A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers
 
ARTIGO

O PROCESSO IDENTIFICATÓRIO
E O UNIVERSO FEMININO

Rosemeyre S. Molina

O PROCESSO IDENTIFICATÓRIO E O UNIVERSO FEMININO

Rosemeyre S. Molina
 

rosemolina29@yahoo.com.br

Pedagoga, Especialista em Psicopedagogia Sociopsicomotricidade

 Graduanda em Psicologia

pela Universidade Paranaense – UNIPAR 2009

 

SOCIOPSICOMOTRICIDADE RAMAIN-THIERS

 CASOS CLÍNICOS
 

A intencionalidade desse trabalho é demonstrar a eficácia da utilização do método Ramain-Thiers enquanto psicoterapia em crianças, através de suas propostas corporais e psicomotoras. A preocupação com o desenvolvimento do processo identificatório e o universo feminino nasceu a partir das vivências práticas da abordagem Ramain-Thiers.

A escolha do método de pesquisa, de dimensões participantes, aliada a análise fenomenológica dos dados, ocorreu pelo fato da presente pesquisa voltar-se para o vivenciado pelas crianças. A proximidade com o fenômeno conferiu-lhe sentido e legitimou o processo.

Os instrumentos utilizados com as crianças refletem tanto uma busca pessoal, como a compreensão daquilo sobre o qual exerce influência como e recebo influências marcantes.
 

PROGRAMA DE AVALIAÇÃO RAMAIN-THIERS:

Entrevista Inicial; Família de Bonecos de Arame; Hora Livre; Trabalho Corporal; Cópia; Recorte; Desenho; Entrelaçamento; Memória; Avaliação de Inteligência. 

                                      

CONJUNTOS:

Sinuosas; Quebra-Cabeça; Sequência Codificadas; Dobradura; Retas e curvas; Texturas; Caleidoscópio; Expressão Motora com Tema Musical; Arte; Motivos Simétricos; Transposição; Dimensões; Atividades livres; Atividades Semi-Diretivas; Símbolos; Séries; Traçado; Sócius; Histórias Contadas.
 

TRABALHO CORPORAL; SEGMENTOS CORPORAIS; SIMETRIAS 

Na abordagem Ramain-Thiers, a tarefa apresenta-se de uma forma pluriexpressiva, de suporte projetivo, as regras e os enquadres específicos possibilitam que o grupo se adeque aos limites necessários.

(THIERS, 1998)

Os Objetivos de um grupo de crianças com base psicanalítica e do psicodrama, segundo a autora consistem em:

Mudanças de atitude

Liberação de afetos

Remanejamento do equilíbrio libidinal

Conseguir lidar com os fantasmas sexuais.

A seguir apresentarei algumas mediações que foram realizadas no processo: 

ENTREVISTA INICIAL

O levantamento da queixa e o breve perfil de cada uma das componentes que colaboraram para a formação do grupo Ramain-Thiers. O primeiro contato com os pais das meninas constata o conceito de identificação descrito por Bandura apud Strtton (2003):

A identificação refere-se à internalização de aprendizagem imitativa, de modo a tornar-se incorporada ao autoconceito do individuo. Constitui-se num processo considerado essencial quer pela teoria da aprendizagem social, quer pela teoria psicanalítica, por ser ele um eficiente meio de adquirir novas características. É um processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações.

A identificação corresponde ao segundo estágio do processo de aprendizagem social; o primeiro é a imitação.  

A identidade situa-se no ponto de cruzamento entre algo que vem de nós (o equipamento psíquico com o qual nascemos) e algo que nos vem de fora, isto é, da realidade externa.  E, como dizia Freud em “Totem e Tabu”, na realidade externa o que existe é a sociedade humana, com as suas instituições e as suas normas.

 

SEQUÊNCIAS CODIFICADAS

Seqüência Codificada é um conjunto facilitador da transferência com o terapeuta.  As propostas não verbais colaboram para o estabelecimento do respeito à suposta figura de autoridade materna ou paterna projetada no terapeuta. Possibilita ao paciente viver na transferência, a repetição de sua situação com as figuras parentais.

Esse conjunto mobilizou nas crianças a transferência positiva, que se origina de prolongamentos inconscientes, ligados a fontes eróticas, mas cujo funcionamento gera resistências e a transferência negativa, deslocada para o terapeuta dos sentimentos hostis da relação com as figuras parentais.

 Situação vivenciada:

H. reclamou para as colegas que suas roupas não serviam mais, que estava crescendo e que sentia dores pelo corpo.

Paula (mãe de Helena), em entrevista admitiu não estar dando muita atenção à menina. 

Nesse sentido, Freud relata que a sexualidade feminina é “O processo pelo qual o olhar da mãe funciona em nível de objeto que leve à construção de uma imagem é particularmente importante para a menina; ela, mais do que um menino, depende de uma cobertura para um corpo para o qual falta um significante feminino”.


CONSTRUINDO MAQUETES

Nessa atividade as meninas puderam experienciar os processos de identificação ligados às interações entre o ideal de ego e o Superego. O superego da criança formar-se-á com base no superego dos seus pais. O superego precoce tem uma origem materna. O exercício de controle exercido pela criança favorece a passagem do superego materno ao superego paterno. O confronto a lei é uma forma de o sujeito estruturar-se, pois diante do confronto há a possibilidade de introjeção progressiva da proibição do superego, assimilando-o. 

Situação vivenciada:

Na construção da maquete as meninas J. H. e D. insistiram muitas vezes em isolar a figura materna e isso ficou evidente no afastamento de algumas figuras: separaram num canto da maquete a galinha botando ovos, colocaram a pata isolada num canto do lago, prenderam a vaca no cercado. Deram liberdade as crianças e aos amimais masculinos. Os cavalos, o galo e porco estavam soltos na festa brincando com as convidadas que usavam elegantes roupas. No entanto, duas ovelhas envolvidas por uma espessa lã presenciavam passivamente o cenário festivo.  

No grupo de crianças o terapeuta deve ser compreensivo, porém firme no estabelecimento de limites, pois o grupo se forma em torno dos fantasmas que possuem uma dimensão grupal, permitindo a constituição da personalidade a partir da assimilação de aspectos e qualidades do objeto. Dentro do processo grupal ocorrem identificações múltiplas.

Para Zalberg (2003), o processo pelo qual o olhar da mãe funciona em nível de objeto que leve à construção de uma imagem é particularmente importante para a menina; ela, mais do que um menino depende de uma cobertura para um corpo para o qual falta um significante feminino”.                                                                 

Klein (1957), explica que a mãe é a projeção das parte más do self, passando a ser vista com self mau e não mais como um objeto separado. Institui-se então, uma relação narcísica onde o objeto identifica-se com as partes más.

Lacan (1966) ressalta que existe certa nostalgia da filha em relação à mãe, indicando que o corte simbólico induzido pelo pai não e total. A operação deixa um resto no destino feminino, fazendo com que a mulher tenha mais propensão a ficar alienada no desejo da mãe.

                                                                         

MOVIMENTOS CORPORAIS E A INTEGRAÇÃO DO SUJEITO

Segundo Orlando (1998), todo sentir começa com o sentido do próprio corpo. Assim sendo, a pessoa percebe o que está acontecendo no ambiente, à medida que o ambiente exerce influência sobre os sentidos. Quanto mais cheia de vitalidade a pessoa, mais afiados são os seus sentidos e mais aguçadas as suas percepções.

Thiers (1998) ressalta que o trabalho corporal em Ramain-Thiers tem por objetivos:

Despertar a atenção interiorizada e tornar o indivíduo uno nas relações entre o seu mundo interno e a sociedade em que vive.

liberar recalques corporais;

liberar a repressão sexual;

despertar a sensibilidade;

promover a interação mente – consciência corporal – afetos – e o social;

favorecer a formação do esquema e da imagem corporal;

facilitar a inter-relação do individuo nos grupos;

fortalecer o nível da realidade e a estrutura egóica.

A princípio, as crianças se negavam a retirar os sapatos questionadas, argumentavam que iria sujar os pés e que o chão esta frio.

Para Thiers (1998), o desenvolvimento de uma pessoa consiste numa constante busca de equilíbrio entre as relações contrastantes de revivências que não se repetem e que buscam levar o individuo a se defrontar consigo mesmo.

A exploração do mundo externo comenta Thiers (1998), permite a criança adquirir a segurança estendida à relação materna, à relação paterna, e consequentemente descoberta do mundo. A entrada do pai é muito importante no processo de segurança interna e formulação de limites.

Insistimos na necessidade, do contato por meio de diversos exercícios corporais e no decorrer das sessões as meninas foram se permitindo e soltando-se da suas amarras.

A identificação primária opõe-se às identificações secundárias que vêm se sobrepor a ela, não apenas na medida em que ela é a primeira cronologicamente, mas também na medida em que não se teria estabelecido consecutivamente a uma relação de objeto propriamente dita e seria “a forma mais originária do laço afetivo com um objeto”. “Logo no início da fase oral primitiva do indivíduo, o investimento de objeto e a identificação talvez não se devam distinguir uma da outra”.

O estar no mundo em suas diferenças proposta de vida é expresso na sua relação de movimento com o solo. Toda distribuição de força na relação corpo-solo implica o entendimento da historização com o seu próprio espaço. (Orlando, 1998) 

Klein e Riviere constatam a ação de fantasias de identificação projetiva em diversos estados patológicos como a despersonalização e a claustrofobia.

Para Orlando (1998), o trabalho terapêutico Ramain-Thiers, com a prática de exercícios de sensibilização, massagens, respiração e outros, é de máxima importância avaliarmos juntamente com o paciente como se encontra naquele instante o grau energético. Cada indivíduo sente e transmite de formas diferentes o contato da própria energia.

Para Bion (l959) a Identificação Projetiva é considerada como um fenômeno, interpsíquico - entre o paciente e o analista- e conseqüentemente um meio de comunicação. O analista, através de sua continência poderia captar a angústia e sentimentos que o paciente colocaria nele via identificação projetiva. O analista, após uma elaboração, poderia devolver na forma de interpretação essas angústias e sentimentos de uma forma mais tolerável para o paciente.

Nas primeiras sessões as crianças restringiam seus movimentos ao espaço central da sala, seguiam em fila indiana, numa contenção de seu potencial criativo.

H. demonstrava dificuldade de lidar com as regras e os limites. Dançava balé e não conseguia adequar seus movimentos a melodia. Deise locomovia-se acanhadamente pela sala não conseguia entrar em contato com a tarefa, algumas vezes passa a impressão de estar com medo, outras com dificuldade para lidar com as regras estabelecidas.  J. tentava imitar H. e deslizava com seu tênis pelo chão. Todas elas riam sem motivo algum e davam gritinhos e quase no final pareciam satisfeitas com a performance alcançada.  Desse modo, os movimentos corporais de cada uma eram restritos e revelavam falta de atenção interiorizada.

Todo sentir começa com o sentido do próprio corpo. Assim sendo, a pessoa percebe o que está acontecendo no ambiente, à medida que o ambiente exerce influência sobre os sentidos. Quanto mais cheia de vitalidade a pessoa, mais afiados são os seus sentidos e mais aguçadas as suas percepções. (Orlando, 1998) 

Klein (l946) considera que a agressão divide-se em duas vertentes de ataque à mãe em fantasia: uma é a do impulso predominantemente oral que ela examinará em relação à introjeção, a outra deriva dos impulsos anais e uretrais e implica a expulsão de substâncias perigosas excrementos) do self para dentro da mãe. "Junto com os excrementos nocivos expelidos com ódio, partes cindidas do ego são também projetadas na mãe. Esses excrementos e essas partes más do self são usados não apenas para danificar, mas também para controlar e tomar posse do objeto. Na medida em que a mãe passa a conter as partes más do self ela não passa a ser sentida como um ser separado, e sim como sendo o self mau. Muito do ódio contra partes do self é agora dirigido para a mãe. Isso leva a uma forma particular de identificação que estabelece o protótipo de uma relação objetal agressiva”.

Thiers (1998) comenta que a proposta é a inserção da Lei no setting simbolizando a entrada do pai na relação. Em propostas corporais, se aceita a expressão de cada um.

Ao finalizar as propostas corporais as meninas sempre pediam o material utilizado na tarefa para levar para a casa.

Segundo Thiers (1998), setting Ramain-Thiers, a libido é mobilizada e aspectos inconscientes entram em jogo. O emprego do material é um facilitador que o terapeuta pode aproveitar. No momento em que a criança vive o desejo de ser único na relação, o bebê descobre o objeto para suprir suas necessidades. Essa necessidade de completude entre mãe x bebê forma a célula narcísica que gera fantasias de onipotente perfeição. Nessa fase, a ênfase é para a mãe e o bebê, que passa ser o falo, desejando ser o objeto de desejo da mãe. O rompimento do primeiro momento se dá pela entrada da função do pai na relação, desintegrando a célula narcísica e dando à percepção do outro.

Thiers (1998) reforça que o esquema corporal se constitui por um processo longo de construção, reconstrução e ruptura, porque a imagem do próprio corpo somente é formada por meio da relação com os corpos do demais, respeitando-se a individualidade e a identidade.

Aos poucos os movimentos foram se tornando mais harmoniosos e adquirindo mais autonomia. Demonstrando mais segurança e menos ansiedade, as meninas apresentavam melhores condições motoras e emocionais, revelando a possibilidade de concentração do ato e a descoberta do próprio corpo, no espaço e também no ar respirado.

O trabalho corporal pela experiência vivida leva a ação consciente, devido à experiência estabelecida na relação, consequentemente a relação consigo amplia a percepção de si e dos outros. (Thiers, 1998)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Zalcberg ressalta a figura materna ocupa um lugar privilegiado no processo de feminilização de sua filha, neste sentido tece a sua escrita tendo essa questão como pano de fundo, o que a leva a considerar a mulher uma “metáfora privilegiada do inconsciente”, já que sua verdade, como a verdade do inconsciente, não pode ser toda conhecida.

Diante do exposto cabe ressaltar que:

Em toda mãe contém uma filha em si mesmo e toda filha, a mãe;

Toda mulher projeta para trás estendendo-se na mãe e para frente, na filha.

Essa mistura produz uma estranha incerteza;

A mulher vive antes como filha e mais tarde como mãe e vice versa.

A experiência consistente desses laços produz o sentimento de que sua vida está espalhada sobre gerações. O primeiro passo na direção da experiência imediata é a convicção de estar fora do tempo, e isso traz consigo um sentimento de imortalidade, (LACAN)

             

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAREMBLITT, Gregório. GRUPOS: Teorias e técnicas. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.

LOBO, A. L.; MAZZOLINI B. P. M. Programa de Avaliação Ramain- Thiers. S. Paulo: Casa do do Psicólogo, 1997.

OLIVEIRA, E. D. Teorias do Amadurecimento de D. W. Winnicott. Ed Imago, 2003.

SEGAL, H. Introdução de Melanie Klein. Imago, 1995.

THIERS, E. MELLO, L. M. T. ; POYARES M. M. D.; ALMEIDAM. M. Compartilhar em Terapia: Seleções em Ramain-Thiers. S. Paulo: Casa do do Psicólogo, 1998.

THIERS, Solange. Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: Uma leitura Emocional, Corporal e Social. São Paulo: Casa do Psicó logo.

ZALCBERG, M. A Relação Mãe e Filha. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.

ZIMERMAN, David E. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto Alegre: Artes médicas Sul, 2000.

 

COLEÇÃO
RAMAIN-THIERS

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Volume I
Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
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Volume II
A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
------------------------------------------------Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

------------------------------------------------Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers


 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




 

 

 

 

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