Vol. VI: Vitrais 71 - jul 2013
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. VI: Vitrais 71

                          jul 2013

 

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Artigo 1

 

Transpsicomotricidade: uma tecedura psico-sócio-etno-ergopsicomotora

 

 

Martha Lovisaro

 

Prof.ª Adjunta (UERJ), mestre e livre docente em psicologia educacional, psicomotricista, psicóloga, pedagoga, pós-doutorado na Universidade do Porto.

 

O convite a tecer demanda estratégias: como tecer sem conhecer os pontos? Ramain-Thiers nos impulsiona a tecer na ciranda da vida. Ramain nos ensinou os primeiros pontos, Thiers nos convida a conhecer novas possibilidades e nos abre o espaço para que apresentemos nossa criação que também partiu dessas primeiras teceduras. Cada qual, com suas escolhas, iniciam o trabalho. Hoje, ambas, podemos olhar nossas criações, opinar, optar, celebrar e mostrar nossa arte. O Brasil tem suas formações, com características próprias, que nos conferem o direito de ser uma nova escola de Psicomotricidade. Nova, por apresentar contornos metodológicos específicos e condizentes com as bases primordiais que fundaram as suas práticas.

 A Transpsicomotricidade é uma formação em construção apesar de uma década de existência. Continuará em processo de tecedura. Uma obra que não se finda, sempre haverá algo mais a ser feito, mas, no entanto, não se apoia no sentido da incompletude e sim na complexidade do humano, na impossibilidade de se fechar em sistemas pré-determinados que acabem por se definir em paradigmas incontestáveis.

Trata-se de uma formação que se enriquece ao redor de duas fontes de conhecimento: o pensamento complexo e a transdisciplinaridade. A tecedura se faz por meio de alguns pilares que lhe conferem especificidade. Um deles diz respeito à ecologia do ser. Trata-se de um olhar que determina o comportamento atento e vigilante do transpsicomotricista. Deixar agir em liberdade, e deste agir, extrair todo o fenômeno que possa ocorrer na relação do sujeito com o seu ambiente, ação que demanda um esforço tal que só a prática poderá minimizar. É evidente que a mesma atitude deve ter o psicomotricista de qualquer prática psicomotora. A especificidade, no entanto, está em ser este um ponto básico, onde tudo o mais irá repercutir nessa atitude observadora. O sujeito atendido pode estar na mais aparente desorganização. Este olhar deverá estar buscando o que pode nessa desordem trazer um sinal auto-organizador, autoprodutor, autodeterminado, mesmo que fugaz, simbólico, subjetivo. Pode ser no espaço, na localização do corpo no lugar do atendimento. Pode ser com o objeto que está sendo manipulado. Pode ser com o outro que está ao lado. Pode ser no tempo; há algum sinal de auto-organização desse tempo? De determinação temporal sobre algo que está sendo realizado com o corpo ou com objetos ou mesmo com o corpo do outro? Afinal, há sinais de organização de potencial produtivo e determinado em relação ao próprio corpo em detrimento de todo o espocar de emoções incontidas e de atitudes caóticas?

É importante perceber, a mesma atitude que se tem com aquele que é atendido, deve estar dirigida também para a instituição que o acolhe. Um bom exemplo é o da escola onde se nota um mau aproveitamento de seus espaços externos. O olhar ecológico, quando bem aproveitado, pode levantar dados importantes sobre a concepção pedagógico-educativa da instituição. Assim também é adequado pensar no contexto familiar e na humanização do formando.  Esse será um outro tema, ainda que ligado a ecologia do ser, que pode ser visto como um segundo pilar dessa prática. A auto escuta organizadora parte da formação vivencial. “A psicomotricidade não se ensina, se vive”, esta afirmativa pode ser lida em alguns autores, mas foi nos idos de 70 que a ouvimos pela primeira vez enunciada por Simone Ramain.

A formação pessoal na Transpsicomotricidade tem a preocupação, além do que se espera na vivência da prática psicomotora com o autoconhecimento e o domínio da técnica, de refletir e fortificar as relações humanas, As questões éticas são vividas, tomando por base os “sete saberes para uma educação do futuro” de Morin (2002). As sessões formativas ficam contextualizadas por esses saberes que se desdobram ao longo do curso. O auto controle depende do auto conhecimento, mas sobre tudo da capacidade de auto gerenciamento dos códigos já inscritos no formando; trata-se, portanto, de ato educativo ao conferir padrões de conduta que, quando realizados por condicionamento, não passam pela consciência, tão necessária para o uso de comportamentos apropriados quando em situações emocionais adversas.

Assim, as sessões formativas, a partir do canal corpo mental: psicomotor, ou seja, através de propostas de ação e movimento, encontram seu objetivo ao levar o formando a expressar-se livremente e a cultivar a consciência dos seguintes aspectos que fazem parte de uma ecologia pessoal:

 

 

 

Cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão. Levar o formando a perceber que suas visões do mundo, opiniões e valores, estão atravessados pelo erro e a ilusão provocada pela possessão da cultura que possuem.

 

 

 

 

 

Princípios do conhecimento pertinente: despertar a reflexão do que seria importante aprender e ensinar em prol da harmonia das interações próximas e das intervenções saudáveis quanto aos problemas planetários. Religação disciplinar.

 

 

 

 

 

Condição humana: refletir sobre a complexidade humana e a necessidade de um olhar poliocular para compreendê-la, desenvolvendo a necessidade de comunhão e respeito pela diversidade e singularidades

 

 

 

Identidade terrena: ir ao encontro de uma identidade planetária através da consciência ecológica.

 

 

 

 

Enfrentar as incertezas: compreender que a incerteza é irredutível e que é necessário maleabilizar-se e enfrentar estrategicamente as dificuldades.

 

 

 

Compreensão: desenvolver a comunicação, comunhão e compreensão de si e do outro

 

 

 

 

Ética do gênero humano: desenvolver a antropoética, a consciência da tríade indivíduo/sociedade/espécie. A cidadania terrestre, a democracia e a percepção da terra como pátria.

Na procura por uma formulação lógica para a transpsicomotricidade encontra-se toda a tecedura necessária a partir da disciplinaridade que sustenta a psicomotricidade e sua prática. Enquanto conceito paradigmático, a disciplinaridade tem sua regência na lógica da delimitação de processos de sistematização e condutas específicas na organização de cada campo disciplinar. Procedimento que se constitui a partir das estratégias de formulação conceitual e descrição de métodos, mediadas por argumentos lógicos e recursos epistemológicos, ao demarcar as fronteiras do conhecimento.

A transpsicomotricidade, ao se constituir como ordem epistemológica, busca a interação entre conceitos, métodos e práticas, dentro de uma axiomática geral, sem demarcação definida. Por essa via, a transpsicomotricidade procura se estabelecer num lugar de equilíbrio entre disciplinas no qual possa gerenciar os seus processos de sistematização do conhecimento relacionados ao fenômeno transpsicomotor, enquanto dinâmica vincular que integra sujeito, corpo, significado e expressão, tendo como princípio regente a lógica da descoberta.

Nessa abordagem do fenômeno expressivo motor, como empregar uma metodologia que procure atender a multidimensionalidade da experiência humana e práticas com recursos vivenciais que as sustentem? Como um fenômeno complexo, a expressividade motora encontra na teoria vincular algumas respostas para o significar/expressar, tendo como suporte os conceitos de sociedade, cultura e sujeito/mente/corpo.

O objeto de estudo, portanto, configura-se no âmbito de relações disciplinares abertas, estabelecendo um diálogo primordial entre corpo, linguagem e expressividade motora. Trata-se de um estudo onde o corpo é visto como instância transversal ao atualizar o seu patrimônio bio-simbólico. Neste sentido o fenômeno psicomotor é entendido na relação corpo/subjetividade, sendo abordado em diferentes campos teóricos, metodológicos e das práticas. A configuração teórico-metodológica da formação tem na elaboração de práticas vivenciais o seu eixo central na construção de um saber que objetiva o exercício da composição da integridade pessoal: sujeito, corpo, linguagem, significado/sentido, percepção/sensação, atitudes e os atos de convivência.

O corpo, morada existencial da vida, acolhe em plenitude o ser, porém este poderá ou não constituir-se como existência e plenitude.  Assim o corpo é entendido como uma ponte entre sujeito e objeto.

Como a Biologia vem desvendando o corpo, suas entranhas e segredos, também se faz necessário conhecer a gênese do significar e expressar do corpo.  Essa tecedura entre realidade externa (registros perceptivos) e subjetividade (registros simbólicos) realiza-se como síntese na experiência tendo o corpo como tear e o sujeito como tecelão, e a existência como maestrias primais dessa arte. A experiência é um atravessamento que transforma o sujeito, reorganiza a subjetividade, redesenha o tônus, reconstrói a arquitetura corporal, reinventando novas coreografias e máscaras.

A denominação “trans” diz respeito ao sentido de, através, entre e além do corpo. Tal denominação traz a proposição de que o estudo da psicomotricidade não se detenha nas polaridades corpo-psiquismo, mas que possa ir às polaridades primordiais da linguagem que constituem o conhecimento. Não somos nem pensamos sem o corpo, mas a partir dele podemos encontrar estados de maior plenitude quando em relação ao espaço macro nos harmonizamos, não apenas nos limites do corpo próprio, mas ao rompermos as barreiras do dualismo corpo interno-corpo externo.

A teia transpsicomotora organiza sua tecedura em torno de três perspectivas que se conjugam em vínculos primordiais na formação de uma visão globalizada de homem em movimento e em relação:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ergopsicomotricidade: refere-se à consciência do gesto, conduzindo ao conhecimento entre o corpo que se valoriza e o corpo desconsiderado, que não cuida da fadiga. O homem adaptado ao seu meio trabalha para o seu progresso social, democrático e econômico. A ergopsicomotricidade tem como objeto de estudo o corpo produtivo e sua agenda expressiva motora laboral, vistas a partir da relação trabalho/descanso, segundo as bases psicomotoras. As práticas vivenciais, enquanto recurso psicomotor, objetivam trabalhar a experiência corporal da investidura constituída e coletivamente partilhada no contexto ritual das organizações, buscando resgatar o lugar e o tempo íntimo do corpo e sua presencialidade, bem como os níveis de consciência nela estabelecidos e ou acessados pelo sujeito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A sociopsicomotricidade enriquece o estudo com a junção dos enfoques social e de atuação, visando o corpo trabalhado para o bem estar do homem, mas especialmente para um corpo que existe em sociedade. Aborda os fenômenos da convivência na dimensão da consciência individual e das ações sociais e trocas simbólicas em suas possibilidades expressivas motoras. A prática trans, nesse caso, se constitui como um recurso mediador, vínculo revitalizante entre indivíduo, corpo e sociedade na restauração da pessoa como unidade psíquica. A atividade corporal assim concebida poderá criar novas possibilidades éticas e estéticas de ser e estar. A realidade socializadora do cotidiano é um fato educativo. Seja pela internalização das rotinas, seja das formas e da natureza dos eventos, o vivido é um artefato socialmente construído e a corporeidade não escapa aos efeitos desses condicionamentos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A etnopsicomotricidade traz a compreensão crítica e transdisciplinar da cultura da coexistência, indo ao encontro de uma abordagem que parte do exercício teórico/vivencial das alternativas solidárias de convivência humana. Estuda enquanto etnologia aplicada, a cultura motora a partir das relações entre conteúdos biosimbólicos, corporeidade e praxiologia motriz: modos de significar e expressar.  Lidar com a individualidade constitui um dos desafios da convivência. Seja como um exercício pessoal, ou no acolhimento do outro, uma atitude relativizadora se constitui em ferramenta eficaz na apreensão e manejo da diferença. Este é um dos exercícios que conduz a uma convivência saudável. Este é o estado da arte. Entregar-se à possibilidade “do inesperado” é oxigenar a consciência, fazendo-se presente num corpo presencialmente vivo. O homem é responsável pela qualidade de seu pensamento, sua integridade, vitalidade do corpo, a gerência da cognição e afetos e das relações humanas, consigo mesmo, com o outro e com a natureza. Cabe ao transpsicomotricista considerar a etnopsicomotricidade como ecologia do corpo, reconhecendo a abrangência de suas significações no ser global, especialmente neste país, onde encontramos várias áreas culturais determinando comportamentos e formas de viver diversificadas em um mesmo território.

O principal fundamento da transpsicomotricidade é a linguagem que se estabelece na coesão de enunciados objetivos do pensamento, sem que seja, ela própria, nem sujeito, nem objeto. Como um registro primordial de humanização do corpo, a linguagem é a chave para a compreensão dos fenômenos humanos. Em seu percurso gerativo transcreve o sujeito no objeto e o objeto no sujeito. Dinâmica que se estabelece no corpo e promove as mais diversas formas e impulsos para as ações. Em sua dimensão biológica e da natureza a linguagem se faz parceira do sujeito para lhe dar condições de sustentar e inventar-se como criador e criatura. Imerso em condições orgânicas, naturais, sócio-simbólicas e políticas o sujeito busca as brechas, esforço criativo, que permite sua participação ativa na construção de si e do corpo como agente, pessoa, e transformador da realidade.

Nessa perspectiva, o homem é um fenômeno linguístico em sua capacidade de acolher grande número de signos consensuais e de criar outros, um dos aspectos e possibilidades da linguagem humana.

A configuração do significado como unidade simbólica, em um corpo que o constitui e integra, demarca o campo de linguagem pessoal configurada no esquema, imagem corporal, desenho tônico, coreografia e ritmo motor.

Ao testemunhar e significar um evento, o sujeito irá reunir registros perceptivos, sensitivos, da cognição, afeto, localização no espaço e no tempo, formatando uma nova unidade bio-simbólica.

O processo de construção da linguagem, na dimensão do significar/expressar/corporeidade é sempre um fenômeno vivencial do qual o sujeito participa com maior ou menor consciência de si. A natureza do campo de significação do sujeito está relacionada aos níveis de consciência com os quais o corpo pensa, opera, e que, por sua vez, irá definir a qualidade da energia psíquica convocada nesse processo.

A linguagem, no âmbito das práticas psicomotoras, de modo geral, fica marcada pela relevância que lhe é conferida no campo da expressividade ou da gestualidade, no e pelo movimento. No entanto, a fala não pode ser esquecida. Ela é um organizador dos conteúdos vivenciados. Ao viver no corpo uma história, esta se inscreve no campo afetivo de forma muito potencializada pelas energias que ali circulam. A potencialização dos afetos no corpo concorre para uma também mais potente manifestação interior, facilitando o livre acesso ao psiquismo e ao inconsciente através da vivência corporal. A fala é o complemento necessário para que se instale a compreensão do vivido e sentido.

Aprender com o corpo e pelo corpo consiste em estabelecer um aprendizado ativo e participativo no qual o processo criador renova e expande as possibilidades do conhecimento. Aqui, a transdiscplinaridade pode ser exercitada pela união das várias disciplinas, em que o eixo principal será o sujeito, seu corpo, sua expressão corporal e verbal e tudo o mais que o constitui, da sua história pessoal à história do mundo em que habita.

Na questão temporal, o distanciamento do objeto permite a emergência do Eu (sujeito): eu sou porque me reconheço entre outras coisas do mundo próximo ou distante. Eu existo porque sou no tempo e no espaço. Eu sou, porque existo, nesse mesmo tempo e espaço, redimensionado por minhas percepções e possibilidades de agir atuando sobre o tempo e o espaço que me determinam. Nessa rede de conjunções, ou estamos abertos à experiência ou ficaremos à margem do conhecimento que se faz pertinente, como uma moeda: ela valerá sempre como uma moeda, se pudermos reconhecer suas duas faces que a complementam e lhe dão valor.

Ao colocar o corpo no foco da atenção individualizada, a transpsicomotricidade conduz o sujeito a exercitar o autoconhecimento e, dessa forma, atingir a capacidade de compreensão de si e do outro. Estar diante do outro, interagir com ele, especialmente no plano da construção de um projeto comum, quando há o embate de personalidades diferentes, de idéias talvez antagônicas quando há necessidade de encontrar uma solução aceitável para ambos, reflete o princípio da compreensão, sem a qual o projeto seria inviável.

Compreender o outro é entender o ser humano, não apenas como objeto, mas como sujeito. Trata-se de empatia e de projeção. Na primeira, sente-se com o outro, na segunda, há a revelação. 

A formação de um transpsicomotricista parte de sua própria formação pessoal. Viver seu corpo, reconhecer sua imagem, refletir sobre seus fantasmas corporais e tomar consciência de si, estes são os objetivos almejados.

Finalmente, como mais uma proposta de busca pessoal e de estudo, chegamos à espiritualidade. Transcender, passar além, elevar-se acima, é o que se deseja, mas o que pode ultrapassar a matéria sem danificá-la senão a energia! Bohm afirma que a matéria se manifesta através do entrelaçamento de diferentes energias vibratórias. Assim, a física vem mostrar que o corpo matéria é energia vibratória, enquanto a filosofia, que apenas busca o entendimento, irá chamar essa mesma energia, que está no corpo matéria, de espírito. Mas o que vem a ser o espírito? Segundo Hegel, “a razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade, e quando é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como si mesma”. A categoria pura, neste caso, se eleva à razão. É possível então entender que a espiritualidade do ser está na sua consciência? Está no seu entendimento?

Hegel diz: “... o espírito em sua verdade simples, é consciência. O espírito é a essência absoluta real que a si mesma se sustem. O espírito é a substância e a essência universal, igual a si mesma e permanente: o inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de todos, seu fim e sua meta, como também o Em-si pensado de toda consciência-de-si. O espírito é a vida ética.”.

Torna-se possível pensar que o espírito exprime a mente que é corpo, através do coração, através da boca. Mas há sempre uma cisão entre o aquém e o além. Assim, para o filósofo italiano Rosmini, ocorre a necessidade de se ter uma relação. Para ele a alma é a relação entre o corpo e o espírito, sendo a alma o elemento plasmático do corpo e do espírito. Voltando ao pensamento inicial, o espírito exprime a mente, o corpo oprime a alma e o mundo deprime o espírito. Para a filosofia religiosa, o ser humano é inconsistente, sendo que Deus é consistente justamente porque o ser se contrapõe na sua essência. Entendemos então que a alma é energia que serve ao corpo e ao espírito e que o espírito necessita da alma. A expressão tão usada sobre o último sopro refere-se à saída da energia alma para fora do corpo. Perder a consciência de si é perder seu espírito, é perder sua essência, daí entender-se o espírito também como self. Mergulhar interiormente, buscar sua própria compreensão: na religiosidade, na pratica terapêutica, na meditação, significa em última análise a espiritualidade do corpo (homem), ou melhor dizendo o corpo (homem) que se espiritualiza, que busca transcender na medida em que ousa ser-reconhecer.

Olhar para dentro de si é caminhar no sentido da espiritualidade, é a possibilidade que o ser humano tem de união com o universo já que só assim poderá desapegar-se do que o contém, a superficialidade de seu corpo, erro e ilusão, que permanece na interconexão do Eu com o Universo.

Transcender, espiritualizar-se, ir além de suas fronteiras, pode ser uma conquista facilitada pela vivência transpsicomotora quando o indivíduo se permite mergulhar interiormente, viver seus demônios interiores, como Dante e suas passagens pelos vários infernos, descendo nas profundezas, conhecendo, conectando-se, para libertar-se, para ir além de suas esferas, sem perder-se de si mesmo, e assim, enfim, transcender-se. Será essa experiência divina a vivência do êxtase? Êxtase que significa fundir dois em um, que faz viver a unidade, a não separatividade, o nós somos, diferente de eu e você?

Assim, concluindo, a tecedura transpsicomotora se dá por meio de bases epistemológicas que contemplam, a partir da linguagem, os três pilares de sustentação teórica consolidados na psico-sócio-etno-ergopsicomotricidade, visão globalizada do homem em movimento e em relação.

Tal construção desenvolveu-se a partir da parceria consolidada com o Prof. Dr. Eduardo Costa, psicomotricista, companheiro nesta jornada e formador. Outras contribuições foram acontecendo nessa caminhada transdisciplinar como a da Prof.ª Dr.ª Lecy Consuelo Neves ao incursionar pela antropologia do corpo expressivo motor facilitando o acesso às possibilidades de pesquisa nesse campo.

Deixamos aqui registrado a ética profissional de Solange Thiers e todos que organizaram o V Congresso Brasileiro Ramain-Thiers pela abertura ao conhecimento de uma formação outra, que traz o respeito por Simone Ramain e pela direção segura e capacitada de Thiers ao tecer uma metodologia enriquecida pela sua experiência profissional e coerente com a sua visão pessoal.

Considerações finais

O conceito de transpsicomotricidade procura enfatizar a leitura do corpo, em movimento e em relação, permeada pelo pensamento complexo e pela multidimensionalidade do ser nessa relação.

O sufixo trans diz respeito ao sentido de, através, entre e além do corpo, propondo que o estudo da Psicomotricidade não se detenha nas polaridades corpo-psiquismo, mas que possa ir às polaridades primordiais da linguagem que constituem o conhecimento. Não se é nem se pensa sem o corpo, é a partir dele que se torna possível encontrar estados de maior plenitude, quando em relação ao espaço macro o indivíduo se harmoniza, não apenas nos limites do corpo próprio, mas ao romper a barreira do dualismo corpo interno/corpo externo.

A vivência, como síntese da experiência significada, manifesta-se na ação que transforma e resignifica. Colocar-se em estado de escuta do sussurrar da experiência sensível no corpo, é uma condição para perceber as imagens dessa artesania vivencial. Este é um exercício fundamental das práticas transpsicomotoras; desvendar os silêncios, ecos e ressonâncias, de um dizer inaudível dos códigos corporais de uma linguagem desconhecida.

O pensamento complexo atravessa a transdisciplinaridade, remetendo a uma reforma do pensamento e à quebra de paradigmas, possibilitando um estado alargado de consciência que favoreça o desenvolvimento de capacidades humanas, como a capacidade intuitiva, sensível, levando a um estado mais pleno e evoluído no plano cosmológico, como também, o respeito a todas as manifestações religiosas, sem, no entanto, deixar de lado o sentido de espiritualidade.

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SIMPSON, T. M. Linguagem, realidade e significado. SP: Ed. Francisco Alves, 1976.

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Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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