposta em questão, atitude de passividade por parte da esposa, deixando o papel de escolha por conta dele. Como a queixa apresentada havia sido referente à atitude de autonomia reduzida por parte dele, a verbalização possibilitou esclarecimentos acerca de posturas passivas que deixam o relacionamento fragilizado e propenso a conflitos.

Ainda podemos utilizar propostas de Artes e Semi-diretivas, tendo como tema desenhos livres ou colagens.

 Abaixo, uma proposta de desenho livre, onde a mulher se ocupa em fazer a quase totalidade do desenho, demonstrando uma característica dominadora na relação. Ao final, coube a ele concluir o desenho, e sua participação resumiu-se a desenhar os pássaros... O casal tinha um filho, aqui representado junto da mãe, são dois coqueiros. O pai, representado pela árvore do outro lado de um abismo.

Expresso aqui o conflito do casamento, a história do casal resultou em separação, pela extrema dificuldade de aceitação entre eles.

 

 

Trabalhar com casais utilizando Ramain-Thiers dimensionou uma forma de escuta cuidadosa e continente, de modo a fazer, do resultado do trabalho observado, uma leitura particular do desejo de cada um, demonstrando, pela natureza do trabalho de psicomotricidade que, ainda que diferentes no modo de sentir o mundo, cada um pode trabalhar junto com o outro, aceitando o modo de agir e sentir do parceiro de caminhada.

Ramain-Thiers propicia um momento de ação segura e eficaz, na busca de um resultado que pode mostrar ao casal a possibilidade de crescimento no relacionamento.

 

Referências:

ALVARENGA, Lidia Levy. Na escuta do laço conjugal. PUC. Rio de Janeiro: EditoraEdibral,.

ANDOLFI, Maurício. O casal em crise. Porto Alegre: Artmed, 2002.

BUENO, Cleuza Maria de Oliveira. O casal Freud. Porto Alegre: APPA, 1994.

CALLIGARIS, Contardo. O laço conjugal.  APPA. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.

EIGUER, Alberto. Um divã para a família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

FREUD, Sigmund . Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

GRANATO, Rita. Questões do masculino: formação da identidade masculina. Artigo da Revista de Psicologia, 2008.

HERZOG, Regina. Os sintomas nas relações amorosas. Rio de Janeiro: Casa do Saber, 2009.

THIERS, Solange.  Sociopsicomotricidade: uma leitura emocional, corporal e social. 2 ed. Ver. São Paulo:Casa do Psicólogo, 1988..

THIERS, Elaine. Org. Compartilhar em Terapia: seleções em Ramain-Thiers. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

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Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
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A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
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A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

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Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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