Vol. V: Vitrais 70 - mar 2013
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. V: Vitrais 70

                          mar 2013

 

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Artigo

 

Adolescência:

O Caminho entre o amor impossível e possíveis amores


 

 

Eliana Julia de Barros Garritano

 

MS em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Universidade Veiga

de Almeida. Psicanalista. Psicóloga. Fonoaudióloga. Sociopsicomotricista Ramain-Thiers. Especialista em Educação. Professora de Pós Graduação da Universidade Veiga de Almeida, Coordenadora Ramain-Thiers, RJ. Terapeuta de Formação Ramain-Thiers.
 

 

O amor é descrito pela filosofia como uma das paixões da alma, lado a lado com o ódio e a ignorância.

E o que nos fala a psicanálise? A transferência é o amor, resume Lacan.

Segundo Freud, o amor de transferência em nada difere do amor que une e separa os seres falantes e se não existissem os impasses do amor, não existiria a psicanálise.

Eros, um dos nomes do amor na mitologia, passa a fazer parte da psicanálise como sinônimo de pulsão de vida, trazendo em sua tarefa o amansar da pulsão de destruição, desordenando assim o caminho silencioso em direção à morte.

O amálgama vida/morte e seus efeitos amor/ ódio subjazem a todos os fenômenos que podemos chamar de humanos.

O amor é narcísico ou edipiano. O primeiro, pela própria imagem, lugar no outro onde me vejo amado. O segundo é necessariamente um amor a três, onde o amado é inevitavelmente um substituto. Talvez, por este motivo, os poetas em seus ditos declamem que ao final do terceiro ato e ao cair o pano,... não era ele e tão pouco ela.

 Se falar de amor fosse fácil não haveria tanta gente buscando o amor no mundo, na tentativa de entendê-lo.

Lacan (1962/63/2004: 199) ao afirmar que somente “o amor-sublimação permite ao gozo condescender ao desejo”, marca encontro do desejo e o gozo num único objeto. Porém o desejo é rebelde e não se ama porque se quer, mas sim porque é preciso. Desta forma, entre o desejo e o gozo, é o amor aquele que permite um encontro possível.

A arte de amar diz respeito à demanda, pois, toda demanda é demanda de amor. O amor desconhece o relógio e o calendário, permitindo o encontro com o impossível e indizível.

Para se falar de amor há de se adentrar no deleite da letra, o que os poetas tão bem sabem fazer. Mestres das palavras recriam o amor no mundo, inventando novas conexões para o amor, pois deste nada se saberia sem seus ditos. Já dizia nosso poetinha Vinícius, “que seja eterno enquanto dure”.

Amar é um privilégio do ser falante e o amor um significante. Metáfora que nos permite existir, pois metáforas são pontes poéticas que o amor constrói para seu próprio entendimento.

 Podemos situar o amor como o centro da existência humana, pois o amor faz laço social. Falar de amor é falar de singularidade, ao situar o amor como uma experiência de linguagem. Dele se fala, se escreve, se canta ,encanta e desencanta.

Porém, se o amor fascina, também faz sua sina e em seu acontecimento sempre haverá um paradoxo, visto que aquilo que o amante busca é exatamente o que o amado não tem.

Freud em troca epistolar com Jung (carta 06/12/1906), afirmava que a psicanálise em sua essência era uma cura pelo amor. Citava a transferência como uma prova irrefutável de que as neuroses eram determinadas por uma história de amor, quando, então, as “primeiras histéricas” buscavam o divã freudiano para falar de seus impasses frente ao amor.

Assim nasceu a psicanálise de uma relação entre uma mulher e um homem, Bertha e Breuer, que legaram a Freud mapas secretos que o levariam ao inconsciente, à sexualidade e ao amor. A este momento Lacan alude ao dizer: “... no começo da experiência analítica, vamos lembrar, foi o amor.” (Lacan, 1960/61/ 1992:12).

Freud dará um novo estatuto ao amor e, desde então, na esteira da sexualidade caminha o amor, onde o objeto elevado à posição da falta produz um sentido, fazendo crer na ilusão efêmera do Um.

Ao tecer considerações sobre a proposição de que o amor faz suplência à relação sexual, Lacan comenta: “Nós dois somos um só. Todo mundo sabe, com certeza, que jamais aconteceu entre dois, que eles sejam só um, mas, enfim nós dois somos um só. É daí que parte a idéia do amor.” (Lacan, 1975/ 1985:64).

Freud afirmava que embora houvesse uma íntima relação entre o amor e a vida sexual, era relutante em pensar o amor no âmbito pulsional preferindo defini-lo como “sendo a expressão de toda a corrente sexual do pensamento.” (Freud, 1915/1969: 154).

O amor, ao ser deslocado do campo da pulsão para o campo do discurso, fala da incompletude e impossibilidade, de forma a preencher a hiância que o sexo não preenche. Assim o amor encena e acena, na tentativa de fazer o Um, ou seja, a pretensa completude.

A mitologia também nos conta sobre o amor, onde o mito, como uma narrativa da criação, tenta simbolizar a maneira pela qual algo começa a ser. Expresso na herança da humanidade seja qual for a época ou lugar, o mito, tal qual o amor, é atemporal.

Dentre muitas narrativas mitológicas, encontramos o amor de Ariadne e Teseu vencendo o Minotauro. Ariadne era filha do rei Minos, jovem e bela adolescente que se apaixona por Teseu. Para salvar seu amado do voraz Minotauro, oferece seu novelo de fios como norteador de um retorno. É na tessitura dos caminhos do amor onde Teseu consegue matar o monstro antropofágico, escapando da morte.

Tal qual a narrativa de Ariadne, a adolescência também busca desvendar novos caminhos para ser e amar no mundo.

Adolescentes muito me lembram uma alvorada com seus pássaros. Tal qual aves de arribação, que fazem revoadas em bando, na busca de novos verões, também os adolescentes saem em busca de novas amarrações para ser no mundo.

Com muita algazarra e pouca calmaria anunciam o redespertar pulsional, temporariamente adormecido pela latência. Falar em despertar barulhento é, também, falar de sexualidade e sua presença ruidosa, pois onde há Eros, pulsão de vida, há barulho.

A pulsão, em seu despertar da latência, anuncia ao adolescente não só a sexualidade, mas também o amor. Assim, o adolescente desperta na busca de um novo saber possível para o encontro com a verdade, porém não toda, onde o amor faz suplência.

Ocupando de forma privilegiada um tempo e um lugar de passagem, viver a adolescência sempre implicará em encontros e desencontros com o amor. Apontando para um quê de fragilidade e em meio às contradições do amor, o adolescente trilha o caminho entre o amor edípico impossível e possíveis amores, levando consigo a marca do mal estar resultante da incompletude, para tecer novas constelações.

Freud (1905) em seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” determina que este caminho é laborioso, pois, traz consigo investimentos objetais de amores primevos, reeditados na adolescência, pela possibilidade real do exercício da sexualidade. A corrente terna da infância ao articular-se à corrente sexual marca o destino do ser-para-o-sexo. O reencontro com a sexualidade, na adolescência, é mediado por um excesso que provoca inquietação. Ao ser confrontado com a emergência do real sexual, com o registro da falta e da incompletude, o adolescente sai em busca de possíveis respostas referentes a tais exigências.

A sexualidade convoca o adolescente a assumir o que há de mais enigmático no sujeito, frente às das duas marcas fundamentais da existência: o sexo e a morte e entre elas o amor.

Marcas que supõem as feridas da castração e do impossível de se fazer representar, ambas voltadas na direção contrária à representação da cultura ocidental, fundada tanto na completude como na infinitude.

É nesta encruzilhada existencial que ao alçar vôo, o adolescente busca ancoragens nos modelos propostos pela cultura. A procura de uma articulação social acontece especificamente na adolescência, onde o corpo, em sua geografia, traz memória de um traço originário, inscrito no encontro do real com o simbólico. Porém este encontro se faz imperfeito, pelo efeito da impossibilidade de total recobrimento entre os registros. Assim a condição de satisfação sempre estará referida a uma perda, onde novas representações tornar-se-ão possibilitadoras de acesso do sujeito adolescente ao universo social e cultural.

O conceito de adolescência é polêmico, configurando um campo não unívoco, pelos próprios questionamentos que dele emergem. Na atualidade tem ocupado espaço nas diferentes práticas e campos teóricos. Em sua expressividade possui múltiplos aspectos, embora todos imanentes à história e à cultura, em suas transformações progressivas.

A adolescência pode ser reconhecida como um tempo lógico de estruturação do sujeito, de construção de ideais, onde frente ao amor impossível que sucumbiu ao Édipo, o sujeito adolescente inicia o caminho na busca de possíveis amores. Assim, o adolescente lança um endereçamento ao Outro como suporte capaz de ofertar um campo de realizações ideais. Qualquer que seja a sua formulação conceitual envolverá aspectos econômicos, sociais, políticos e legais, dentre outros, aspectos estes produtores de significados simbólicos.

Acredito que a adolescência possa ser reconhecida como um fenômeno cultural articulado à constituição do sujeito, pois segundo a psicanálise o sujeito se constitui no seio da cultura, através de múltiplas identificações.

O adolescente vai, então, confrontar-se com mudanças reais, simbólicas e imaginárias e o corpo no despertar da pulsão passa a ocupar um lugar de destaque.

Em função da imagem que se transforma, o corpo idealizado da infância escapa, tornando-se cativo às determinações simbólicas que irão permitir novas inscrições. Tais transformações implicam em um ato corajoso e doloroso, pois o corpo, quase estranho, torna-se fonte de angústia e inquietação na apropriação da nova imagem. Ao reeditar algo do narcisismo, o adolescente necessita readquirir um novo júbilo que lhe confira unidade. A perda do equilíbrio, até então desfrutado, provoca um excesso e a adolescência, como em nenhum outro tempo, convoca o campo do Outro relativamente estável, que possa lhe oferecer sustentação.

Entre o abandono de um saber que desvanece e um saber que desconhece ele vai caminhar, fatalmente com tropeços, em um endereçamento ao Outro, como suporte capaz de ofertar um solo fértil para suas realizações ideais, oriundas das insígnias de pertencimento herdadas no Édipo.

Se amor é narcísico ou edipiano, conforme já dito, é na adolescência que estas duas formas de amor vão ocupar de forma privilegiada a demanda do sujeito adolescente. Narcísico em relação à imagem que se transforma, necessitando de um novo júbilo, edipiano no abandono da posição de amado e desejável para a posição de amante e desejante. Desta forma, se “o amor demanda amor. Ele não deixa de demandá-lo.”

(Lacan, 1975/ 1985:12), é na adolescência que o sujeito vai demandá-lo, mais... ainda.

O mundo passou por intensas transformações e, do amor cortês cantado pelos trovadores medievais, a contemporaneidade muito se distanciou. Pensar no sujeito contemporâneo implica em tecer considerações entre este sujeito e os objetos de nosso tempo.

Vivemos em um tempo de excesso e rapidez que engloba não somente grandes avanços tecnológicos e científicos, mas, também, o imediatismo e a descartabilidade como um modo de relação entre sujeito e objeto, que exige respostas quase sempre imediatas e unificadas, descartando a singularidade do sujeito.

A instalação do efêmero provoca uma constante insatisfação, tornado os objetos pulsionais cada vez mais fugazes e evanescentes. A condição de aceleração do tempo se desdobra em um fosso, onde as vinculações estáveis e prolongadas tornam-se quase impossíveis.

A contemporaneidade pode ser caracterizada por uma cultura que passou por extensa revolução, norteada por extremos e paradoxos. Se de um lado tivemos grandes avanços da ciência e tecnologia por outro, foi um tempo marcado por inúmeras catástrofes, incertezas, crises e guerras.

De certa forma Freud já havia preconizado esta era, em seu intercâmbio com Einstein. Descrevia a substituição da força bruta pelo intelecto e poderio bélico, asseverando que embora considerasse o progresso da cultura como inibidor da pulsão de morte, a sua própria inibição tornava-se fruto de mal estar. Se o homem tornava-se capaz de sobrepujar a natureza, em contrapartida não mais poderia limitar o destino dos objetos por ele criados, sob a ameaça de criarem sua própria lógica.

É neste sec., tão instável quanto turbulento, de guerras, ascensão do capitalismo, avanços tecnológicos onde a figura do adolescente se afirma. Na revitalização econômica, surge o mito da adolescência, jovem e imortal, com a responsabilidade de rejuvenescer uma cultura adoecida por múltiplos conflitos. Ainda na aurora do sec. XXI continuamos a constatar o quanto o significante adolescente ocupa lugar de destaque.

Encontramos, na atualidade, uma cultura predominantemente narcísica, um tempo assolado por imagens, sob o fascínio ilimitado do Eu. A figura de Narciso passa a substituir um Édipo ressentido (Roudinesco, 2006), onde a negação da castração e do interdito gera a afirmação narcísica do eu, fazendo crer em sua soberania e na falência do amor. 

Mas o quê o mundo contemporâneo tem feito com os legados da castração? Como tem lidado com as novas formas de amor?

Certamente nosso tempo não tem mais a marca histérica de outrora, mas sim a marca da obsessividade e da compulsão que, a meu ver, parecem endêmicas. De uma forma geral as práticas, em qualquer âmbito, não possuem um tempo de elaboração e luto não permitindo, portanto, um tempo de trabalho subjetivo. Assim o existir é transformado em uma sucessão de momentos, sem continuidade. Tempo fundado em uma forma lúdica de relação com o outro semelhante, onde é possível viver vidas sucessivas e virtuais sem nenhum compromisso. A nostalgia das antigas histéricas é substituída pela obsessão do poder, da potencia e virilidade em total evidência.

Tudo se pode, tudo se quer e nada nos basta!

Segundo a psicanálise é preciso que o gozo seja recusado para ser atingido, pois só atravessado pela castração o sujeito pode implicar-se com o seu desejo.

Lacan nos diz que o sujeito sai do Édipo com títulos de propriedade, insígnias paternas, que arquivadas na latência, são resgatadas com a chegada da adolescência através da busca de ideais no Outro da cultura. O sujeito adolescente, neste encontro, é aprisionado em uma teia narcísica que ao subverter a castração, permite o gozo ilimitado fazendo do corpo jovem o seu próprio ideal.

Esta cultura faz nascer uma submissão limitadora, punindo aos que fogem de seu controle, acirrando o individualismo e a competitividade. Uma cultura onde o corpo jovem é eleito como um dos seus principais objetos mantém o adolescente cativo às forças do recalque e aos muros do narcisismo. Desta forma o jovem sai da posição de objeto de gozo dos pais da infância, para objeto de gozo da cultura.

Não há dúvidas que o mundo contemporâneo trouxe muitos progressos. Embora sejamos sujeitos contemporâneos e vivermos neste tempo, é fundamental pensarmos nos possíveis efeitos da atualidade sobre o sujeito adolescente. A adolescência vai se constituir e fundar seus primeiros alicerces em um solo movediço, tendo como sustentação a imortalidade, a infinitude e o desamor.

É na oscilação estrutural da adolescência onde o Outro da cultura deve oferecer horizontes saudáveis de novas inscrições.

Frente a tão confuso e acelerado tempo que ancoragens culturais o adolescente pode encontrar que lhe permitam certa estabilidade para amar?

Escuto, muito comumente entre os jovens, o significante “ficar”.

Podemos considerá-lo não só como uma nova forma de relacionamento, mas também, como um dos mais expressivos discursos no meio adolescente. O ficar pode ser considerado, segundo seu uso atual, como uma relação de período ocasional e breve, onde não há envolvimentos futuros ou compromissos. Predominam a sensorialidade, a atração física, a descartabilidade, a ausência de exclusividade e a imagem em prevalência à palavra.

Muitas vezes este comportamento é descrito como uma inovação adolescente, localizada no âmbito da irresponsabilidade, inconseqüência e vulgaridade. Nestes enunciados o adolescente é colocado alheio a qualquer sofrimento. Não compartilho desta visão simplista de modismo sazonal. Tais enunciados produzem uma evasão da responsabilidade das estruturas sociais em seus ditos sobre o amor.

Segundo Thiers (1998), “a Sociopsicomotricidade visa à compreensão do sujeito psíquico, que engloba o sujeito social, seu aprendizado de vida em coletividade, o respeito ao próprio, ao outro. Para RT é impossível conceber o sujeito fora da sociedade.”, compartilhando com a posição psicanalítica de que, a construção subjetiva e os sintomas que produz são decorrentes e consonantes ao campo do Outro, campo este onde a adolescência vai consolidar novas inscrições.

A liberação dos costumes de nossa sociedade, talvez aponte para uma relação mais contingente e aleatória. Se o adolescente se mostra tão livre, penso estar esta liberação muito mais na esfera da demanda contemporânea do que relacionada ao seu próprio desejo. A indiferença e o descaso ocorrem como respostas, sem que o adolescente se de conta da transformação operada por ideais culturais previamente estabelecidos.

Giddens (1992) propõe o conceito de amor confluente, onde o amor romântico dos séculos XVIII e XIX dá lugar a um tipo de relação que exige confluência de interesses, durando não “até que a morte os separe”, mas até que os interesses findem.

Posso inferir então, que o ficar inscreve-se neste novo paradigma cultural que privilegia a rapidez, a descartabilidade, o individualismo, a competitividade e o narcisismo, como resposta do sujeito adolescente frente às demandas da contemporaneidade.

A práxis da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers tem como o seu principal objeto o corpo simbólico, como um lugar de inscrição do desejo, fruto do objeto perdido. O ato de criar, para Ramain-Thiers, ao operar com a emergência do conflito psíquico em diferentes níveis simbólicos, possibilita a ressignificação da perda primária.

Suas propostas permitem ao adolescente vivenciar situações cotidianas, onde a criatividade opera um corte com o saber instituído, condição única de dizer o inefável do real, ressignificando o objeto para sempre perdido.

Frente ao atual desamparo cultural, as propostas Ramain-Thiers em sua ação, permitem efeitos simbólicos reparadores, que diferem da compulsão à repetição. A diversidade de construção é promotora de saúde psíquica, pois permite uma abertura para o processo da sublimação, minimizando a força do recalque.

A adolescência é um tempo que implica em luto, herança e renascimento. É o afastamento da submissão limitadora, aquele que torna possível o trilhamento de novos encontros com Eros, pulsão de vida. O luto, através do potencial criativo, é instaurador de nova posição subjetiva, na busca de outros objetos que façam a pulsão circular, em seus encontros e desencontros com o amor.

O trabalho clínico com Ramain-Thiers, através do Orientador Terapêutico para Adolescentes, AD, favorece o inter-relacionamento da ação e emoção, onde a possível harmonia entre o sentir, o pensar e o agir estabelece um constante diálogo com a imagem corporal, a castração e o limite, de forma a veicular a emergência do sujeito adolescente em suas vicissitudes.

Embora saibamos que há tantas adolescências quanto adolescentes, em função do descentramento operado pelo inconsciente, constatamos em seus discursos alguns significantes comuns. Um dos mais relevantes é o corpo e sua imagem que se transformam. Desta forma, o sujeito adolescente é obrigado a se defrontar não somente com seu longo processo de escolhas, mas também, com as mudanças corporais relativas à puberdade e a pulsão que desperta na busca de novos objetos.

Considero a Sociopsicomotricidade um lugar e um saber metodológicos que permitem uma escuta e um olhar diferenciados, ao trabalhar o corpo, a linguagem e a ação, na busca da harmonia entre o sentir, o pensar e o agir.

Ao reconhecer a transversalidade do sujeito, engloba mudanças de padrões sociais que permitem ao adolescente sair em busca de novas construções, de forma a atender as demandas da saúde psíquica, articuladas a valores éticos e estéticos.

Ramain-Thiers, ao privilegiar a liberdade de construção e reparação, abre portas para a sublimação e ao pensar criativo. Desta forma o afastamento do suporte narcísico dará lugar ao trilhamento de caminhos de autoria, para que o desejo adolescente possa ser sustentado. Deste lugar, talvez, se possa vislumbrar uma posição ética para os encontros e desencontros da experiência do sujeito adolescente em seu caminho na procura do amor.

O sujeito expropriado de sua singularidade é empobrecido do potencial criativo, o que causa prejuízos à partilha simbólica e ao laço social.

Resta ao discurso social reposicionar-se e nele reincluir o amor, criando novas intervenções para fazer valer as duas principais funções apontadas por Freud na vida adulta: o amor e o trabalho.

Freud (1914), em seu artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução”, nos alerta:

“Um egoísmo forte constitui uma proteção contra o adoecer, mas num último recurso devemos começar a amar afim de não adoecermos, e estamos destinados a cair doentes se, em conseqüência da frustração, formos incapazes de amar” (Freud, 1914/1969: 101).

Embora tenham se passado quase 100 anos, me parece que este dito sobre o amor nunca foi tão atual e lúcido!

Na vicissitude entre a posição de érômenos, amado e a posição de érastes, amante, o jovem recria uma nova forma de amar. Porém frente aos desencontros do amor, tão comuns em nossos dias, o adolescente para não adoecer, cria o ficar e ficando espera um novo porto, que lhe permita outras amarrações para construir possíveis amores.

Ramain-Thiers considera a proposta como a lei maior, e a lei maior, nos fala da herança paterna, lugar da falta e da castração.

O legado freudiano nos deixou duas importantes heranças: a herança paterna, no que diz respeito à falta e a castração, e a demissão do eu de seu lugar de senhor.

Que a herança das marcas provenientes do campo do Outro possa vir a modificar o lugar oferecido à adolescência em suas escolhas, onde o adolescente seja reconhecido em sua singularidade e nela se apropriar de um saber fazer, sobre o amor. 

Termino aqui com um pequeno fragmento do poema Fausto, de Goethe, pois muito me parece com a tarefa da adolescência em seu caminho entre o amor impossível e possíveis amores.

“O que hás herdado de teus pais

Adquire para que o possuas.

O que não se usa, um fardo é, nada mais,

 Pois pode o momento usar tão só criações suas”.

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
           

ALBERTI, S. O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

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Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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