| 
						 
						  
						
						
						
						Artigo 1 
						
						  
						
						
						
						Transpsicomotricidade: uma tecedura 
						psico-sócio-etno-ergopsicomotora 
						 | 
						
						 
						   | 
					 
					 
			 
            
			  
			
			  
			
			
			Martha Lovisaro 
			
			  
			
			
			Prof.ª Adjunta (UERJ), mestre e livre docente 
			em psicologia educacional, psicomotricista, psicóloga, pedagoga, 
			pós-doutorado na Universidade do Porto. 
			
			  
			
			
			
			O convite a tecer demanda 
			estratégias: como tecer sem conhecer os pontos? Ramain-Thiers nos 
			impulsiona a tecer na ciranda da vida. Ramain nos ensinou os 
			primeiros pontos, Thiers nos convida a conhecer novas possibilidades 
			e nos abre o espaço para que apresentemos nossa criação que também 
			partiu dessas primeiras teceduras. Cada qual, com suas escolhas, 
			iniciam o trabalho. Hoje, ambas, podemos olhar nossas criações, 
			opinar, optar, celebrar e mostrar nossa arte. O Brasil tem suas 
			formações, com características próprias, que nos conferem o direito 
			de ser uma nova escola de Psicomotricidade. Nova, por apresentar 
			contornos metodológicos específicos e condizentes com as bases 
			primordiais que fundaram as suas práticas. 
			
			
			
			 A Transpsicomotricidade é uma 
			formação em construção apesar de uma década de existência. 
			Continuará em processo de tecedura. Uma obra que não se finda, 
			sempre haverá algo mais a ser feito, mas, no entanto, não se apoia 
			no sentido da incompletude e sim na complexidade do humano, na 
			impossibilidade de se fechar em sistemas pré-determinados que acabem 
			por se definir em paradigmas incontestáveis. 
			
			Trata-se de uma formação que se 
			enriquece ao redor de duas fontes de conhecimento: o pensamento 
			complexo e a transdisciplinaridade. A tecedura se faz por meio de 
			alguns pilares que lhe conferem especificidade. Um deles diz 
			respeito à ecologia do ser. Trata-se de um olhar que determina o 
			comportamento atento e vigilante do transpsicomotricista. Deixar 
			agir em liberdade, e deste agir, extrair todo o fenômeno que possa 
			ocorrer na relação do sujeito com o seu ambiente, ação que demanda 
			um esforço tal que só a prática poderá minimizar. É evidente que a 
			mesma atitude deve ter o psicomotricista de qualquer prática 
			psicomotora. A especificidade, no entanto, está em ser este um ponto 
			básico, onde tudo o mais irá repercutir nessa atitude observadora. O 
			sujeito atendido pode estar na mais aparente desorganização. Este 
			olhar deverá estar buscando o que pode nessa desordem trazer um 
			sinal auto-organizador, autoprodutor, autodeterminado, mesmo que 
			fugaz, simbólico, subjetivo. Pode ser no espaço, na localização do 
			corpo no lugar do atendimento. Pode ser com o objeto que está sendo 
			manipulado. Pode ser com o outro que está ao lado. Pode ser no 
			tempo; há algum sinal de auto-organização desse tempo? De 
			determinação temporal sobre algo que está sendo realizado com o 
			corpo ou com objetos ou mesmo com o corpo do outro? Afinal, há 
			sinais de organização de potencial produtivo e determinado em 
			relação ao próprio corpo em detrimento de todo o espocar de emoções 
			incontidas e de atitudes caóticas? 
			
			É importante perceber, a mesma 
			atitude que se tem com aquele que é atendido, deve estar dirigida 
			também para a instituição que o acolhe. Um bom exemplo é o da escola 
			onde se nota um mau aproveitamento de seus espaços externos. O olhar 
			ecológico, quando bem aproveitado, pode levantar dados importantes 
			sobre a concepção pedagógico-educativa da instituição. Assim também 
			é adequado pensar no contexto familiar e na humanização do formando.  
			Esse será um outro tema, ainda que ligado a ecologia do ser, que 
			pode ser visto como um segundo pilar dessa prática. A auto escuta 
			organizadora parte da formação vivencial. “A psicomotricidade não se 
			ensina, se vive”, esta afirmativa pode ser lida em alguns autores, 
			mas foi nos idos de 70 que a ouvimos pela primeira vez enunciada por 
			Simone Ramain. 
			
			A formação pessoal na 
			Transpsicomotricidade tem a preocupação, além do que se espera na 
			vivência da prática psicomotora com o autoconhecimento e o domínio 
			da técnica, de refletir e fortificar as relações humanas, As 
			questões éticas são vividas, tomando por base os “sete saberes para 
			uma educação do futuro” de Morin (2002). As sessões formativas ficam 
			contextualizadas por esses saberes que se desdobram ao longo do 
			curso. O auto controle depende do auto conhecimento, mas sobre tudo 
			da capacidade de auto gerenciamento dos códigos já inscritos no 
			formando; trata-se, portanto, de ato educativo ao conferir padrões 
			de conduta que, quando realizados por condicionamento, não passam 
			pela consciência, tão necessária para o uso de comportamentos 
			apropriados quando em situações emocionais adversas. 
			
			Assim, as sessões formativas, a 
			partir do canal corpo mental: psicomotor, ou seja, através de 
			propostas de ação e movimento, encontram seu objetivo ao levar o 
			formando a expressar-se livremente e a cultivar a consciência dos 
			seguintes aspectos que fazem parte de uma ecologia pessoal: 
			
				
					
						| 
						 
						• 
						  
						  
						   | 
						
						Cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão. Levar o 
						formando a perceber que suas visões do mundo, opiniões e 
						valores, estão atravessados pelo erro e a ilusão 
						provocada pela possessão da cultura que possuem. | 
					 
					
						| 
						    | 
						  | 
					 
					
						| 
						 
						• 
						  
						  
						   | 
						
						Princípios do conhecimento pertinente: despertar a 
						reflexão do que seria importante aprender e ensinar em 
						prol da harmonia das interações próximas e das 
						intervenções saudáveis quanto aos problemas planetários. 
						Religação disciplinar. | 
					 
					
						| 
						    | 
						  | 
					 
					
						| 
						 
						• 
						  
						  
						   | 
						Condição 
						humana: refletir sobre a complexidade humana e a 
						necessidade de um olhar poliocular para compreendê-la, 
						desenvolvendo a necessidade de comunhão e respeito pela 
						diversidade e singularidades | 
					 
					
						| 
						    | 
						  | 
					 
					
						| 
						 
						• 
						   | 
						
						Identidade terrena: ir ao encontro de uma identidade 
						planetária através da consciência ecológica. | 
					 
					
						| 
						    | 
						  | 
					 
					
						| 
						 
						• 
						  
						   | 
						
						Enfrentar as incertezas: compreender que a incerteza é 
						irredutível e que é necessário maleabilizar-se e 
						enfrentar estrategicamente as dificuldades. | 
					 
					
						| 
						    | 
						  | 
					 
					
						| 
						 
						• 
						   | 
						
						Compreensão: desenvolver a comunicação, comunhão e 
						compreensão de si e do outro | 
					 
					
						| 
						    | 
						  | 
					 
					
						| 
						 
						• 
						  
						   | 
						Ética do 
						gênero humano: desenvolver a antropoética, a consciência 
						da tríade indivíduo/sociedade/espécie. A cidadania 
						terrestre, a democracia e a percepção da terra como 
						pátria. | 
					 
				 
			 
			
			Na procura por uma formulação 
			lógica para a transpsicomotricidade encontra-se toda a tecedura 
			necessária a partir da disciplinaridade que sustenta a 
			psicomotricidade e sua prática. Enquanto conceito paradigmático, a 
			disciplinaridade tem sua regência na lógica da delimitação de 
			processos de sistematização e condutas específicas na organização de 
			cada campo disciplinar. Procedimento que se constitui a partir das 
			estratégias de formulação conceitual e descrição de métodos, 
			mediadas por argumentos lógicos e recursos epistemológicos, ao 
			demarcar as fronteiras do conhecimento. 
			
			A transpsicomotricidade, ao se 
			constituir como ordem epistemológica, busca a interação entre 
			conceitos, métodos e práticas, dentro de uma axiomática geral, sem 
			demarcação definida. Por essa via, a transpsicomotricidade procura 
			se estabelecer num lugar de equilíbrio entre disciplinas no qual 
			possa gerenciar os seus processos de sistematização do conhecimento 
			relacionados ao fenômeno transpsicomotor, enquanto dinâmica vincular 
			que integra sujeito, corpo, significado e expressão, tendo como 
			princípio regente a lógica da descoberta. 
			
			Nessa abordagem do fenômeno 
			expressivo motor, como empregar uma metodologia que procure atender 
			a multidimensionalidade da experiência humana e práticas com 
			recursos vivenciais que as sustentem? Como um fenômeno complexo, a 
			expressividade motora encontra na teoria vincular algumas respostas 
			para o significar/expressar, tendo como suporte os conceitos de 
			sociedade, cultura e sujeito/mente/corpo. 
			
			O objeto de estudo, portanto, 
			configura-se no âmbito de relações disciplinares abertas, 
			estabelecendo um diálogo primordial entre corpo, linguagem e 
			expressividade motora. Trata-se de um estudo onde o corpo é visto 
			como instância transversal ao atualizar o seu patrimônio bio-simbólico. 
			Neste sentido o fenômeno psicomotor é entendido na relação corpo/subjetividade, 
			sendo abordado em diferentes campos teóricos, metodológicos e das 
			práticas. A configuração teórico-metodológica da formação tem na 
			elaboração de práticas vivenciais o seu eixo central na construção 
			de um saber que objetiva o exercício da composição da integridade 
			pessoal: sujeito, corpo, linguagem, significado/sentido, percepção/sensação, 
			atitudes e os atos de convivência. 
			
			O corpo, morada existencial da 
			vida, acolhe em plenitude o ser, porém este poderá ou não constituir-se 
			como existência e plenitude.  Assim o corpo é entendido como uma 
			ponte entre sujeito e objeto. 
			
			Como a Biologia vem desvendando o 
			corpo, suas entranhas e segredos, também se faz necessário conhecer 
			a gênese do significar e expressar do corpo.  Essa tecedura entre 
			realidade externa (registros perceptivos) e subjetividade (registros 
			simbólicos) realiza-se como síntese na experiência tendo o corpo 
			como tear e o sujeito como tecelão, e a existência como maestrias 
			primais dessa arte. A experiência é um atravessamento que transforma 
			o sujeito, reorganiza a subjetividade, redesenha o tônus, reconstrói 
			a arquitetura corporal, reinventando novas coreografias e máscaras.
			 
			
			A denominação “trans” diz 
			respeito ao sentido de, através, entre e além do corpo. Tal 
			denominação traz a proposição de que o estudo da psicomotricidade 
			não se detenha nas polaridades corpo-psiquismo, mas que possa ir às 
			polaridades primordiais da linguagem que constituem o conhecimento. 
			Não somos nem pensamos sem o corpo, mas a partir dele podemos 
			encontrar estados de maior plenitude quando em relação ao espaço 
			macro nos harmonizamos, não apenas nos limites do corpo próprio, mas 
			ao rompermos as barreiras do dualismo corpo interno-corpo externo. 
			
			A teia transpsicomotora organiza 
			sua tecedura em torno de três perspectivas que se conjugam em 
			vínculos primordiais na formação de uma visão globalizada de homem 
			em movimento e em relação: 
			
				
					
						| 
						 
						• 
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						   | 
						
						 
						
						Ergopsicomotricidade: refere-se à consciência do gesto, 
						conduzindo ao conhecimento entre o corpo que se valoriza 
						e o corpo desconsiderado, que não cuida da fadiga. O 
						homem adaptado ao seu meio trabalha para o seu progresso 
						social, democrático e econômico. A ergopsicomotricidade 
						tem como objeto de estudo o corpo produtivo e sua agenda 
						expressiva motora laboral, vistas a partir da relação 
						trabalho/descanso, segundo as bases psicomotoras. As 
						práticas vivenciais, enquanto recurso psicomotor, 
						objetivam trabalhar a experiência corporal da 
						investidura constituída e coletivamente partilhada no 
						contexto ritual das organizações, buscando resgatar o 
						lugar e o tempo íntimo do corpo e sua presencialidade, 
						bem como os níveis de consciência nela estabelecidos e 
						ou acessados pelo sujeito.  | 
					 
					
						| 
						    | 
						  | 
					 
					
						| 
						 
						• 
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						   | 
						
						 
						A 
						sociopsicomotricidade enriquece o estudo com a junção 
						dos enfoques social e de atuação, visando o corpo 
						trabalhado para o bem estar do homem, mas especialmente 
						para um corpo que existe em sociedade. Aborda os 
						fenômenos da convivência na dimensão da consciência 
						individual e das ações sociais e trocas simbólicas em 
						suas possibilidades expressivas motoras. A prática 
						trans, nesse caso, se constitui como um recurso mediador, 
						vínculo revitalizante entre indivíduo, corpo e sociedade 
						na restauração da pessoa como unidade psíquica. A 
						atividade corporal assim concebida poderá criar novas 
						possibilidades éticas e estéticas de ser e estar. A 
						realidade socializadora do cotidiano é um fato educativo. 
						Seja pela internalização das rotinas, seja das formas e 
						da natureza dos eventos, o vivido é um artefato 
						socialmente construído e a corporeidade não escapa aos 
						efeitos desses condicionamentos.  | 
					 
					
						| 
						    | 
						  | 
					 
					
						| 
						 
						• 
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						  
						   | 
						
						 
						A 
						etnopsicomotricidade traz a compreensão crítica e 
						transdisciplinar da cultura da coexistência, indo ao 
						encontro de uma abordagem que parte do exercício teórico/vivencial 
						das alternativas solidárias de convivência humana. 
						Estuda enquanto etnologia aplicada, a cultura motora a 
						partir das relações entre conteúdos biosimbólicos, 
						corporeidade e praxiologia motriz: modos de significar e 
						expressar.  Lidar com a individualidade constitui um dos 
						desafios da convivência. Seja como um exercício pessoal, 
						ou no acolhimento do outro, uma atitude relativizadora 
						se constitui em ferramenta eficaz na apreensão e manejo 
						da diferença. Este é um dos exercícios que conduz a uma 
						convivência saudável. Este é o estado da arte. Entregar-se 
						à possibilidade “do inesperado” é oxigenar a consciência, 
						fazendo-se presente num corpo presencialmente vivo. O 
						homem é responsável pela qualidade de seu pensamento, 
						sua integridade, vitalidade do corpo, a gerência da 
						cognição e afetos e das relações humanas, consigo mesmo, 
						com o outro e com a natureza. Cabe ao 
						transpsicomotricista considerar a etnopsicomotricidade 
						como ecologia do corpo, reconhecendo a abrangência de 
						suas significações no ser global, especialmente neste 
						país, onde encontramos várias áreas culturais 
						determinando comportamentos e formas de viver 
						diversificadas em um mesmo território.  | 
					 
				 
			 
			
			O principal fundamento da 
			transpsicomotricidade é a linguagem que se estabelece na coesão de 
			enunciados objetivos do pensamento, sem que seja, ela própria, nem 
			sujeito, nem objeto. Como um registro primordial de humanização do 
			corpo, a linguagem é a chave para a compreensão dos fenômenos 
			humanos. Em seu percurso gerativo transcreve o sujeito no objeto e o 
			objeto no sujeito. Dinâmica que se estabelece no corpo e promove as 
			mais diversas formas e impulsos para as ações. Em sua dimensão 
			biológica e da natureza a linguagem se faz parceira do sujeito para 
			lhe dar condições de sustentar e inventar-se como criador e criatura. 
			Imerso em condições orgânicas, naturais, sócio-simbólicas e 
			políticas o sujeito busca as brechas, esforço criativo, que permite 
			sua participação ativa na construção de si e do corpo como agente, 
			pessoa, e transformador da realidade. 
			
			Nessa perspectiva, o homem é um 
			fenômeno linguístico em sua capacidade de acolher grande número de 
			signos consensuais e de criar outros, um dos aspectos e 
			possibilidades da linguagem humana. 
			
			A configuração do significado 
			como unidade simbólica, em um corpo que o constitui e integra, 
			demarca o campo de linguagem pessoal configurada no esquema, imagem 
			corporal, desenho tônico, coreografia e ritmo motor. 
			
			Ao testemunhar e significar um 
			evento, o sujeito irá reunir registros perceptivos, sensitivos, da 
			cognição, afeto, localização no espaço e no tempo, formatando uma 
			nova unidade bio-simbólica. 
			
			O processo de construção da 
			linguagem, na dimensão do significar/expressar/corporeidade é sempre 
			um fenômeno vivencial do qual o sujeito participa com maior ou menor 
			consciência de si. A natureza do campo de significação do sujeito 
			está relacionada aos níveis de consciência com os quais o corpo 
			pensa, opera, e que, por sua vez, irá definir a qualidade da energia 
			psíquica convocada nesse processo. 
			
			A linguagem, no âmbito das 
			práticas psicomotoras, de modo geral, fica marcada pela relevância 
			que lhe é conferida no campo da expressividade ou da gestualidade, 
			no e pelo movimento. No entanto, a fala não pode ser esquecida. Ela 
			é um organizador dos conteúdos vivenciados. Ao viver no corpo uma 
			história, esta se inscreve no campo afetivo de forma muito 
			potencializada pelas energias que ali circulam. A potencialização 
			dos afetos no corpo concorre para uma também mais potente 
			manifestação interior, facilitando o livre acesso ao psiquismo e ao 
			inconsciente através da vivência corporal. A fala é o complemento 
			necessário para que se instale a compreensão do vivido e sentido. 
			
			Aprender com o corpo e pelo corpo 
			consiste em estabelecer um aprendizado ativo e participativo no qual 
			o processo criador renova e expande as possibilidades do 
			conhecimento. Aqui, a transdiscplinaridade pode ser exercitada pela 
			união das várias disciplinas, em que o eixo principal será o sujeito, 
			seu corpo, sua expressão corporal e verbal e tudo o mais que o 
			constitui, da sua história pessoal à história do mundo em que habita. 
			
			Na questão temporal, o 
			distanciamento do objeto permite a emergência do Eu (sujeito): eu 
			sou porque me reconheço entre outras coisas do mundo próximo ou 
			distante. Eu existo porque sou no tempo e no espaço. Eu sou, porque 
			existo, nesse mesmo tempo e espaço, redimensionado por minhas 
			percepções e possibilidades de agir atuando sobre o tempo e o espaço 
			que me determinam. Nessa rede de conjunções, ou estamos abertos à 
			experiência ou ficaremos à margem do conhecimento que se faz 
			pertinente, como uma moeda: ela valerá sempre como uma moeda, se 
			pudermos reconhecer suas duas faces que a complementam e lhe dão 
			valor. 
			
			Ao colocar o corpo no foco da 
			atenção individualizada, a transpsicomotricidade conduz o sujeito a 
			exercitar o autoconhecimento e, dessa forma, atingir a capacidade de 
			compreensão de si e do outro. Estar diante do outro, interagir com 
			ele, especialmente no plano da construção de um projeto comum, 
			quando há o embate de personalidades diferentes, de idéias talvez 
			antagônicas quando há necessidade de encontrar uma solução aceitável 
			para ambos, reflete o princípio da compreensão, sem a qual o projeto 
			seria inviável. 
			
			Compreender o outro é entender o 
			ser humano, não apenas como objeto, mas como sujeito. Trata-se de 
			empatia e de projeção. Na primeira, sente-se com o outro, na segunda, 
			há a revelação.   
			
			A formação de um 
			transpsicomotricista parte de sua própria formação pessoal. Viver 
			seu corpo, reconhecer sua imagem, refletir sobre seus fantasmas 
			corporais e tomar consciência de si, estes são os objetivos 
			almejados. 
			
			Finalmente, como mais uma 
			proposta de busca pessoal e de estudo, chegamos à espiritualidade. 
			Transcender, passar além, elevar-se acima, é o que se deseja, mas o 
			que pode ultrapassar a matéria sem danificá-la senão a energia! Bohm 
			afirma que a matéria se manifesta através do entrelaçamento de 
			diferentes energias vibratórias. Assim, a física vem mostrar que o 
			corpo matéria é energia vibratória, enquanto a filosofia, que apenas 
			busca o entendimento, irá chamar essa mesma energia, que está no 
			corpo matéria, de espírito. Mas o que vem a ser o espírito? Segundo 
			Hegel, “a razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade 
			se eleva à verdade, e quando é consciente de si mesma como de seu 
			mundo e do mundo como si mesma”. A categoria pura, neste caso, se 
			eleva à razão. É possível então entender que a espiritualidade do 
			ser está na sua consciência? Está no seu entendimento? 
			
			
			Hegel diz: “... o 
			espírito em sua verdade simples, é consciência. O espírito é a 
			essência absoluta real que a si mesma se sustem. O espírito é a 
			substância e a essência universal, igual a si mesma e permanente: o 
			inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de 
			todos, seu fim e sua meta, como também o Em-si pensado de toda 
			consciência-de-si. O espírito é a vida ética.”. 
			
			Torna-se possível pensar que o 
			espírito exprime a mente que é corpo, através do coração, através da 
			boca. Mas há sempre uma cisão entre o aquém e o além. Assim, para o 
			filósofo italiano Rosmini, ocorre a necessidade de se ter uma 
			relação. Para ele a alma é a relação entre o corpo e o espírito, 
			sendo a alma o elemento plasmático do corpo e do espírito. Voltando 
			ao pensamento inicial, o espírito exprime a mente, o corpo oprime a 
			alma e o mundo deprime o espírito. Para a filosofia religiosa, o ser 
			humano é inconsistente, sendo que Deus é consistente justamente 
			porque o ser se contrapõe na sua essência. Entendemos então que a 
			alma é energia que serve ao corpo e ao espírito e que o espírito 
			necessita da alma. A expressão tão usada sobre o último sopro refere-se 
			à saída da energia alma para fora do corpo. Perder a consciência de 
			si é perder seu espírito, é perder sua essência, daí entender-se o 
			espírito também como self. Mergulhar interiormente, buscar sua 
			própria compreensão: na religiosidade, na pratica terapêutica, na 
			meditação, significa em última análise a espiritualidade do corpo (homem), 
			ou melhor dizendo o corpo (homem) que se espiritualiza, que busca 
			transcender na medida em que ousa ser-reconhecer. 
			
			Olhar para dentro de si é 
			caminhar no sentido da espiritualidade, é a possibilidade que o ser 
			humano tem de união com o universo já que só assim poderá desapegar-se 
			do que o contém, a superficialidade de seu corpo, erro e ilusão, que 
			permanece na interconexão do Eu com o Universo. 
			
			Transcender, espiritualizar-se, 
			ir além de suas fronteiras, pode ser uma conquista facilitada pela 
			vivência transpsicomotora quando o indivíduo se permite mergulhar 
			interiormente, viver seus demônios interiores, como Dante e suas 
			passagens pelos vários infernos, descendo nas profundezas, 
			conhecendo, conectando-se, para libertar-se, para ir além de suas 
			esferas, sem perder-se de si mesmo, e assim, enfim, transcender-se. 
			Será essa experiência divina a vivência do êxtase? Êxtase que 
			significa fundir dois em um, que faz viver a unidade, a não 
			separatividade, o nós somos, diferente de eu e você?  
			
			Assim, concluindo, a tecedura 
			transpsicomotora se dá por meio de bases epistemológicas que 
			contemplam, a partir da linguagem, os três pilares de sustentação 
			teórica consolidados na psico-sócio-etno-ergopsicomotricidade, visão 
			globalizada do homem em movimento e em relação. 
			
			Tal construção desenvolveu-se a 
			partir da parceria consolidada com o Prof. Dr. Eduardo Costa, 
			psicomotricista, companheiro nesta jornada e formador. Outras 
			contribuições foram acontecendo nessa caminhada transdisciplinar 
			como a da Prof.ª Dr.ª Lecy Consuelo Neves ao incursionar pela 
			antropologia do corpo expressivo motor facilitando o acesso às 
			possibilidades de pesquisa nesse campo. 
			
			Deixamos aqui registrado a ética 
			profissional de Solange Thiers e todos que organizaram o V Congresso 
			Brasileiro Ramain-Thiers pela abertura ao conhecimento de uma 
			formação outra, que traz o respeito por Simone Ramain e pela direção 
			segura e capacitada de Thiers ao tecer uma metodologia enriquecida 
			pela sua experiência profissional e coerente com a sua visão pessoal. 
			
			Considerações finais 
			
			O conceito de 
			transpsicomotricidade procura enfatizar a leitura do corpo, em 
			movimento e em relação, permeada pelo pensamento complexo e pela 
			multidimensionalidade do ser nessa relação.  
			
			O sufixo trans diz respeito ao 
			sentido de, através, entre e além do corpo, propondo que o estudo da 
			Psicomotricidade não se detenha nas polaridades corpo-psiquismo, mas 
			que possa ir às polaridades primordiais da linguagem que constituem 
			o conhecimento. Não se é nem se pensa sem o corpo, é a partir dele 
			que se torna possível encontrar estados de maior plenitude, quando 
			em relação ao espaço macro o indivíduo se harmoniza, não apenas nos 
			limites do corpo próprio, mas ao romper a barreira do dualismo corpo 
			interno/corpo externo. 
			
			A vivência, como síntese da 
			experiência significada, manifesta-se na ação que transforma e 
			resignifica. Colocar-se em estado de escuta do sussurrar da 
			experiência sensível no corpo, é uma condição para perceber as 
			imagens dessa artesania vivencial. Este é um exercício fundamental 
			das práticas transpsicomotoras; desvendar os silêncios, ecos e 
			ressonâncias, de um dizer inaudível dos códigos corporais de uma 
			linguagem desconhecida. 
			
			O pensamento complexo atravessa a 
			transdisciplinaridade, remetendo a uma reforma do pensamento e à 
			quebra de paradigmas, possibilitando um estado alargado de 
			consciência que favoreça o desenvolvimento de capacidades humanas, 
			como a capacidade intuitiva, sensível, levando a um estado mais 
			pleno e evoluído no plano cosmológico, como também, o respeito a 
			todas as manifestações religiosas, sem, no entanto, deixar de lado o 
			sentido de espiritualidade. 
			
			Bibliografia 
			
			BRAN,J. Language y sociedad. 
			Buenos Aires: Paidós, 1971. 
			BERGSON, H. Matéria e memória, SP: Ed. Martins Fontes, 1999. 
			BRANCO, L. C. & BRANDÃO, R.S. A força da letra. Belo 
			Horizonte: Ed. UFMG, 2000. 
			BAKHTIN, H. Filosofia da linguagem. SP: Ed. Hucitec, 1979. 
			BRETON, D. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis: 
			Ed. Vozes, 2011. 
			ECHEVERRIA, R. Antologia del lenguaje. Buenos Aires: Ed. 
			Gravica, 2012. 
			ECO, HUMBERTO. O signo. Lisboa: Ed. Presença, 1973. 
			ECO, HUMBERTO. As formas do conteúdo. SP: Ed. Perspectiva, 
			1974. 
			GELD, M. Aprendizado do corpo. SP: Ed. Martins Fontes, 2000. 
			HEGEL.G.W.F. Fenomenologia do espírito I e II. Petrópolis: 
			Vozes, 1997. 
			LE CAMUS, J. O corpo em discussão da reeducação psicomotora às 
			terapias de mediação corporal. PA: Ed. Artes Médicas, 1986. 
			LOVISARO, MARTHA. In Gutierres& Fernandes. Psicomotricidade: 
			abordagens emergentes. SP: Manole, 2012. 
			LOVISARO, MARTHA.& COSTA EDUARDO In Prista. As formações 
			brasileiras em psicomotricidade.RJ:All Print, 2010. 
			MORIN, E. Meus demônios. RJ: Ed. CBD, 1997. 
			MORIN.E. Os sete saberes. São Paulo: Cortez, 2002 
			NEVES. LECY CONSUELO. Micro sistema de comunicação & identidade 
			de gênero. RJ: Escola de Comunicação, Tese de doutoramento, 
			1993. 
			PORTELA, EDUARDO. Interrelação das ciências da linguagem. RJ: Ed. 
			Gernasa, 1974. 
			SIMPSON, T. M. Linguagem, realidade e significado. SP: Ed. 
			Francisco Alves, 1976.  |