Artigo
Os Adolescentes em
conflito com a Lei
e a Castração
Simbólica numa visão Ramain-Thiers |
|
Karin Hilel
Psicóloga.
Sociopsicomotricista
Ramain-Thiers
Este
trabalho traz uma reflexão sobre como a falência da função paterna e
suas implicações na elaboração edípica pode influenciar a entrada
dos adolescentes em conflito com a lei no mundo da criminalidade.
Visando compreender melhor este processo, foi realizado atendimento
de terapia de grupo, utilizando a metodologia Ramain-Thiers, com os
adolescentes e jovens em cumprimento de Medidas Socioeducativas da
Casa Marista de Semiliberdade, na cidade de Vila Velha/ ES. Neste
projeto, participaram 16 adolescentes, em momentos diferenciados,
entre 10/02/2010 a 24/03/2011. O material utilizado foi o Orientador
Terapêutico Thiers para Adolescentes – AD, em uma sessão semanal de
1 hora e meia. Os atos infracionais cometidos vão desde assalto à
mão armada, furto, roubo, uso e tráfico de drogas, até latrocínio e
homicídio.
O
regime de semiliberdade está descrito no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), sob a Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990, no
Art. 120, e vem suprir a dificuldade das famílias em impor limites a
estes adolescentes, numa tentativa de resgatá-los da marginalidade,
inseri-los na sociedade e evitar futuras medidas mais restritivas.
Segundo Freud, a estruturação psíquica do ser humano tem seu momento
crítico na entrada da Lei do pai, função exercida por este ou seu
representante, e culmina com a castração simbólica, que fazo corte
da simbiose mãe / criança. O sujeito então é introduzido na dimensão
da realidade e impulsionado a buscar nos ideais na cultura, “ideal
de ego”, preencher a falta produzida pela fenda narcísica, e assim,
avança na direção de sua individuação enquanto sujeito de desejo.
Uma falha neste processo acarreta dificuldades na internalização de
limites e pode predispor o indivíduo a conflitos quando confrontado
com as leis estabelecidas pela sociedade.
Durante o desenvolvimento das atividades propostas com os
adolescentes da Casa Marista pode-se observar diversas
características que apontam dificuldades na elaboração edípica:
-
Grande
apego à figura materna /relação simbiotizada- mãe como figura
central;
-
Mães
fálicas e pais complacentes/ ausentes- pais não participantes,
omissos ou desconhecidos;
-
Traços de
estrutura perversa – constantes desafios às leis e ameaças aos
educadores e colegas;
-
Dificuldades escolares – problemas recorrentes em praticamente todos
os casos;
-
Narcisismo/
criatividade embotada – a libido está presa ao “ego ideal” e não é
liberada para sua pulsão na direção de novos ideais;
-
Baixa
autoestima – o sujeito como objeto de desejo materno não desenvolve
a autoestima, pois desconhece seus próprios desejos;
-
Baixa
resistência à frustação – não há adiamento do prazer imediato, a
libido não está investida num ideal, qualquer situação pode eclodir
em sérios conflitos;
-
Dificuldade de integração de conteúdos internos – não conseguem
enxergar pontos positivos em si mesmos, o bem e o mau não podem
coexistir;
-
Baixo
nível de atenção interiorizada – o assujeitamento leva a um
desconhecimento de si, os adolescentes não sabem expressar seus
sentimentos e apresentam grande resistência nos trabalhos corporais,
em tocar e sentir o próprio corpo.
-
Fixação na
fase anal/fálica - criatividade pobre, atividades realizadas sem
cuidado, comportamentos de controle e oposição, rivalidade, ilusão
narcísica, dificuldade de respeitar limites, de socialização, entre
outras.
Todas
as características supracitadas estão direta ou indiretamente
associadas à problemática edipiana, a uma fenda narcísica não
instaurada, pelo menos parcialmente, pelo corte da simbiose mãe/
filho. Estas constatações levam a crer que a falência da função
paterna no contexto familiar destes jovens pode ter comprometido o
desenvolvimento psíquico/ afetivo, sobretudo no que diz respeito ao
enfrentamento da realidade. As falhas na resolução edípica e suas
subsequentes interferências na individuação do sujeito enquanto
sujeito de desejo, provocam significativos transtornos na economia
libidinal, ativam mecanismos de defesa regressivos do ego e, assim,
predispõem o ingresso destes jovens na delinquência.
Um
fator importante a ser considerado ao se trabalhar com este público,
com a técnica Ramain-Thiers, diz respeito à possibilidade de
substituir, inicialmente, o Orientador Terapêutico AD pelo CR,
devido ao nível de regressão apresentado pelos adolescentes.
Outra
observação relevante refere-se à grande rotatividade dos menores
infratores numa casa de semiliberdade, que ora têm atividades
externas, ora evadem ou recebem alvará de soltura. Portanto, frente
a esta realidade, sessões de sensibilizações ou livres seriam mais
adequadas neste tipo de atendimento, observando-se, entretanto, as
sequências das fases sexuais.
Diante deste contexto, é interessante a criação de projetos de
orientação e assistência às famílias, crianças em situação de risco
e grávidas (especialmente adolescentes) para atuar na prevenção da
delinquência juvenil.
E,
finalmente, enfatiza-se a carência afetiva observada em quase todos
os adolescentes da casa que, ao perceberem o real interesse do
terapeuta em propiciar ajuda, mostraram-se extremamente receptivos e
colaborativos, dentro de suas possibilidades. Klein (1934, p. 299,
apud, Nogueira, 2006, p. 69), relata que “... O amor não está
ausente nos criminosos, mas sim escondido e enterrado de tal maneira
que apenas a análise poderá trazê-lo à tona.”Desta forma, deixa aos
terapeutas interessados a trabalhar com adolescentes infratores o
desafio de resgatar, através da transferência, este amor endurecido
pelas asperezas da vida.
Referências
CORDIÉ, A.
(1993). Os atrasados não existem:
Psicanálise de crianças com fracasso escolar. Traduçãode Sônia Flach
e Marta D’agord. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 27-28.
DOR, J.
(1991). Estruturas e clínica psicanalítica. Tradução de Jorge
Bastos e Andre Telles. 4ª. ed. Rio deJaneiro: Taurus Editora. 1997.
p. 33-61.
______.
(1989). O pai e sua função em psicanálise. Tradução de Dulce
Duque Estrada. 5ª. Edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1997. P.
57-62.
______.
(1994). Clínica Psicanalítica. Tradução de Maria Lúcia Homem.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 81-91.
NOGUEIRA, C. S. P. A questão do pai para o
adolescente infrator e os impasses na transmissão dodesejo.
2006. 164 p. Dissertação de mestrado em Psicologia. Faculdade de
Filosofia e CiênciasHumanas. Belo Horizonte.Universidade Federal
Minas Gerais, 2006. Disponível em:
www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/VCSA-7WSNL2/documento__nico_p_s_defesa_11_ago.pdf;jsessionid=2BCDF465E392463362C237EE65D8CD98?sequence=1
Acessado em: 07/ 2012.
Acessado em: 07/ 2012.
TANIGUTI, J. H. A Formação dos
Ideais: Perspectiva Clínica. Disponível em:
http://pt.scribd.com/doc/16372658/Ideal-de-Ego-e-Ego-Ideal
Acessado em: 07/ 2012.
THIERS, E. (Org.). Compartilhar em
terapia. São Paulo: Casa do Psicólogo. 1998. p.187-198.
THIERS, S., Garritano, E. J. (Org.).
Ser terapeuta : Metodologia Ramain-Thiers. Rio de Janeiro:
CESIR, 1999. p.12.
WINNICOTT, D. W. (1971). O brincar
e a realidade. Tradução de José Otávio de Aguiar Abreu e Vanede
Nobre. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1975. p. 95-103.
|