ARTIGO
O PROCESSO
IDENTIFICATÓRIO
E O UNIVERSO FEMININO
Rosemeyre S. Molina |
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O PROCESSO IDENTIFICATÓRIO E O UNIVERSO FEMININO
Rosemeyre
S. Molina
Pedagoga, Especialista em
Psicopedagogia Sociopsicomotricidade
Graduanda em Psicologia
pela Universidade Paranaense –
UNIPAR 2009
SOCIOPSICOMOTRICIDADE
RAMAIN-THIERS
CASOS CLÍNICOS
A intencionalidade desse
trabalho é demonstrar a eficácia da utilização do método
Ramain-Thiers enquanto psicoterapia em crianças, através de suas
propostas corporais e psicomotoras. A preocupação com o
desenvolvimento do processo identificatório e o universo feminino
nasceu a partir das vivências práticas da abordagem Ramain-Thiers.
A escolha do método de
pesquisa, de dimensões participantes, aliada a análise
fenomenológica dos dados, ocorreu pelo fato da presente pesquisa
voltar-se para o vivenciado pelas crianças. A proximidade com o
fenômeno conferiu-lhe sentido e legitimou o processo.
Os instrumentos utilizados com
as crianças refletem tanto uma busca pessoal, como a compreensão
daquilo sobre o qual exerce influência como e recebo influências
marcantes.
PROGRAMA DE
AVALIAÇÃO RAMAIN-THIERS:
Entrevista Inicial; Família de Bonecos de Arame; Hora Livre;
Trabalho Corporal; Cópia; Recorte; Desenho; Entrelaçamento; Memória;
Avaliação
de
Inteligência.
CONJUNTOS:
Sinuosas; Quebra-Cabeça; Sequência Codificadas; Dobradura; Retas e
curvas; Texturas; Caleidoscópio; Expressão Motora com Tema Musical;
Arte; Motivos Simétricos; Transposição; Dimensões; Atividades
livres; Atividades Semi-Diretivas; Símbolos; Séries; Traçado; Sócius;
Histórias Contadas.
TRABALHO CORPORAL; SEGMENTOS CORPORAIS; SIMETRIAS
Na
abordagem Ramain-Thiers, a tarefa apresenta-se de uma forma
pluriexpressiva, de suporte projetivo, as regras e os enquadres
específicos possibilitam que o grupo se adeque aos limites
necessários.
(THIERS, 1998)
Os
Objetivos de um grupo de crianças com base psicanalítica e do
psicodrama, segundo a autora consistem em:
•
Mudanças
de atitude
•
Liberação
de afetos
•
Remanejamento
do equilíbrio
libidinal
•
Conseguir lidar com os fantasmas sexuais.
A
seguir apresentarei algumas mediações que foram realizadas no
processo:
ENTREVISTA INICIAL
O
levantamento da queixa e o breve perfil de cada uma das componentes
que colaboraram para a formação do grupo Ramain-Thiers.
O primeiro contato com os pais das meninas constata o conceito de
identificação descrito por Bandura apud Strtton (2003):
A identificação refere-se à internalização de aprendizagem
imitativa, de modo a tornar-se incorporada ao autoconceito do
individuo. Constitui-se num processo considerado essencial quer pela
teoria da aprendizagem social, quer pela teoria psicanalítica, por
ser ele um eficiente meio de adquirir novas características. É um
processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma
propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou
parcialmente, segundo o modelo desse outro. A personalidade
constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações.
A identificação corresponde ao segundo estágio do processo de
aprendizagem social; o primeiro é a imitação.
A
identidade situa-se no ponto de cruzamento entre algo que vem de nós
(o equipamento psíquico com o qual nascemos) e algo que nos vem de
fora, isto é, da realidade externa. E, como dizia Freud em “Totem e
Tabu”, na realidade externa o que existe é a sociedade humana, com
as suas instituições e as suas normas.
SEQUÊNCIAS CODIFICADAS
Seqüência Codificada é um conjunto facilitador da transferência
com o terapeuta. As propostas não verbais colaboram para o
estabelecimento do respeito à suposta figura de autoridade materna
ou paterna projetada no terapeuta. Possibilita ao paciente viver na
transferência, a repetição de sua situação com as figuras parentais.
Esse conjunto mobilizou nas crianças a
transferência positiva, que se origina de prolongamentos
inconscientes, ligados a fontes eróticas, mas cujo funcionamento
gera resistências e a transferência negativa, deslocada para o
terapeuta dos sentimentos hostis da relação com as figuras
parentais.
Situação vivenciada:
H. reclamou para as colegas que suas roupas não
serviam mais, que estava
crescendo e que sentia dores pelo corpo.
Paula (mãe de Helena), em entrevista admitiu não estar dando muita
atenção à menina.
Nesse sentido, Freud relata que a sexualidade feminina é “O processo
pelo qual o olhar da mãe funciona em nível de objeto que leve à
construção de uma imagem é particularmente importante para a menina;
ela, mais do que um menino, depende de uma cobertura para um corpo
para o qual falta um significante feminino”.
CONSTRUINDO MAQUETES
Nessa atividade as meninas puderam experienciar os processos de
identificação ligados às interações entre o ideal de ego e o
Superego. O superego da criança formar-se-á com base no superego dos
seus pais. O superego precoce tem uma origem materna. O exercício de
controle exercido pela criança favorece a passagem do superego
materno ao superego paterno. O confronto a lei é uma forma de o
sujeito estruturar-se, pois diante do confronto há a possibilidade
de introjeção progressiva da proibição do superego, assimilando-o.
Situação vivenciada:
Na
construção da maquete as meninas J. H. e D. insistiram muitas vezes
em isolar a figura materna e isso ficou evidente no afastamento de
algumas figuras: separaram num canto da maquete a galinha botando
ovos, colocaram a pata isolada num canto do lago, prenderam a vaca
no cercado. Deram liberdade as crianças e aos amimais masculinos. Os
cavalos, o galo e porco estavam soltos na festa brincando com as
convidadas que usavam elegantes roupas. No entanto, duas ovelhas
envolvidas por uma espessa lã presenciavam passivamente o cenário
festivo.
No grupo de crianças o terapeuta deve ser compreensivo, porém firme
no estabelecimento de limites, pois o grupo se forma em torno dos
fantasmas que possuem uma dimensão grupal, permitindo a constituição
da personalidade a partir da assimilação de aspectos e qualidades do
objeto. Dentro do processo grupal ocorrem identificações múltiplas.
Para Zalberg (2003), o processo pelo qual o olhar da mãe
funciona em nível de objeto que leve à construção de uma imagem é
particularmente importante para a menina; ela, mais do que um menino
depende de uma cobertura para um corpo para o qual falta um
significante
feminino”.
Klein
(1957), explica que a mãe é a projeção das parte más do self,
passando a ser vista com self mau e não mais como um objeto
separado. Institui-se então, uma relação narcísica onde o objeto
identifica-se com as partes más.
Lacan
(1966) ressalta que existe certa nostalgia da filha em relação à
mãe, indicando que o corte simbólico induzido pelo pai não e total.
A operação deixa um resto no destino feminino, fazendo com que a
mulher tenha mais propensão a ficar alienada no desejo da mãe.
MOVIMENTOS CORPORAIS E A INTEGRAÇÃO DO SUJEITO
Segundo Orlando (1998), todo sentir começa com o sentido do próprio
corpo. Assim sendo, a pessoa percebe o que está acontecendo no
ambiente, à medida que o ambiente exerce influência sobre os
sentidos. Quanto mais cheia de vitalidade a pessoa, mais afiados são
os seus sentidos e mais aguçadas as suas percepções.
Thiers (1998) ressalta que o trabalho corporal em Ramain-Thiers tem
por objetivos:
•
Despertar a atenção interiorizada e tornar o indivíduo uno nas
relações entre o seu mundo interno e a sociedade em que vive.
•
liberar
recalques corporais;
•
liberar
a repressão sexual;
•
despertar a sensibilidade;
•
promover
a interação mente – consciência corporal – afetos – e o social;
•
favorecer a formação do esquema e da imagem corporal;
•
facilitar a inter-relação do individuo nos grupos;
•
fortalecer o nível da realidade e a estrutura egóica.
A princípio, as crianças se negavam a retirar os sapatos
questionadas, argumentavam que iria sujar os pés e que o chão esta
frio.
Para Thiers (1998), o desenvolvimento de uma pessoa consiste numa
constante busca de equilíbrio entre as relações contrastantes de
revivências que não se repetem e que buscam levar o individuo a se
defrontar consigo mesmo.
A exploração do mundo externo comenta Thiers
(1998), permite a criança adquirir a segurança estendida à relação
materna, à relação paterna, e consequentemente descoberta do mundo.
A entrada do pai é muito importante no processo de segurança interna
e formulação de limites.
Insistimos na necessidade, do contato por meio de diversos
exercícios corporais e no decorrer das sessões as meninas foram se
permitindo e soltando-se da suas amarras.
A
identificação primária opõe-se às identificações secundárias que vêm
se sobrepor a ela, não apenas na medida em que ela é a primeira
cronologicamente, mas também na medida em que não se teria
estabelecido consecutivamente a uma relação de objeto propriamente
dita e seria “a forma mais originária do laço afetivo com um
objeto”. “Logo no início da fase oral primitiva do indivíduo, o
investimento de objeto e a identificação talvez não se devam
distinguir uma da outra”.
O estar no mundo em suas diferenças proposta de vida é
expresso na sua relação de movimento com o solo. Toda distribuição
de força na relação corpo-solo implica o entendimento da historização com o seu próprio espaço. (Orlando, 1998)
Klein e Riviere constatam a ação de fantasias de
identificação projetiva em diversos estados patológicos como a
despersonalização e a claustrofobia.
Para Orlando (1998), o trabalho terapêutico Ramain-Thiers, com a
prática de exercícios de sensibilização, massagens, respiração e
outros, é de máxima importância avaliarmos juntamente com o paciente
como se encontra naquele instante o grau energético. Cada indivíduo
sente e transmite de formas diferentes o contato da própria energia.
Para Bion
(l959) a Identificação Projetiva é considerada como um fenômeno,
interpsíquico - entre o paciente e o analista- e conseqüentemente um
meio de comunicação. O analista, através de sua continência poderia
captar a angústia e sentimentos que o paciente colocaria nele via
identificação projetiva. O analista, após uma elaboração, poderia
devolver na forma de interpretação essas angústias e sentimentos de
uma forma mais tolerável para o paciente.
Nas primeiras sessões as crianças restringiam seus movimentos ao
espaço central da sala, seguiam em fila indiana, numa contenção de
seu potencial criativo.
H. demonstrava dificuldade de lidar com as regras e os limites.
Dançava balé e não conseguia adequar seus movimentos a melodia.
Deise locomovia-se acanhadamente pela sala não conseguia entrar em
contato com a tarefa, algumas vezes passa a impressão de estar com
medo, outras com dificuldade para lidar com as regras
estabelecidas. J. tentava imitar H. e deslizava com seu tênis pelo
chão. Todas elas riam sem motivo algum e davam gritinhos e quase no
final pareciam satisfeitas com a performance alcançada. Desse modo,
os movimentos corporais de cada uma eram restritos e revelavam falta
de atenção interiorizada.
Todo sentir começa com o sentido do próprio corpo. Assim
sendo, a pessoa percebe o que está acontecendo no ambiente, à medida
que o ambiente exerce influência sobre os sentidos. Quanto mais
cheia de vitalidade a pessoa, mais afiados são os seus sentidos e
mais aguçadas as suas percepções. (Orlando, 1998)
Klein
(l946) considera que a agressão divide-se em duas vertentes de
ataque à mãe em fantasia: uma é a do impulso predominantemente oral
que ela examinará em relação à introjeção, a outra deriva dos
impulsos anais e uretrais e implica a expulsão de substâncias
perigosas excrementos) do self para dentro da mãe. "Junto com os
excrementos nocivos expelidos com ódio, partes cindidas do ego são
também projetadas na mãe. Esses excrementos e essas partes más do
self são usados não apenas para danificar, mas também para controlar
e tomar posse do objeto. Na medida em que a mãe passa a conter as
partes más do self ela não passa a ser sentida como um ser separado,
e sim como sendo o self mau. Muito do ódio contra partes do self é
agora dirigido para a mãe. Isso leva a uma forma particular de
identificação que estabelece o protótipo de uma relação objetal
agressiva”.
Thiers
(1998) comenta que a proposta é a inserção da Lei no setting
simbolizando a entrada do pai na relação. Em propostas corporais, se
aceita a expressão de cada um.
Ao finalizar
as propostas corporais as meninas sempre pediam o material utilizado
na tarefa para levar para a casa.
Segundo
Thiers (1998), setting Ramain-Thiers, a libido é mobilizada e
aspectos inconscientes entram em jogo. O emprego do material é um
facilitador que o terapeuta pode aproveitar. No momento em que a
criança vive o desejo de ser único na relação, o bebê descobre o
objeto para suprir suas necessidades. Essa necessidade de completude
entre mãe x bebê forma a célula narcísica que gera fantasias de
onipotente perfeição. Nessa fase, a ênfase é para a mãe e o bebê,
que passa ser o falo, desejando ser o objeto de desejo da mãe. O
rompimento do primeiro momento se dá pela entrada da função do pai
na relação, desintegrando a célula narcísica e dando à percepção do
outro.
Thiers
(1998) reforça que o esquema corporal se constitui por um processo
longo de construção, reconstrução e ruptura, porque a imagem do
próprio corpo somente é formada por meio da relação com os corpos do
demais, respeitando-se a individualidade e a identidade.
Aos poucos os movimentos foram se tornando mais harmoniosos e
adquirindo mais autonomia. Demonstrando mais segurança e menos
ansiedade, as meninas apresentavam melhores condições motoras e
emocionais, revelando a possibilidade de concentração do ato e a
descoberta do próprio corpo, no espaço e também no ar respirado.
O trabalho corporal pela experiência vivida leva a ação consciente,
devido à experiência estabelecida na relação, consequentemente a
relação consigo amplia a percepção de si e dos outros. (Thiers,
1998)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Zalcberg ressalta a figura materna ocupa um lugar privilegiado
no processo de feminilização de sua filha, neste sentido tece a sua
escrita tendo essa questão como pano de fundo, o que a leva a
considerar a mulher uma “metáfora privilegiada do inconsciente”, já
que sua verdade, como a verdade do inconsciente, não pode ser toda
conhecida.
Diante
do exposto cabe ressaltar que:
Em
toda mãe contém uma filha em si mesmo e toda filha, a mãe;
Toda mulher projeta para trás estendendo-se na mãe
e para frente, na filha.
Essa mistura produz uma estranha incerteza;
A mulher vive antes como filha e mais tarde como
mãe e vice versa.
A experiência consistente desses laços produz o sentimento de que
sua vida está espalhada sobre gerações. O primeiro passo na direção
da experiência imediata é a convicção de estar fora do tempo, e isso
traz consigo um sentimento de imortalidade, (LACAN)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
•
BAREMBLITT,
Gregório. GRUPOS: Teorias e técnicas. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1986.
•
LOBO,
A. L.; MAZZOLINI B. P. M. Programa de Avaliação Ramain- Thiers. S.
Paulo: Casa do do Psicólogo,
1997.
•
OLIVEIRA, E. D. Teorias do Amadurecimento de D. W. Winnicott. Ed
Imago, 2003.
•
SEGAL, H.
Introdução de Melanie Klein. Imago, 1995.
•
THIERS,
E. MELLO, L. M. T. ; POYARES M. M. D.; ALMEIDAM. M. Compartilhar em
Terapia: Seleções em Ramain-Thiers. S. Paulo: Casa do do Psicólogo,
1998.
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THIERS,
Solange. Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: Uma leitura Emocional,
Corporal e Social. São
Paulo: Casa do Psicó
logo.
•
ZALCBERG,
M. A Relação Mãe e Filha. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2003.
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ZIMERMAN, David
E. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto Alegre: Artes
médicas Sul, 2000.
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