Artigo
Adolescência:
Identidade x
Profissão
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Mara Lutz
Psicóloga. Enfermeira. Sociopsicomotricista Ramain-Thiers. Mestranda
em Psicologia. Autora: O Universo das Convivências. Consultora
Empresarial.
Antes, porém, de discorrer sobre o caso clinico é
necessário algumas explicações e observações iniciais: procuro
trabalhar com a família, pois percebo que ela se trabalhada e
orientada, pode ser uma coadjuvante no resgate da saúde do filho,
sei porem, que existem riscos tanto no buscá-los como aliados,
quanto permanecer somente com o cliente, pois nem sempre conseguimos
detectar o limite de tolerância do mesmo, ao lidar com determinados
graus de frustrações, por isso percebo que o terapeuta, precisa
estar muito consciente naquilo que acredita e em que momento atuar e
de que forma, assim como buscar sabedoria Divina. Até me atreveria
dizer que este é um dos grandes riscos da profissão, detectar estes
momentos, para poder atuar neles.
As questões iniciais basearam-se nos seguintes dados:
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A apresentação deste estudo de caso envolveu os seguintes dados:
TSS, 25 anos de idade, formada em Direito, passou nas duas provas da
Ordem dos Advogados, solteira, iniciou o Tratamento Psicológico em
Novembro de 2010, na cidade de Campo Grande- MS.
·
Queixas principais:
Dúvidas na área profissional, tanto em relação à escolha, quanto ao
“choque” de valores, ao se deparar com determinadas situações
profissionais, conflitos pessoais, sociais e familiares, dificuldade
de ser “julgada”, ficou desempregada, teve um aumento de peso em 20
Kg, desmotivação e labilidade emocional acentuada, depressão desde
criança e pai também com história de depressão.
·
Mecanismos de Defesa, Sentimentos e Atitudes Observadas:
isolamento, formação reativa, projeção, Negações eventuais,
Hostilidade para consigo mesma e para com os outros.
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Características gerais observadas no encontro com pais e TSS, no
momento da devolutiva:
Pai: falava pouco, dificuldades afetivas na relação com filhos,
esperava “sempre” pela iniciativa da esposa; Mãe: dominadora,
protetora e intermediadora, diante da observação apresentava
comportamentos de desconfiança e olhar interrogativo; TSS- Chorava
quase o tempo todo.
·
A base do trabalho: Metodologia Ramain-Thiers.
·
Motivadores para mudanças de categorias: foram as
percepções das necessidades ou o aparecimento de mecanismos de
defesas específicos (por exemplo, formação reativa) bem como a
interpretação da própria verbalização e solicitação de TSS.
O trabalho psicológico com TSS envolveu dúvidas e
hipóteses iniciais, para isto pensou-se na possibilidade de estar
havendo interferências de uma simbiose tardia no processo emocional
de TSS e os vários momentos da psicoterapia foram sendo escolhidos
de acordo com determinadas “urgências” em que se procurou
estabelecer objetivos específicos e é importante salientar que nesse
período a prioridade foi a terapia individualizada, mas
eventualmente iam sendo trabalhadas outras necessidades de forma
diferenciadas.
De acordo com Braier (1991): “[...] em muitas ocasiões
uma terapia de objetivos e tempo limitados pode ser o passo inicial
em direção a um posterior tratamento, [...] que poderá trazer, como
resultado, uma mudança nas condições do paciente que o torne apto
para efetuar, em seguida, uma psicoterapia prolongada”.
Em função de todas estas questões o processo acabou
desenvolvendo-se da seguinte forma, tanto em relação a atuação,
quanto a objetivos e o mesmo apresentou-se da seguinte forma: a)
Orientação Profissional – Objetivo: Tentar dirimir as dúvidas quanto
a escolha profissional (que foi o motivo que trouxe a cliente ao
consultório); b) Trabalho Individual - Objetivo: Desenvolver a
terapia propriamente dita; c) Trabalhos Eventuais com os Pais -
Objetivo: Perceber a dinâmica familiar e tentar clarear algumas
questões que se fizessem necessárias (sendo realizado um encontro
por mês num total de dois); d) Trabalho com TSS e Mãe - (uma vez ao
mês e que acabou ocorrendo num total de três encontros, sendo que
após este período ela não tolerava mais a situação, percebendo-se
desta forma que ela estava desenvolvendo limites) – Objetivo:
Perceber o vínculo e lidar em algumas questões possíveis; e) Resgate
do Trabalho Individual - Objetivo: Continuar a terapia propriamente
dita; f) Trabalho com o pai - (uma vez ao mês, sendo que ele só veio
em um)- Objetivo: Tentar uma reaproximação de TSS com o pai, pois
era possível perceber esta necessidade em relação a ela; g) Trabalho
Grupal - Procurar trabalhar mais profundamente o sentido de
realidade, fato este que o pai teve dificuldade.
As escolhas fazem parte da vida e a todo momento elas
acompanham os indivíduos, mas como fazer estas escolhas envolvem
atos que em algum as vezes necessitam estar mais claros e
conscientes e um desses momentos é o da Escolha Profissional.
Por esta razão, procurou-se iniciar pela Orientação
Profissional, pois alguns esclarecimentos precisavam ser clareados,
devido a cliente chegar com muitas dúvidas: “será que escolhi a
profissão errada?”; ao mesmo tempo em que ela mesma, dizia: “[...]
eu não gostaria de desistir de tudo, eu já tenho meus colegas”,
verbalizações estas que demonstram conflitos emocionais.
Ela havia escolhido uma profissão (Advocacia) que costuma
apresentar um perfil característico, entre eles: autoconfiança,
assertividade, capacidade persuasiva, consciência sobre necessidade
de defender, ser julgado e julgar, entre outras.
Já as características de comportamento e de personalidade
de TSS envolviam “quase tudo” contrário a este perfil, como: falta
de iniciativa e decisão, dificuldade em lidar com frustrações,
autopunição e autopiedade, muito influenciada por decisões da mãe,
pouco diálogo com o pai e mãe, referia querer “poupá-los” de suas
questões emocionais, rivalidades com a irmã, labilidade emocional
acentuada, desvalorização de suas próprias capacidades.
Após esta fase inicial, percebeu-se que o seu
Desenvolvimento Psicossexual (Freud), em relação TSS e a profissão,
a primeira apresentava-se na fase oral-anal e a segunda na fase
fálica- genital, ou seja, a idade cronológica não acompanhava a
idade emocional e o desempenho profissional exigia um processo
emocional mais amadurecido.
A cliente já havia feito terapia em outras ocasiões e ela
fez a seguinte afirmação em relação as mesmas: “[...] toda a vez
que eu começava a me posicionar diante dos meus pais, a mãe me
tirava da terapia [...]”, fato este que também pode ser
percebido algumas vezes no processo atual, o que me levou a pensar
que talvez estivesse havendo algum tipo de ganho emocional na
atitude da mãe, o que foi possível ficar mais claro durante as
atividades desenvolvidas entre mãe e filha.
Por estas razões percebi a necessidade de utilizar
algumas questões, a fim de contribuir na superação das dificuldades
emocionais da paciente e para isto ela precisaria superar algumas
questões: como dificuldades no processo de individuação e
necessidade da interdição, entre outras.
Os filhos que se mantém na dependência dos pais, além do
período necessário, acabam por se tornar inseguros, sem criatividade
e iniciativa, devido a sentimentos como o medo, o que acaba
interferindo sobremaneira na autonomia e confiança própria.
De acordo com Silva (apud Knobel, 2003): “Para atingir a
maturidade é necessário ter individualidade e independência reais. A
separação progressiva dos pais, a entrada na turma, e a posterior
individualização discriminativa são passos necessários do processo
evolutivo humano”, [...] , “As instabilidades são necessárias e
devem ser superadas”.
TSS-
sentia-se cobrada, passava imagem de que estava tudo bem e em uma
das declarações se posicionou da seguinte forma: “[...] acho que
fui ensinada a não reagir [...], pode ser por medo de rejeição,
punição [...]”.
Foi escolhido como base deste trabalho por que ele
contribui como a entrada do pai na relação entre mãe e filho, num
sentido de fazer uma interdição, favorecendo a entrada do limite.
Em se tratando de Lobo, Mazzolini e Castro (in Thiers,
2001): “[...] o Método Ramain-Thiers é um instrumento clínico que
permite a visualização e a compreensão de fenômenos psíquicos do
sujeito”.
Estarei citando apenas alguns momentos da terapia de TSS,
através de alguns Orientadores, que acredito que facilitarão a
compreensão do caso e procurarei dividir em categorias, são elas:
·
CATEGORIA INDIVIDUAL:
(durante a orientação profissional e posterior a ela)
AD 14 aves-
Para Thiers, (1992): “[...] Caracterizado por um grau de
maturidade, [...] fase que faz com que os adolescentes, [...]
caminhe para o mundo adulto, [...] elaboração de fixações, condição
de dar e receber, satisfazer-se [...] reencontrar-se com questões
danificadas”.
Esta
atividade envolveu escolhas e para que elas ocorressem de forma mais
segura é necessário um desenvolvimento emocional, o que nem sempre é
realidade.
No caso
específico de TSS, após aplicação da técnica específica a mesma
apresentou as seguintes falas significativas: “[...] o erro
estragou [...]”, “[...] minha irmã sabe pintar [...]”, “[...] mãe
acha que não levo jeito, [...] ela define: você sabe [...] você não
sabe [...]”, estas verbalizações facilitam a percepção de que as
cobranças pessoais eram intensas, baixa-estima, rivalidades e
intenso significado nas palavras maternas, ou seja, ainda estava
mostrando o processo de individuação não estava finalizado. É
importante esclarecer que 80% do período de tratamento foi
individual, todas as atividades desenvolvidas por ela era com
bastante dedicação, sua verbalização fluía naturalmente, ela
conseguia perceber questões importantes que diziam respeito a sua
dinâmica pessoal, mas a fala dos pais em relação a ela eram
absorvidas de forma intensa, por isso que senti necessidade de
trazê-los em alguns momentos, a fim de compreender melhor estas
questões emocionais que envolviam a situação.
Procurei
citar em forma de categorias, por terem sido estes momentos por
demais significativos.
�
CATEGORIA DUPLA COM A
MÃE
E 600-18 –
TSS- “Vejo
a mãe como forte, [...] negativa... preciso de sua avaliação, [...]
uma acaba interferindo demais na vida da outra [...]”.
Nesta
atividade percebeu-se que existiam dificuldades com relação a
limites, tanto da parte de uma, quanto da outra e o fato de TSS não
ter colado e a mãe sim, isto facilitou a percepção de questões que
se relacionavam a ela própria, o que ela pode verbalizar através das
seguintes palavras: “[...] mexeu comigo não ter fixado”, era
uma de suas tendências a concluir suas atividades.
�
CATEGORIA BASEADA NA TENTATIVA DE DUPLA COM O PAI
Ele só veio em um dos encontros, nos demais sempre havia motivos que
o impediam de comparecer.
·
TENTATIVA DE SUICIDIO
Acontecimentos próximos a tentativa de suicídio que
envolveu as seguintes falas: “[...] tenho minhas coisas para
fazer”; [...] “Eu sempre fico para depois” “[...] pai não leva nada
adiante do que combina” (ele havia combinado que viria para
fazer o trabalho com a filha na psicologia e não veio).
Na época, TSS já estava se tornando assertiva, facilidade
no entrosamento social, desenvolvendo maior percepção das intenções
alheias e começando a questionar as atitudes dos pais, mas
continuava dependendo financeiramente para as mínimas coisas e sua
fala envolveu os seguintes dados: “[...] tenho que deixar de
fazer minhas coisas para fazer a deles, [...] percebo cisma dos pais para comigo,
[...]
pai quer parecer maior que os outros, [...] falsa humildade [...]
não querem dar dinheiro pra nada, agora qualquer coisa vou cobrar,
[...] a aula de dança tem me ajudado muito”.
Esta questão fez-me pensar o quanto a tolerância para
determinadas questões ou frustrações é extremamente relativa e nem
sempre percebida, tanto pela própria pessoa, quanto pelos que estão
próximos a ele, fatos estes que com o passar do tempo podem se
tornar intoleráveis a ponto de ocorrer a desistência da vida pelo
individuo.
Em torno de uma semana depois a paciente tentou suicídio,
só a mãe que ficou sabendo da tentativa, o pai achou que era da
própria depressão, ela não permitiu a mãe falar para ele o que havia
acontecido, mas falou o quanto a filha estava adoecida e precisava
da ajuda dele.
“O
suicídio está associado com necessidades frustradas, ou não
satisfeitas, sentimentos de desesperança e desamparo, conflitos
ambivalentes entre a sobrevivência e o estresse insuportável, um
estreitamento das opções percebidas e uma necessidade de fugir; a
pessoa suicida emite sinais de angústia”. (Kaplan e Sadock, 1993).
Após o fato, o pai fez questão de fazer alguns encontros
com a filha.
·
CATEGORIA BASEADA NA
SOLICITAÇÃO DO PAI PARA A DUPLA COM A FILHA
Como se
falou no início deste trabalho as duplas ocorreriam uma vez no mês
durante uns três encontros somente.
Nesta
fase específica se iniciou atividades voltadas para o lado lúdico e
depois para as técnicas Ramain-Thiers.
No
encontro posterior ela solicitou iniciar o trabalho grupal e não
quis mais continuar com o pai, fato este que já vinha sendo
trabalhado como possibilidade já há algum tempo.
Em uma das atividades com o pai,
utilizou-se um momento terapêutico que pode ser enquadrado entre o
Conjunto, CR-18, através da história que contou para a filha, a
mesma, no RT é vista como algo que promove projeções e
identificações com os personagens, desenvolve a expressão verbal, em
adaptação a Freud promove a expressão da ambivalência afetiva,
substituição
Regressiva. Em sequência o
Conjunto, CR-19, Atividades Livres, em que foram produzidos
vaquinhas com um legume chamado maxixe e Conjunto, CR-20, na
proposta voltada para trabalhos manuais, onde se utilizou palitos
para a confecção das vaquinhas.
Esta atividade foi a última com o pai. Ali ela pode conhecer
um pouco da história do pai, da infância que ele não teve, onde ele
pode referir que: “nunca podia brincar por que não dava tempo”,
percebeu um pai que tinha sentimento (ele chorou bastante), onde ela
pode perceber as intenções dos pais na proteção excessiva: “[...]
no intuito de fazer o melhor acabamos protegendo [...] é sempre
tempo de mudar e corrigir alguma coisa [...] a gente sempre aprende
[...]” e ela: “[...] é angustiante quando venho com ele, mas depois
da certo alívio [...] é importante a presença dele para mim [...]”.
·
CATEGORIA GRUPO
PARCIAL
Conj. E –
15, Revoada de Borboletas- são consideradas propostas genitais por
que tem partes orais, anais, fálicas e pretendem inserir o individuo
nos grupos sociais, saindo da tríade e aprendendo a viver em
coletividade. Por mais que seja uma atividade genital, não significa
que haverá uma maturidade, pois as evoluções são individuais.
Nesta
atividade específica deu para perceber tendências autopunitivas, em
um processo diferente, pois havia tentativa de superação.
De acordo com Silva (apud Knobel, 2003): “A medida que o
desenvolvimento vai acontecendo” o individuo vai se tornando”
mais seguro e mais independente, busca se “independizar” dos pais e
passa a buscar identificações fora do grupo familiar”.
Através deste caso pude perceber determinadas questões
que para minha vida profissional que foram de grande significado
como: o fato de sermos escolhidos pelo cliente, para caminharmos com
ele através de suas autorizações e capacidades emocionais, estas são
situações de extremo privilégio; necessidade da consciência éticas,
bem como levar em conta nossos propósitos e limitações
profissionais; necessidade DIÁRIA de SABEDORIA DIVINA.
Portanto, o vínculo de confiança, consideração e respeito
é algo que permanecerá independente da finalização do tratamento
emocional, esta é uma fase da vida do paciente que ficará gravada
tanto na mente dele, quanto na nossa.
Bibliografias
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Psicanalítica. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
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1993.
LOBO, A.L. M; MAZZOLINI, B.P. M, CASTRO, M.C. S de. A Entrada da
Função Paterna Através do Ramain-Thiers in A Essência dos Vínculos.
Thiers, Solange e Thiers, Elaine. Rio de Janeiro: Altos da Glória,
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SILVA, Paulo Sergio. A Formação do Eu: a busca de autonomia e o
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