ARTIGO
CRIATIVIDADE,
SEMPRE
Tânia Gonçalves
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CRIATIVIDADE, SEMPRE
Por Tânia Gonçalves / RJ
“Criar não é imaginação; é
correr o grande risco de se ter a realidade”
Clarice Lispector
Todos nós já ouvimos dizer:
Brasileiro, êta povo criativo capaz de tirar leite de pedra!...
Então, o que vem a ser
criatividade, isso que faz de todos nós, pessoas criativas? É alguma
coisa ligada à pintura? Ligada à música? Ligada à poesia ou à
escultura? Ou é qualquer outra forma de expressão ligada ao
potencial de cada um? O que é arte? Quem é o artista?
Quando, aos 4 anos, Mozart
compôs um Minueto, sua 1ª. Composição, era tão pequeno que mal
conseguia alcançar o instrumento e foi seu pai quem transcreveu as
notas para um caderno. A partir daí, não parou mais. Improvisava com
base em temas que ouvia, tocava de olhos vendados e fazia todo tipo
de acrobacia musical .Mas, nessa época, ele não era um artista. Ele
estava, tão somente, brincando com os sons que ouvia em sua casa
desde muito pequeno.
Quando o “profeta” Gentileza
resolveu recepcionar os turistas que chegam ao Rio de Janeiro,
desembarcando na Rodoviária Novo Rio, certamente não era um artista.
Era visto como sábio e louco, ao mesmo tempo. Ele pintou dezenas de
pilastras e acabou por promover uma das maiores intervenções urbanas
na cidade do Rio de Janeiro.Rompeu com as estruturas vigentes para
conseguir outras possibilidades de vida.
Tanto Mozart quanto Gentileza
apenas se expressavam, cada um da forma que mais lhe dava prazer.
Ao citar esses exemplos tão
antagônicos em sua essência, o que quero salientar é que a arte não
reproduz o real; ela representa o real.
Através das
artes, como nos disse Augusto Boal, importante teatrólogo recém
falecido, podemos ter a presença de coisas inatingíveis. Ao vermos
os arbustos de Van Gogh balançando ao vento, vemos o vento,o
invisível pintado por ele. Quando ouvimos uma música em que a pausa
está presente como na famosa 5ª sinfonia de Beethoven, ouvimos o
silêncio, o inaudível. Assim, a pintura organiza a forma e a cor no
espaço; a música organiza o som e o silêncio no tempo; o teatro
organiza as ações humanas no espaço e no tempo e as artes plásticas
organizam as cores, os traços e os volumes, no espaço. Ao
organizarmos esses elementos estaremos criando, o que nos
transformará , potencialmente, em artistas.Talvez, não façamos tão
bem quanto os profissionais das artes mas, com certeza, cada um pode
ser melhor do que si mesmo já que o que comanda cada um de nossos
atos é o desejo.
Transformando a argila em
estátua ou a areia da praia em castelo estamos criando,
transformando a realidade. O ato de transformar a realidade – a
argila ou a areia – em escultura, nos transforma, neste momento, em
escultores.Da mesma forma, se organizamos os sons que estão
diariamente ao nosso redor ou, ainda, os que estão armazenados
dentro de nós e os organizarmos no tempo estaremos transformando a
desordenada realidade sonora em canção. Esse ato nos transformará em
compositores.O mesmo ocorrerá com as palavras que, manipuladas,
virarão textos que nos transformarão em escritores.
Como já foi dito,uma obra de
arte não é a reprodução da realidade; é a representação da natureza
e da vida social percebida pelo artista e que deve ser reconhecida
pelo observador.É dessa forma que a obra de arte deixa de ser
“coisa” e passa a ser arte. Quando um pintor pinta frutas, paisagens
ou pessoas esta representando, através de sua percepção estética, o
que viu antes de ser pintado, antes de ser obra, antes do seu ato
criativo. Isto prova que a arte é o artista e nele está inscrita e
não, o seu objeto. O que a torna obra de arte é a aprovação de quem
a admira.
Fazer arte significa
expandir-se. Cada vez que o ser humano cria alguma coisa faz com que
outras criações tornem-se necessárias. Cada descoberta cria a
necessidade de outras descobertas. Cada invenção, mais invenções.
Através da criatividade, o
homem aperfeiçoa,melhora e inova os fundamentos de sua sobrevivência
da alimentação natural aos produtos transgênicos, da tanga à moda do
vestuário, das infusões à medicina moderna, da oca a casa com
comandos eletrônicos. No lazer, nos transportes ou na educação, a
vida humana é um exercício contínuo de criatividade, de pulsão viva
em sua história.
O que nos vem à mente quando
pensamos sobre criatividade? Normalmente lembramos criações
extraordinárias ou de pessoas muito especiais como Leonardo da
Vinci, Santos Dumont, Henri Ford ou Einstein que realizaram feitos
notáveis, com impactos profundos e duradouros sobre nossas vidas
Além desses nomes e de uma infinidade de outros, eu associo
criatividade ao nome de Garrincha que reinventou a forma de jogar
futebol, driblando, desnecessariamente, só para manter a
brincadeira, em si.. Lembro-me, também, de Betinho, o semeador de
utopias que nos deixou como marca de sua criação a Ação da Cidadania
contra a miséria e pela vida. E ,ainda, de Joãozinho Trinta, o
grande carnavalesco, criador de enredos geniais e inesquecíveis.
Tenho a certeza de que cada um de nós pode se lembrar de outros
homens e mulheres que deixaram sua marca de criatividade, mas não
posso deixar de lembrar, evidentemente, de Simone Ramain, a grande
idealizadora do Método Ramain, ponto de partida para a criação da
Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers. Mas há, ainda, valiosas
expressões de criatividade que foram incorporadas ao nosso cotidiano
e que nem sempre são lembradas quando se fala de criatividade como a
escada, a tesoura, o lápis. Coisas simples mas indispensáveis.
Esta diversidade de
manifestações criativas explica as dezenas de definições para o
termo criatividade que variam de acordo com a perspectiva das
ciências, da música, das artes plásticas, do teatro, da dança, da
arquitetura, da literatura, do cinema ou da publicidade. Uma nova
idéia pode ser um novo produto,uma nova peça de arte, um novo método
de pesquisa ou a solução de um problema.
Ser criativo é olhar para a
mesma coisa mas ver e pensar de modo diferente. É transformar o
descontentamento em motivação. Santos Dumont era entusiasta dos
balões mas não estava satisfeito com suas limitações e não descansou
até inventar uma aeronave.
“Não fracassei; descobri que
mil e duzentos materiais não serviam”
Thomas A. Edison
Um fenômeno comum a todas as
culturas, desde as mais primitivas as mais civilizadas, desde as
mais antigas às atuais, é a arte. A arte do homem pré-histórico,
inclusive, é tudo o que restou, integralmente, de nossos
antepassados.Qualquer cultura sempre produziu arte, seja nas formas
simples, como enfeitar o corpo com tinturas, seja nas formas mais
sofisticadas, como o cinema em terceira dimensão.
Através da arte,
como Boal nos disse somos levados a conhecer aquilo que não temos a
oportunidade de viver e de compreender as experiências vividas por
outros seres humanos. Quando no cinema sinto a emoção do surfista,
quando no teatro sinto o drama do preso político, quando frente às
telas de Portinari sinto a tragédia dos retirantes, descubro meus
sentimentos frente às situações não vividas. A arte, através da
auto-expressão, pode desenvolver o “eu” como importante ingrediente
da experiência. Como quase todos os distúrbios emocionais ou mentais
estão vinculados à falta de autoconfiança é fácil perceber como a
estimulação adequada da capacidade criadora pode ser um facilitador
no tratamento de tais distúrbios.
“VIVER NÃO É RELATÁVEL VIVER É
VIVÍVEL”
Clarice Lispector
São os nossos sonhos e nossos
projetos, nossos desejos, que movem nossa vida. É o que não temos
que nos faz trabalhar para alterar a “realidade”. Presos ao que já
existe, homens seriam idênticos aos animais que se adaptam ao meio,
sem utopias e transformações. A utopia, antes de ser a mera fantasia
dos loucos e poetas, é fundamental à construção do mundo moderno.
Atualmente os indivíduos
perderam, em grande parte, sua capacidade de identificação com o que
fazem. Poucos são os que podem assinalar a sua contribuição pessoal
para com a sociedade. A linha de montagem faz do homem, parte da
máquina. Ele não é parte essencial do planejamento ou do projeto de
um produto porque realiza uma função que não exige qualquer
habilidade.Indagações como quem sou eu? A onde vou? Ou o que
represento? Convertem-se num sério problema. Não é apenas a
juventude que está em busca de identidade. Embora não estejamos
felizes por estarmos sendo convertidos em números, é isto que vem
acontecendo tanto para conseguirmos a própria identidade, quanto
para o pagamento de impostos, para cobranças bancárias e até para
hospitalização e exames médicos.
Numa sociedade democrática, é
essencial que o indivíduo esteja capacitado para saber o que pensa,
dizer o que sente e ajudar a reconstruir o mundo que o cerca. A
necessidade de auto-identificação deveria ser a preocupação vital da
educação das crianças. Nosso sistema educacional faz muito pouco
para substituir a crescente perda de identidade do ser humano.
Quantas vezes, ultimamente,
temos nos perguntado: Por que? ... E se?... Infelizmente, com a
maturidade, perdemos a atitude inquisitiva da infância, quando não
dávamos trégua aos nossos pais, sempre querendo saber o porquê de
tudo.
Para Jean Piaget, educador e
cientista suíço, o principal objetivo da educação nas escolas
deveria ser a criação de homens e mulheres que sejam capazes de
realizar coisas novas e não, simplesmente, repetir o que outras
gerações já fizeram; homens e mulheres que são criativos, inventivos
e descobridores, que possam ser críticos e verificar, e não aceitar,
tudo que lhes é oferecido.
Segundo Rollo May, em “A arte
de criar”, a arte e a imaginação são, freqüentemente, tidas como o
“enfeite” do bolo e não como o alimento essencial à vida .Não é pois
de se admirar que se fale de “arte” no sentido do seu cognato
“artificial” como um luxo que nos ilude – um artifício.
O mundo das artes é
predominantemente, um mundo de criatividade porque o artista não
está diretamente ligado às convenções, aos dogmas e às instituições
da sociedade. O artista, assim como o artesão, tem uma expressão
criativa que é o resultado direto da liberdade.
Ao me referir à
criatividade,não estou falando de amadorismo, dos movimentos de
“faça você mesmo”, do pintor dos domingos ou de qualquer outra forma
de passatempo que inclua a arte. Nada contribui mais para a
alienação do senso de criatividade do que a idéia de que ela é algo
a ser feito nos fins de semana.
Criatividade não é, meramente,
uma questão de técnica e habilidade mas, sobretudo, de uma atitude
mental no trato de problemas e idéias.
A criatividade está presente no
trabalho do cientista, no do artista, no do músico, no do poeta e,
também, no relacionamento entre mãe e filho.
Para Winicott, pediatra e
psicanalista britânico da 2ª. Metade do século XX, a criatividade
tem a ver com uma capacidade que aparece na primeira infância e que
pode ser mantida a vida toda. Segundo ele, é a capacidade de criar o
mundo onde se vive. Quando o bebê tem condições razoavelmente boas
de vida, cria o mundo a seu redor e não se dá conta de que este
mundo já estava lá antes dele o ter criado.
O “viver criativo” não demanda
qualquer talento especial com a arte. Esse viver criativo, ou a
falta dele tem a ver com a presença, ou a falta, daquilo que mais
caracteriza o ser humano: a impregnação da realidade com o seu toque
pessoal.
Um exemplo de vivência criativa
é o trabalho feito a partir de sobras de material .Em quase todo o
Brasil, as mulheres mais humildes sabem fazer vistosas colchas de
retalhos, a exemplo dos conhecidos “quilts” americanos que foram
alçados à categoria de arte e que eram feitos pelas mulheres- mães,
filhas, avós, vizinhas- que, em geral, se reuniam à noitinha numa
calorosa roda de conversa para criar, com pedaços de tecidos
reaproveitados, composições que adquiriam notável valor estético. Os
valores que dominavam esses encontros agregadores não se voltavam
para criar uma obra a ser apreciada por ela mesma e, tampouco,as
mulheres se consideravam artistas. Os quilts eram feitos para
aquecer o corpo. Os mais apreciados circulavam pela família,
passando de mãe para filha. Nos encontros noturnos de criação
prevalecia, sobretudo, o código moral que primava pelo esforço do
convívio humano e apoio mútuo. Ainda na incrível experimentação de
criar com sobras de tecido, no Brasil, observa-se o interesse de
meninas em brincar com bonecas de pano que são verdadeiras obras de
arte, vestidas minuciosamente, com retalhos. Com escassos recursos
tecnológicos, sem o auxílio de complicadas máquinas e ajudado
somente por um instrumental muito simples, como agulha e linha,
prolongamento de suas próprias mãos, o artesão brasileiro é capaz de
imensa criação.
Ainda entre nós, encontramos
outros exemplos análogos de expressões que se sedimentaram sobre o
aprendizado e domínio técnico com sobras de material. Um desses
casos memoráveis é o célebre Vitalino que brincava com as sobras de
barro que surrupiava de sua mãe que era louceira e vivia de queimar
peças para melhorar o orçamento familiar..Vitalino faleceu em 1963 e
deixou escola. Seus filhos continuam sua obra. Isabel Mendes Cunha ,
do Vale do Jequitinhonha, que ficou famosa por suas bonecas de
barro, também iniciou suas criações com sobras de barro. Outra boa
lembrança é o trabalho de Artur Bispo do Rosário, nos anos de sua
internação na Colônia Juliano Moreira, no RJ, que transformava o
produto acabado, os lençóis, os uniformes, e o tecido das cortinas ,
em material personalíssimo para suas criações. Do pano chegava à
expressão mais simples, a linha, o fio com que criava seus mantos
bordados.
Voltando a citar Winicott,”criativo
é aquele que desfruta da existência de estar vivo”. Para ele, a
existência é a base para a ação. A ação criativa é a que nasce da
própria noção de existir. A criatividade é a vitória contra a vida
sem valor.
A ênfase em relação à
racionalidade,ao raciocínio tecnocrático e a confiança excessiva nas
formas de pensamento tradicional podem sufocar ou destruir esse
potencial. Não devemos perder de vista a extraordinária importância
que a evolução do pensamento criativo pode ter para nós, como
indivíduos e como sociedade pois oferece a mudança entre o que foi e
o que é, por um lado e o que poderia ter sido ou o que ainda está
por ser descoberto, por outro. Mais do que o resultado de uma
atitude produtiva, construtiva que se manifesta através de ações ou
realizações, a criatividade deve ser vista como uma contribuição
impar do indivíduo.
“O PROBLEMA NÃO É INVENTAR. É
SER INVENTADO HORA APÓS HORA E NUNCA FICAR PRONTA NOSSA EDIÇÃO
CONVINCENTE”.
Carlos Drumond de Andrade
Criatividade
é mais do que capacidade artística. É a maneira de se ter a vida nas
mãos e fazer dela uma passagem de tempo única, onde cada ato valha à
pena.
As oportunidades estão dentro
das mudanças
As mudanças estão dentro das
escolhas
As escolhas dentro do desejo
O desejo está dentro de nós.
Oportunidades
Lilibeth Taucei
"Quando fui convidada para falar neste evento, vivia dias de grande
inquietação, assolada pelo transtorno do pânico. Diante das
situações mais óbvias, mais corriqueiras, o que vivenciava era a
taquicardia, a ansiedade, as dores no peito, a sensação de nó na
garganta. A ausência do "viver criativo". A falta de mim
mesma.Tentei recuar apresentando como justificativa o meu
afastamento dos assuntos científicos e a minha incapacidade para
estar presente em eventos desse porte.Logo eu, que participei da
organização de tanto outros... Por insistência de amigos que me
garantiam que a experiência seria muito boa para mim e de que
eu seria capaz, resolvi aceitar. Daquele dia, até hoje, venho
reaprendendo o verdadeiro sentido de viver. Aos poucos, com o
tratamento e muito desejo de mudança, estou vencendo um grande
fantasma que me atormentava e ao qual chamava de "produtividade".
Ser produtiva era o que me cobrava. Ser "produtiva". Ser
"produtiva"...Daí ao caos. À morte da verdadeira vida, da vida
interior. Do espaço da criatividade. E é muito importante estar
falando sobre isso.
O aprendizado da vida criativa
é muito mais profundo do que, simplesmente, viver a vida sendo
criativa. Tenho a certeza disso.
“É importante lembrar que há,
sempre, o espaço para a transformação”.
“Tudo está em movimento e o
reino das possibilidades nunca se esgota”.
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