ARTIGO
O que se pode pensar na atualidade
sobre o sujeito? |
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O que se pode pensar na atualidade
sobre o sujeito?
Elisabete Cerqueira
Mancebo
Parece que na medida em que o sujeito não é bem
sucedido nas suas expectativas, nos seus anseios, os seus laços e os
seus compromissos consigo mesmo, com o próprio desejo e com os
outros ficam cada vez mais distantes de serem estabelecidos e
consequentemente de serem mantidos.
Desde o seu nascimento o sujeito quer ser
atendido nos seus instintos e desejos, mas este lugar de prazer
constante não é possível, assim entra em choque, por ter que
conviver com a frustração: a natureza pulsa e o social expulsa.
Surge a dor, o desprazer proveniente do conflito entre desistir do
desejo, substituí-lo, criar uma alternativa, fugir da realidade
através da criação de um mundo próprio.
A tentativa é encontrar saídas mediante a
ameaça de algum sofrimento, por não suportar a dor. O amor é uma das
formas mais eficientes de realização dos desejos e a felicidade é a
realização mais imediata desses desejos.
Para responder as expectativas criadas em
relação a si e ao outro, o sujeito busca alternativas para a sua
manutenção, que na verdade são arranjos para não perder, vivendo
assim a angustia de não poder se satisfazer e realizar os seus
desejos.
Na atualidade, observamos um descompromisso dos
sujeitos diante das próprias intenções, ou seja, das próprias
escolhas, por não suportar a frustração. O imediatismo da vida
provoca a recusa de entender o não, o limite. Parece que o sujeito
não reconhece e não compreende o que quer para si e não suporta
conviver e formar laços entre si. O homem produtivo é aquele que ama
e trabalha, mas mesmo assim é impossível ser feliz porque não se
pode ter tudo e qualquer escolha independentemente de boa ou má não
garante a concretização da mesma. Assim escolhe e não permanece nas
escolhas por não suportar a idéia de ser barrado nas normas e
regras criadas pela sociedade civilizada.
Com o propósito ainda de esclarecer a busca
humana na obtenção de felicidade, Freud, 1974, destaca que existem
sofrimentos que ameaçam o homem, que podem advir de três direções:
de seu próprio corpo, do mundo externo e de seus relacionamentos com
outros homens. Sendo esta última a forma mais penosa de todas. O Mal
Estar na Civilização é representado pelo mal estar nos laços
sociais.
Nas instituições fica evidente que os
instituídos não sabem lidar com aqueles que questionam as normas
apresentadas nas suas propostas, como se questionar estivesse no
lugar de não querer aceitar as normas. Ocorre um conflito entre a
demanda e o desejo causando um mal-estar, onde a demanda não é
explícita, se torna ambígua e os sujeitos não entendem o que
pretendem realizar. Os instituídos provocam e desenvolvem os
questionamentos nas instituições, mas quando os mesmos acontecem e
são usados pelos sujeitos, ocorre uma tentativa de não aceitação
destes questionamentos por causarem insegurança e demonstrarem uma
idéia de anarquia.
Se a demanda é que haja aprendizagem e que esta
se dê de acordo com as normas a serem seguidas por todos. A busca da
norma é para obter a totalidade e quando é aplicada sempre causa uma
divisão, pois sempre se encontra diferença entre a norma e o
particular de cada sujeito.
Se o objetivo é aprendizagem é necessário
contar com o desejo de aprender. Isso não se impõe, nem sempre
acontece no tempo previsto, ou seja, é atemporal e pode levar ao
sucesso ou bem como ao fracasso e frustração da situação. Então,
sendo atemporal o sujeito não realiza a expectativa do desejo
institucional no tempo estabelecido pela instituição, isto é não é
garantido qualquer que seja a proposta instituída.
No sujeito existe uma ilusão no seu pensamento
que traduz uma luta incessante e profunda, movida por uma utopia de
si e do seu processo de civilização. Será que nessa ilusão o sujeito
busca referências de desejos e padrões de qualidade de vida entre os
outros, para poder julgar e manter a rigidez de julgamento?
Uma importante fonte destas ideais foi a poesia
e a literatura, duas áreas de enorme influência na formação
intelectual do sujeito. Outra descoberta foi a psicanálise, pois
revela a natureza humana com as suas fragilidades, mas também
possibilita a descoberta das suas potencialidades. Ela reside também
na enorme capacidade intelectual de não se deixar aprisionar pelo
conhecimento e a moral.
Ousado, Freud desbravou fronteiras, enfrentou
batalhas, sofreu o peso da caminhada solitária e da incompreensão
dos seus pares. Com a psicanálise abriu um enorme horizonte,
produzindo um saber libertário e inquietante sobre a condição do
sujeito, mostrou caminhos nunca imaginados, iluminou as trevas e a
ignorância.
Aprender é uma construção do sujeito e requer
uma interpretação e representação pessoal da realidade. Aprendemos
na interligação dos laços sociais, nos conteúdos da cultura, nos
processos de interação e de comunicação, no desejo de aprender.
Assumir o papel ativo no processo de
reconstrução e construção do saber está relacionado com o desejo do
sujeito. Assim apreender, ou seja, armazenar conhecimento é
permanente, contínuo, constante e requer compreensão, cognição,
pensamento, linguagem, inteligência, atenção, percepção, memória,
representação, tomada de atitudes, decisões, solução de problemas e
criatividade.
As mudanças e incertezas constantes causam
mal-estar. O organismo acomodado, automatizado ao ver quebrado o seu
automatismo, sofre uma relação de desprazer e é preciso que o
sujeito use as informações que demandam habilidades relacionadas com
a capacidade de processar o saber.
O neurótico diz: “eu não sei”. Torna-se
neurótico por não suportar a frustração. Para saber é preciso
investigar e questionar. Todos os sujeitos aprendem o tempo todo.
Se não podemos afastar todo o sofrimento,
podemos afastar um pouco dele e mitigar outro tanto... (FREUD, 1974,
p.105)
O amor está presente no sujeito com as suas
diferenças e com os seus valores, expressos quando se vive situações
diversas.
A felicidade, contudo, é algo essencialmente
subjetivo (FREUD, 1974, p.108).
O progresso trouxe muitas formas de poder para
o sujeito, ampliando a qualidade de vida, mas de que vale o poder? O
poder trará a felicidade?
Resta saber como serão as relações dos
sujeitos com os avanços na civilização, os relacionamentos, a
liberdade, o encontro com a lei, a justiça, as quebras de
automatismos, a ordem, a limpeza, a sublimação...
A tentativa do sujeito é se libertar, mas não
haverá liberdade sem a angustia de viver e esperar pelo outro. Não
existe garantia de sucesso e resultado em qualquer processo de
aprendizagem.
Bibliografia:
Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. In:
Edições
Standard Brasileira das Obras Completas de S. Freud.
Rio de Janeiro: Imago Editora, 1970. Vol. XXI.
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