Artigo
ADOLESCÊNCIA E
RAMAIN-THIERS
por
Thereza
Sampaio
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Como definir
adolescência?
Segundo Aberastury
(1992), adolescência marca a entrada no mundo adulto, significa a
perda definitiva da condição de criança e constitui a etapa decisiva
de um processo de desprendimento iniciado com o nascimento. Pontua
ainda que as mudanças psicológicas e corporais da adolescência só
levam a uma nova relação com os pais e o mundo se for possível
elaborar os lutos pela perda corpo de criança, pela perda da
identidade infantil e pela perda dos pais da infância.
A adolescência
ainda coincide com a puberdade? A biologia segue seu ritmo, não se
apressa diante das transformações, dos avanços técnicos e
científicos, tão rápida e assustadoramente globalizados. Contudo,
tais transformações parecem ser voláteis e tudo se torna
ultrapassado também rapidamente. E como pensar adolescência na
pós-modernidade? Fisicamente são mudanças de atributo (pilosidade,
seios, silhueta) e de funcionamento (menstruação, ereção, marcha).
No plano psicológico há uma descontinuidade, uma ruptura, crise de
identidade. O conceito de adolescência implica a perspectiva sócio-cultural,
— não é a simples efetuação psíquica da puberdade.
Se podemos pensar
em antecipação à puberdade, também podemos pensar na dilatação da
adolescência. Diante de uma sociedade muito competitiva, alonga-se a
escolaridade brigatória, oferecem-se quase infinitas possibilidades
de pós-graduações, mesmo que ao custo de ternizar a adolescência,
não raro impossibilitando a entrada, de fato, no mundo adulto e no
mercado de trabalho. Também é possível fazer a operação de adolescer
quando da adolescência de um filho. Seria, então, a adolescência um
momento lógico, mais que cronológico?
Precoce ou não, a
adolescência é um momento crítico, traz consigo possibilidades de
crescimento e estruturação do sujeito, mas também possibilidades de
fracassos, riscos, perigos. O adolescente está marcado por perdas e
lutos. E uma perda sempre reativa perdas anteriores. Quando nasce o
filhote do homem é desarvorado, incompetente para sobreviver. Se não
for cuidado, morre. Ao nascer perde o cordão umbilical e ganha o
peito, que também perderá. Adiante ganha autonomia com a marcha, mas
perde o colo. O mundo vai se organizando em função desse corpo
delimitado pela pele, investido libidinalmente pelos cuidados
maternos, que veste um contorno, definindo um interior e um
exterior. Este momento é, mais tarde, reeditado no
espelho, quando a
criança, ao ver sua imagem, reconhece seu eu se um outro lhe diz:
este é você. São muitas as experiências de separação, com ganhos e
perdas, que encaminham a criança até o Édipo. O Édipo é o momento
estruturante em que o ser assume sua subjetividade e sua condição de
homem ou mulher. Entra, então, na dita latência onde se observa uma
atenuação das pulsões sexuais. Com a adolescência, recrudesce a
sexualidade e, com ela, odos os conflitos, perdas e lutos já vividos,
que serão elaborados pelo adolescente mais facilmente ou de forma
conturbada, a depender de como se eu seu desenvolvimento libidinal
na infância.
Aberastury (1992)
menciona três lutos vividos pelo adolescente. São eles:
-
Perda do
corpo de criança, base biológica da adolescência. O corpo perdeu
a graça, a leveza de criança. O corpo vai se transformando
assustadoramente; fica desproporcional – o braço comprido
derruba o que pretendia pegar. Muitas vezes o adolescente se
sente como espectador impotente das mudanças ocorridas no
próprio corpo. É necessário o grupo de iguais para saber quem é.
Ele procura ser reconhecido por um igual através das marcas que
faz no corpo (tattoos, piercings) ou pela roupa que usa.
-
Perda do
papel e identidade infantis, que obriga o adolescente a
renunciar a dependência e a assumir novas responsabilidades nem
sempre conhecidas. Não sabe onde se situar: perdeu os direitos
de criança e ainda não conquistou os de adulto.
-
Perda dos
pais da infância que o adolescente tenta reter na busca de
refúgio e proteção. Mas ninguém cresce se for protegido sempre e
mesmo os melhores pais da infância devem morrer. Para os ais
também é difícil renunciarem ao papel de super-heróis e se verem
-
contestados, criticados, desidealizados.
Aos três lutos
citados, Knobel (1992) acrescenta mais um: o pela perda da
bissexualidade infantil. Agora o adolescente deve assumir seu sexo:
o que é ser homem... o que é ser mulher... o que se espera dele. É
um luto a ser elaborado lentamente. Observa-se rapazes com brinco e
cabelos longos, moças com cabelos curtinhos, calça e camisão; de
costas, não se sabe o que são.
Uma preocupação
freqüente na clínica com adolescentes refere-se à homossexualidade.
As experiências homossexuais do adolescente não devem ser reduzidas
a ato perverso. Elas podem ser tentativas de apagar a diferença
sexual, podem ser pesquisas, ato de reciprocidade, um ideal de
amizade, um duplo como o do espelho, onde espera encontrar consigo
mesmo.
A .sexualidade
normal. não emprega a mesma via no homem e na mulher e é na
adolescência que se dá esta divergência. A mulher mantém com a
genitalidade uma relação menos exclusiva que a do homem. É atraída
pela ternura, mocinhas gostam de cuidar/brincar com bebês, fazem
cafuné nos amigos, vão ao banheiro juntas, gostam de dar massagens
nos pais... A menina adolescente tem que se fazer olhada — seu
acesso à sexualidade se faz, mais facilmente, pela via histérica.
Ela demanda uma confirmação, tanto da família como dos amigos, de
que o estatuto do seu corpo mudou. Ela deve se fazer desejada pelo
outro sexo. Sai em busca de um modelo sexualmente definido. A imagem
da mãe como mulher desejada é questionada. A pista está nas revistas
femininas, nas figuras valorizadas pela mídia. Patologias que
incidem sobre a imagem do corpo como anorexia, bulemia, são mais
freqüentes em mulheres jovens. Parecem reeditar a questão do espelho
no conto de fadas: sou bonita ou feia?
Em outra vertente
da sexualidade feminina, o sangue menstrual, prova da castração
real, constitui o primeiro sinal de seu acesso à vida genital. Se
por um lado traz orgulho de poder gerar um filho, por outro,
desperta sentimento de vergonha e pode reeditar o famoso pudor
feminino. Tem mulheres que pensam que não se masturbam. Muitas
adolescentes fazem isto em seus devaneios sem nem se dar conta.
Outras atingem o orgasmo em sono profundo.
No rapaz é a voz
que será de imediato acentuada. O corpo do rapaz também se oferece
ao olhar do outro, sobretudo nas práticas de esportes. Porém, ao
experimentar a modificação da ereção e da detumescência, ele fica
com menos condições de oferecer seu corpo ao olhar como provocação.
A masturbação aqui é essencial, pois seu órgão testemunha a
excitação sexual e precisa de alívio, o que vai acompanhado de
fantasias de encontros, geralmente com
alguém inacessível.
O que anima a relação do rapaz com o outro sexo é a voz e a sua
colocação à prova. Falar não é simples. A voz é um objeto separado
do corpo, tem ritmo, timbre, provoca surpresas. Para o jovem é muito
constitutivo o ato de contar vantagens — ficou numa festa com três,
quatro meninas, mais para contar do que ficar. Por outro lado,
mudança do timbre, ora grave, ora agudo, provoca, muitas vezes, um
sentimento de ridículo. A gagueira é mais freqüente em homens jovens.
A voz que embaraça
o rapaz é também a voz do pai, pois a mudança que faz aparecer a voz
grave leva à confrontação, comparação com a imagem do genitor do
mesmo sexo, uma das questões do adolescente. O adolescente tem que
se apropriar do olhar e da voz, espaço supostamente do Outro mais
arcaico — mãe, depois pai.
O primeiro espelho,
o do bebê, será o rosto da mãe; mais tarde o eu se reconhece na
imagem do espelho, se um outro significativo o nomeia. Na
adolescência, quem será o espelho? O olhar privilegiado, com poder
de reconhecer como desejável, não é mais o dos pais, mas o do
semelhante. O adolescente tem necessidade de encontros reais: era na
praça, hoje mais nos shoppings, o que o ajuda a sair da angústia
masturbatória, e poder colocar, exercer sua sexualidade no social e
não a manter apenas confinada no imaginário da solidão do seu
quarto. Muitas vezes estas atividades são vividas com muita culpa,
ainda que sejam perfeitamente normais.
Para fazer frente
às perdas e elaborar os lutos o adolescente usa várias defesas, que
podem se apresentar de diversas formas. Estas defesas podem ser:
-
Histriônicas: Seduzir, chamar atenção sobre si mesmo,
escandalizar, somatizar são comportamentos frequentes;
-
Depressivas: é muito freqüente observar no adolescente repúdio a
cuidados pessoais, ao banho, o aspecto descuidado, as crises de
choro, de irritação. É importante mencionar também o suicídio e
atos destrutivos como o uso de drogas e acidentes de carro.
-
Hipomaníacas: O adolescente tem a solução fácil, inquestionável
para quase tudo. Sabe tudo, problemas teológicos, filosóficos,
econômicos...
-
Paranóicas: o adolescente é desconfiado. Não sabe o que esperam
dele. Necessita de isolamento, solidão, para se resguardar do
olhar persecutório do outro social.
-
Perversas:
Não ser nem uma coisa nem outra é o lugar marginal por
excelência. Neste sentido, o ato delinquente pode ser um apelo à
sociedade. Passagem ao ato como tentativa de ser, uma procura de
reconhecimento.
Simplesmente
adolescer ou adolescer e adoecer vai depender também da capacidade
de adoecer da cultura e da família, já que o conceito de
adolescência implica a perspectiva sócio-cultural. Knobel (1992) diz
que:
O adolescente
isolado não existe, como não existe ser algum desligado do mundo,
nem mesmo para adoecer. A patologia é sempre expressão do conflito
do indivíduo com a realidade, seja através da interrelação de suas
estruturas psíquicas ou do manejo frente ao mundo exterior. (KNOBEL,
1992, p. 10)
Se as expressões
psicopatológicas da adolescência são altas nos nossos dias —
suicídio, drogadição, anorexia, bulimia, atos delinquentes —, é
também importante marcar que são muito mais freqüentes em jovens das
grandes cidades, onde a solidão e as cobranças são cada vez maiores.
Quanto mais
simples uma sociedade, menos se exige do adolescente para ser
reconhecido como adulto. Às vezes basta uma luta, um único rito de
passagem. Os ritos, os modelos, as exigências diferem de uma cultura
para a outra, mas sempre visam uma interação social do sujeito no
mundo adulto. Na sociedade pós-moderna, exigimos ritos de passagens
sucessivos, ou essas marcações tendem a desaparecer? O uso de droga,
o sair para beber após as aulas, os trotes no vestibular, seriam
novas modalidades de ritos?
A sociedade vem
mudando seus referenciais tão rapidamente que não há tempo para
elaboração e incorporação dos novos valores. A pós-modernidade nos
trouxe a cultura de massa; vivemos a sociedade do espetáculo, que
também é a cultura do narcisismo e a sociedade do risco. O discurso
capitalista converte-se em discurso perverso e agrava as
desigualdades sociais.
Há que ter
sensibilidade para não querer normatizar o adolescente, enquadrá-lo.
Ele tem direito de pesquisar, contestar, experimentar. Contudo,
precisa que alguém sinalize os seus limites. O trabalho de grupo com
adolescentes em Ramain-Thiers pode ser um espaço privilegiado para
lidar com essa encruzilhada – nem criança, nem adulto. Já não brinca
no chão, nem vira avião ou astronauta; perdeu a intimidade criativa,
espontânea, com a linguagem lúdica, mas também ainda não fala como
os adultos. Se estimulado a se agrupar e a discutir entre os seus
iguais os problemas que lhe angustiam, abre-se a possibilidade para
que fale dos seus desejos e medos, sejam eles de morrer, se drogar
ou transar. E, ao falar daquilo que sofre, o adolescente cria
oportunidades de elaborar e ressignificar a dor. No grupo, através
das identificações e da intersubjetividade, o adolescente será capaz
de criar o texto de sua vida, texto esse que obedece às leis de
produção de sentido e pode ser construído com a ajuda das propostas
Ramain-Thiers.
Referências:
ABERASTURY, Arminda e KNOBEL, Maurício. Adolescência normal.
Tradução de Suzana Maria Garagoray Ballve. 10. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1992.
MARCELLI, Daniel e BRACONNIER, Alain.
Adolescência e
Psicopatologia.
Tradução de Fátima Murad. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
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