Artigo
EXPECTATIVA DO
AMANHÃ
por
Solange Thiers
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O ser humano é a “mais bela obra de arte criada por Deus”, já
afirmava Otto Rank. O homem, como ser multifacetado que é, vem,
ao longo da História, construindo e modificando o mundo de
acordo com o surgimento de suas necessidades, e igualmente de
suas expectativas. Mas seriam essas expectativas as mesmas para
todas as pessoas?
E se perguntarmos o que cada um de nós é capaz de esperar do
futuro? Qual seria resposta que imaginamos ouvir?
Naturalmente, para cada pessoa
essa expectativa pode ser diferente. Somos feitos de uma mistura
infinita de fatores. Por vezes o somatório pode ser equilibrado.
Já em determinados casos a mistura pode não ficar “uniforme”. Em
alguns, podem entrar mais ingredientes positivos, em outros
surgir uma “massa” mal misturada de ingredientes positivos [do
bem] e negativos [do mal]. Mas a realidade é que todas as
pessoas guardam em si “uma expectativa para o amanhã”.
Quando chegamos a este Congresso,
tínhamos uma programação, um “fio de meada”. Isso nos levava a
definir até certo ponto como poderiam ser as falas das pessoas,
assim como as propostas de vivencias.
Porém constatamos assim, pouco a
pouco, que nossas expectativas foram ganhando outras dimensões e
feitios. Ou seja, foram sofrendo uma transformação, - fruto dos
nossos desejos que ganhavam corpo, e se tornavam realidade.
Realidade essa que poderia - ou não - corresponder ao que
esperávamos ver e ouvir.
O mais interessante de tudo isso é descobrir um fato. O de que,
na balança das nossas expectativas, até mesmo algo que não
correspondia exatamente ao nosso desejo, pode - ao se
descortinar diante de nós -, trazer-nos uma agradável sensação.
Aquela sensação de que o novo... ou seja, o antigo visto com
novos e diferentes olhares, já se transformara numa, e em mais
de uma - surpresa!
Assim, sem planejar muito, nos
víamos girando de uma sala para outra em busca de ver, ouvir,
vivenciar, e assim melhorar a nossa condição humana. Esta
atitude não se dava somente pela calorosa acolhida dos
organizadores desse Congresso em Valadares. Mas também pela
possibilidade de somar novos saberes aos que já possuíamos: o
que nos abrira, de fato, novos horizontes.
Mas... qual será nossa expectativa
com respeito ao amanhã?
Trabalhar e viver na expectativa
de realizações positivas traz ao ser humano uma tranqüilidade, a
maior de todas. A da realização.
A despeito de qualquer tipo de erro que possa vir a ocorrer – o
que seria comum – em nosso percurso, nós, Ramain-Thiers, temos
uma convicção.
A de que sempre é possível trocar as cores dos lápis da vida, e
viver a reparação; a mesma reparação que o artista vive quando
libera a criatividade. Ser criativo “no hoje” é saber viver; é
conhecer bem e saber aplicar a inteligência emocional. É ainda
procurar soluções alternativas, percorrer novos caminhos;
trilhar a seara das ilusões, fazer com elas o confronto com a
realidade. Muito mais: fazer a descoberta de ser feliz. O
psicólogo existencialista Rollo May [1909/1944] dizia sobre a
coragem de criar e aprender a usufruir o novo e o belo: “A
coragem criativa é a descoberta de novas formas, novos símbolos,
novos padrões segundo os quais uma nova sociedade pode ser
construída.”
O amanhã já é o futuro. E sobre ele, o que fazemos: apenas
supomos? Ou sonhamos? Será que cada um de nós pode mudar esse
futuro, ao deixar desabrochar em si a flor verde da esperança?
Eu creio que sim...
O ontem foi o passado. Portanto criar este “momento agora” é
agregar corações, somar energias das mentes que aqui estão,
todas com o desejo de juntos agradecer onde chegamos, para aí
sim - poder transformar.
Todas as pessoas são como ímãs, e
estão sempre atraindo e espargindo energia. O lugar para onde
cada um direciona sua atenção e seu poder é justamente “aquele”
especial. Onde cada um de nós deposita toda sua capacidade, sua
força. A energia a que nos referimos é aquela que está sempre em
movimento, sempre indo e voltando, de acordo com os sentimentos.
Assim: como as ondas do mar.
E para que a transformação ocorra é necessário que cada um tenha
trabalhado em si o sentimento de gratidão. A gratidão precisa
ser uma experiência sentida de forma profunda e verdadeira.
Somente desta forma torna-se completa, e poderá ser aceita sem a
voracidade do querer mais. Como vemos o bebê, algumas vezes não
parece satisfazer-se nem quando esvazia o seio da mãe. A
gratidão nasce de maneira lenta, progressiva. É assim que se faz
verdadeira.
“A gratidão é o próprio Paraíso”. [William Blake]
Se você não consegue expressar nem deixar transparecer o
sentimento de gratidão, pense no seu passado. Pensem na
existência das lembranças, desde o momento em que se esta no
útero da mãe, quase a receber a oportunidade de viver e estar
aqui.. Isto na realidade não é um presente?
No momento do nascimento, tão importante para os seres da
humanidade, lembramos o quanto a Ciência vem evoluindo. Temos
recebido diversas informações por inúmeras fontes, e muitas
oportunidades para fazer mudanças, conseguir diminuir e mesmo
cessar o sofrimento.
Isto se dá devido à possibilidade de vislumbrar e criar um
futuro melhor. Nunca na história da Humanidade tivemos tantas
oportunidades como as que se apresentam a cada dia de nossa
época.
Olhe para dentro de si e sinta como tudo funciona. Comece pelo
seu coração, que bate sem mesmo você o controlar; todos os
órgãos que funcionam mesmo sem você os instruir; sua mente que
pensa sem mesmo você saber todos os seus meandros. Suas pernas e
braços que se movem, sua consciência no mundo.. A gratidão por
tudo isso é uma virtude que precisa ser cultivada e desenvolvida
continuamente. Muitos não conseguem a mesma felicidade.
Portanto, por esta e outras razões, é necessário que a gratidão
faça parte, que seja uma espécie de ligação interior
nossa para com o mundo externo.
Quando despertamos interiormente para o sentimento da gratidão,
começamos a senti-la pelo ar que respiramos, por estarmos
andando, vendo, ouvindo, falando, ou pelo simples fato de
estarmos vivos. Passamos a dar mais valor à vida e, essa dádiva
de ter nascido para aprender - e poder evoluir.
Segundo Sêneca [4ac/65dc], em cartas a Lucílio: “O ponto mais
alto da moral consiste na gratidão. E esta verdade todas as
cidades a proclamarão, todos os povos, mesmo os oriundos das
regiões bárbaras. Neste ponto estão de acordo os bons e os maus.”
É importante agradecer à vida, porque é ela que nos propicia a
elevação necessária para a inspiração do criar.
Particularmente agradeço a Deus por tudo, todos os caminhos que
me levaram a criar a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers.
Agradeço a cada um de vocês, pelo esforço interno despendido
para estar aqui, partilhando com sua presença desse imenso e
profícuo espargir de reflexões.
Agradeço a Deus por nos oferecer um caminho para praticar o amor
no trabalho terapêutico, através de Ramain-Thiers.
Brindemos esse momento único, em que somos a união de
aspirações. Momento em que nossas energias se misturam, e desse
espaço fechado, circunscrito a nós, possam surgir uma infinidade
de novas idéias para o amanhã. Possa ser criado o amadurecimento
para construir o recado que será levado aos diferentes recantos
do Brasil. Um recado que você viu, ouviu e gostou. Você viu você
ouviu e você gostou...
Segundo Rubem Alves; “Há olhos de ver, olhos de enxergar”
“Ouvidos de ouvir, ouvidos de escutar”.
Ver é muito complicado. Isso é estranho, porque os olhos, de
todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão
científica. Funcionam como uma máquina fotográfica, porque o
objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro.
William Blake [1757/1827] sabia disso e afirmou: "A árvore que o
sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê."
.Fala-se muito, e vocês até devem concordar, diante de belas
arvores como acácias e flamboyants floridos sentimo-nos diante
de uma obra da criação de Deus, como diante do sagrado. Mas
também alguns reclamam que as acácias, e os flamboyants
que embelezam dão trabalho por que sujam o chão,
Tais olhos não vêem a beleza. Só vêem o que atrapalha - em sua
concepção. Nós, terapeutas, buscamos ver além do que nas sombras
é projetado, imagens do Inconsciente. São objetos simbólicos,
quase uma “prova real” da nossa condição de perceber o oculto.
Adélia Prado, nossa poeta mineira, disse: "Deus de vez em quando
me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra; vejo uma
pedra."
Em compensação, Carlos Drummond de Andrade [1902/1987] viu uma
pedra. E a pedra que ele viu virou poema. [e mais do que isso,
ganhou “vida”] Chama-se No meio do Caminho...
Nietzsche sabia disso e afirmou que “a primeira tarefa da
educação é ensinar a ver.” E que ver se subordina ao fazer,
porque para o ser humano, isto é indispensável e necessário.
A 1ª relação mãe/bebê se dá através do olhar. Os olhos se
transformam em órgãos de prazer com o que vêem, olham pelo
prazer de olhar, olham para ver, entender, descobrir. E até de
maneira patológica, pelo voyeurismo.
É preciso despertar a nossa criança interna para brincar de ver;
só as crianças, com sua ingenuidade, têm a capacidade de
enxergar/perceber/sentir o que não vemos.
Referências Bibliográficas:
ALVES, R. Conversas sobre
Educação. Campinas: Ed Verus, 2010.
KLEIN, M. Melanie Klein hoje.
RJ: Imago, 1991.
MAY, R. A coragem de criar.RJ: Nova fronteira, 1996.
NIETZSCHE, F. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1974.v.XXXII.
RANK, O. Volonté et Psychotérapie. Paris: Payot, 1976.