Vol. VI: Vitrais 71 - jul 2013
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. VI: Vitrais 71

                          jul 2013

 

Editorial

Notícias

Entrevista
Resumos do V Congresso Brasileiro da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers


Artigos

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Jussara Orlando

 

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Artigo 2

 

A clínica Analítica com Sujeitos Crianças - “Depois da Angústia da Separação dos Pais”

 

 

Jussara Orlando

 

Psicóloga. Especialista em psicologia Clínica e Psicomotricidade. Psicanalista. Especialista em psicanálise pela Universidade de Brasília. Sociopsicomotricista Ramain Thiers. Psicodramatista. Terapeuta de Casais e Famílias. Supervisora Ramain Thiers e Mediadora Familiar.

 

Uma supervisão de caso

“estou aqui no consultório porque as minhas notas estão muito ruins e porque meus pais dizem que estou ansioso... a professora diz que a separação dos meus pais fez mal para mim, me deixou disperso, irritado... meu amigo teve que ir ao psicólogo porque o juiz mandou... é o juiz quem vai decidir com quem meu amigo vai (ficar) morar... eu tenho vários amigos que os pais estão separados... uns moram só com a mãe, outros com a mãe e o pai, outros com os avós... ainda bem que eu moro com a minha mãe e com o meu pai, eu tenho duas casas...”.

No cotidiano da Clínica Analítica com crianças, encontram-se diferentes sujeitos buscando uma resposta para suas angústias e sofrimentos, em sua grande maioria, associados às separações mal resolvidas e não suficientemente elaboradas dos pais, após a separação conjugal ou divórcio.

É crescente o número de pais separados e filhos que chegam ao consultório quer para orientações quer para tratamento, quer por determinação judicial para se submeterem a uma perícia psicológica. Nos primeiros casos, normalmente os filhos estão apresentando alguns sintomas, que equivocadamente, são atribuídos à separação do casal. Equivocadamente, porque aqueles sintomas não guardam relação com a separação, mas sim com a falta que faz o progenitor ausente, conforme veremos:

No caso de virem por ordem judicial – para perícia, isto ocorre frequentemente devido à disputa pela guarda dos filhos, onde os pais transformam, na maioria das vezes, o processo judicial num campo de batalha, de poder e interesses dos mais diversos. Isso porque, infelizmente, para muitos o fim da relação do casal estende-se, quase como deles, também dos filhos.

É neste sentido que no âmbito do judiciário, a psicologia, de forma lenta, vai ganhando espaço, como forma de auxiliar o juiz na divisão de processos que envolvem questões psicológicas. Nas varas de família, os psicólogos são chamados com frequência, para fazer avaliação psicológica, a fim de contemplar dados além dos comportamentos manifestos (CS-conscientes) das crianças. Nestes casos, cabe aos psicólogos constatar a dinâmica da criança, desde os comportamentos manifestos até os significados latentes (manifestações – ICS), possíveis de se observar nas sessões lúdicas, nos desenhos, nos jogos, sonhos...

Apresento uma supervisão de caso que tem como objetivo maior, mostrar como o trabalho analítico dá oportunidade à palavra, aos ditos e as diversas formas do dizer do sujeito criança envolvida em situações de conflitos familiares.

O sofrimento, a angústia, enfim a neurose apresentada pela criança nos leva a pensar que esta aparece como consequência do relacionamento conturbado entre seus pais, um relacionamento que culmina com a traumática separação litigiosa.

A criança do referido caso tem 9 anos, sexo masculino, cursando a 3ª série do 1º grau, levada à clínica pela avó paterna que busca ajuda profissional para seu neto por acreditar na necessidade urgente de uma intervenção psicoterápica para o menor.

Relatou à psicóloga que, naquele momento, a criança havia saído do convívio com a mãe, com a queixa de estar sendo alvo de agressões físicas e psicológicas desta, sendo concedida a guarda provisória ao pai.

O atendimento ocorreu uma vez por semana, durante 1 hora, para avaliação.

De acordo com as observações clínicas deste primeiro momento, pode-se observar uma criança vivaz, inteligente, comunicativa e com ótima fluência verbal. Emocionalmente, apresentava ser uma criança assustada com tudo o que vinha acontecendo em sua vida, nervosa, insegura, o que sugere um estado de angústia que leva a um grau excessivo de ansiedade, não conseguindo dar continuidade a nenhum jogo ou brincadeira. Apesar de ter a capacidade de distinção e seleção dos materiais utilizados e a função simbólica a eles atribuída, expressava a nível verbalseus desejos, fantasias, experiência e sentimentos. Tem compreensão dos fatos relacionados aos aspectos da própria subjetividade como sentimentos, emoções, lembranças, bem como aos aspectos da realidade objetiva como fatos passados e dados da atualidade da sua história de vida.

Houve uma interrupção do tratamento após a quinta sessão. A mãe ajuizou mandado de busca e apreensão da criança com oficial de justiça, sendo a criança resgatada no colégio pela própria mãe e tia materna, permanecendo com ela durante uma semana, em outra cidade (Caldas Novas) pra onde ela havia se mudado.

 O pai entra novamente na justiça e o juiz consegue anular a liminar que concedia a guarda da criança à mãe, uma vez que o mesmo já havia ganhado a guarda provisória do filho em Brasília.

A criança retornou ao convívio do pai e avó paterna e volta ao tratamento psicológico.

Nesse momento, apresentou-se triste, cabisbaixo, inseguro, com muita culpa ecerceado de sua liberdade de expressar seus sentimentos. Utilizou mecanismos de negação relacionados aos fatos passados, sentindo-se culpado por tudo o que estava acontecendo em sua vida, revelando fantasias persecutórias, sendo a forma como entendia e resolvia os conflitos gerados entre seu desejo e a realidade externa.

Diante dessa situação vivenciada no momento (separação da mãe), alternava seus sentimentos em relação à mãe, ora com medo de perdê-la, gerando muita angústia e culpa, ora com muita raiva, conseguindo expressar seus sentimentos no seu brincar.

Foi colocado em grupo (abordagem R- Thiers – orientador crianças) por um período de oito meses, onde se sentiu mais livre para expressar a raiva imensa, atacando verbalmente a terapeuta, apresentando dificuldades em atender as regras da terapia. A terapeuta percebia o quanto seu cliente estava sofrendo, ficava agitado, não conseguindo dar continuidade às brincadeiras, expressava mais pelo corpo como chutar, jogar bola, dardo.

A participação da criança na abordagem R. Thiers deu a ela a possibilidade de ser ouvida em sua singularidade, tornando possível que se deslocasse de uma posição subjetiva destrutiva de impotência e mortificação de seu desejo como resposta ao traumático litigio familiar, à construção de histórias em que ela tenta dizer do real, do impossível de dizer, buscando desse modo, esvaziar sua angústia e semidizer sua verdade.

O grande desafio da Sociopsicomotricidade – Thiers é auxiliar o individuo entendido como sujeito social nessa “batalha psíquica”, que é real.

Nas sessões, expressa por meio de suas fantasias e brincadeiras, seu sofrimento, de como se sentia “esmagado, pressionado” por situações que não consegue controlar. Eis a questão do seu conflito: a disputa judicialacirrada entre seus genitores, uma disputa na qual se encontra como testemunha, vítima e protagonista de agressões verbais e físicas entre os familiares.

Após esse período, por vários motivos o grupo se desfaz, e ele voltou a fazer sessões individuais. A perda fez com que ele regredisse e omais relevante foi a negação de seus sentimentos de forma tão intensa que não podia ouvir a palavra “mãe” que atacava a terapeuta verbalmente com muita raiva e se fragilizava de tal forma, chorando muito, sem autocontrole, mostrando-se carente e revelava estar com saudades da mãe.

Após um período vivenciando dessa forma, começaram as transformações que segundo Winnicott: “a agressividade não é só a frustração, mas especialmente a busca do objeto, necessitando da oposição do meio para ser atualizada e exercitada. Quando não ocorre retaliação do objeto, e a mãe suporta ser destruída e recriada na fantasia da criança como objeto subjetivo permanecendo viva e presente...Onde há confiança e fidedignidade há também espaço potencial psíquico, que pode tornar-se uma área infinita de separação e a criança pode preenchê-la criativamente com o brincar.Assim, brincar é uma atividade sofisticadíssima na criação da externalidade do mundo e condição para viver o criativo, no qual se desenvolve o pensar, conhecer e aprender significados. Enfim, brincar permite desenvolver a tolerância,à frustração, canalizar a agressividade, sendo a base da capacidade de discriminação necessária.A bússola que nos permite navegar na aventura de compreender e acompanharos movimentos psíquicos do paciente é o nosso próprio norte psíquico. É muito mais a dimensão da presença ética e psicossomática do terapeuta o que importa suportar o não saber, respeitar o ritmo embarcando assim, na aventura de acompanhar alguém que sofre psiquicamente exige não só a crença na natureza humana, como também a capacidade de brincar...”.

De acordo com o processo terapêutico inicia-se uma nova fase na qual a criança começa a escrever um livro com o título “Vida Solitária”, segundo o olhar terapêutico, fala de sua própria história, da dor da alma,...

“Minha vida foi feita de decisões que não tomei. A dor que eu sinto não consigo expressar em gestos, nem palavras, lá no fundo tem alguma coisa dentro que quer sair, mas tenho um lado heroico. A verdade dói, por dentro tem um buraco, órgãos pretos, procurando uma saída, alguém matou minhas decisões. Todos me respeitem por fora e não pelos meus sentimentos. Queria que alguém me compreendesse. Qual a dor de não ter mais a mãe por perto, queria conversar com ela, não a esqueço, não é normal esquecer o rosto da pessoa que cuidou dela. Gostaria que essa situação durasse um dia, mas faz dois anos que não vejo minha mãe, sinto dor no peito, isso não acaba.”

Foram momentos de catarse, expressando toda a dor da sua alma e que culminou com um sintoma de gastrite.

“O Eu contador de sua história”, e foi nessa fantástica escuta terapêutica em busca dos sintomas que revelavam o desejo de seu cliente (ver a mãe), que essa brilhante profissional, com sua escuta e atuação ímpar, convida o pai e a avó paterna para uma sessão chamando a atenção dos mesmos para a importância da presença da mãe na vida de seu cliente, fazendo com que entendessem que a ausência de um dos pais, a falta psíquica afetiva provocada por ela pode prejudicar o desenvolvimento saudável da criança.

Mais uma vez trouxe na sua fala, a importância da Mediação Familiar para ajudá-los na compreensão do conflito familiar. A mediação visa a comunicação entre os conflitantes, com o reconhecimento de seus sofrimentos, e principalmente, oferece aos mediandos a possibilidade de se escutarem mutuamente, estabelecendo uma dinâmica jamais vislumbrada antes da experiência da mediação.

A avó materna também foi chamada pela psicóloga como o mesmo objetivo do encontro com a família paterna. A mesma trouxe um dado importante para a profissional quando diz ter procurado o conselho tutelar para fazer uma denúncia contra o pai, que viaja muito, o pai não cuida do filho, além de apontar a falta de limites da criança naquele ambiente. A avó conta ao conselho, que seu neto era assistido por uma psicóloga.

O conselho convida a profissional que foi ouvida por um assistente social e uma psicóloga que pediram um relatório psicológico da criança.De posse do mesmo, o conselho tutelar solicitou a presença de uma perita técnica no consultório vindo a mesma presenciar uma sessão terapêutica da criança.

Essa perita, muito respeitada no judiciário disse a terapeuta que o relatório dela foi a ferramenta responsável por toda a mudança que estava acontecendo na vida da criança.

O Ministério Público acatou o relatório da perita e foi decidido que a criança iria ver a mãe na presença da psicóloga. Depois, fora do mesmo, no shopping Iguatemi, perto da casa da criança (a psicóloga estava presente, mas distante). Depois os encontros começaram a acontecer normalmente, entre mãe e filho.

A atuação da psicóloga foi decisiva para mudanças subjetivas nos pais e em todos os envolvidos através de um estudo interdisciplinar no que diz respeito a questões inerentes a guarda da criança com a participação das áreas do judiciário, serviço social e psicologia com o objetivo de uma pronta reparação da violação dos direitos da criança.

Tânia Pereira, advogada de família diz que “a proteção com prioridade absoluta, não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado, é um dever social. As crianças e adolescentes devem ser protegidos em razão de serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (...) ser sujeito de direitos significa para a população infanto juvenil, deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular de direitos judicialmente protegidos”.

Hoje, o jovem encontra sua mãe uma vez por semana e tem apresentado melhoras significativas no seu desenvolvimento emocional.

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Ramain-Thiers: a vida, os contornos
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Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

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Volume IV
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