A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers
 
ARTIGO

 

ADOLESCÊNCIA, VIOLÊNCIA , A CULTURA DO CORPO E A PRAXIS RAMAIN-RAMAIN-THIERS

 Eliana Julia de Barros Garritano

  

Este artigo levanta considerações a respeito do sujeito adolescente no mundo contemporâneo, o culto promovido ao corpo, suas relações com a violência e a prática Ramain-Thiers.

A violência, considerada como um fenômeno social nos permite localizá-la em uma perspectiva histórica cultural. Plauto já escrevia nos primeiros anos da era cristã que “o homem é lobo do homem”, de certa forma prenunciando o que Freud enunciaria em 1920 com a pulsão de morte e a vontade de destruição presentes em todo sujeito. Os fenômenos de violência e segregação sempre existiram na história do homem, porém nos dias atuais parecem acirrar-se.

Freud ao construir seu mito da horda primeva já descrevia o surgimento da civilização a partir do parricídio, marcando sobremaneira o nascimento da cultura num ato de violência, tendo como decorrência a formação dos laços sociais e a instituição da lei.

Nas sociedades primitivas, por não possuírem um sistema de legislação organizado, a violência articulava-se à vingança e a preservação da honra.Os indivíduos eram submetidos às regras comunitárias então inquestionáveis, tendo a vida pouco valor em função da lógica social vigente. Na Idade Antiga a violência e a crueldade pertenciam a práticas ritualísticas sagradas ou a demonstração de força física. Espetáculos eram promovidos para que o público se deleitasse com os combates sangrentos nas arenas romanas.

Com o advento da expansão territorial a violência e a crueldade passam a serem tomadas como meio de conquistas, dissociando-se da honra e sob a hegemonia do Estado Absoluto e da Igreja, são criados espaços de colonização, dominação e poderio. O século XVIII marca um tempo de humanização onde a violência não mais se afirmava livremente, estando sujeita a sanções do Estado responsável pele coerção física, o que não garantia a renúncia ao uso da violência, apenas institucionalizando-a. A violência individual é substituída por leis penais e poderes políticos, ficando a sociedade sob a garantia e tutela do Estado e a reforma penal passa a ser orientada pela intolerância à arbitrariedade da punição corporal até então legitimadas.

Da antiguidade à contemporaneidade o que era natural passa a ser concebido como barbárie. O homem não mais legitima as práticas da crueldade, mas embora tenha criado leis não parece ter conseguido erradicá-la. A violência exercida, seja ela aberta ou dissimulada, fomenta a superação da diferença, desperta o medo e satisfaz o impulso à destruição.

O século XX marcado por duas grandes guerras mundiais retoma a prática da violência, através do retorno ao cenário mundial do holocausto, do genocídio e de múltiplas guerras civis em nome do poderio econômico. A ameaça da guerra como via de extermínio da civilização, traz a tona novos questionamentos. Frente a estes questionamentos a Liga das Nações e o Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual passam a promover um intercâmbio epistolar entre intelectuais, e um dos escolhidos é Albert Einstein. Curiosamente Einstein elege como seu interlocutor Freud, para cotejar suas idéias sobre a ameaça da guerra e o extermínio da civilização, por considerá-lo capaz de elucidar as questões levantadas, por seu profundo conhecimento da vida pulsional, asseverando existirem obstáculos que um leigo em ciências mentais pudesse entrever. Desta forma, o pai da física moderna, escreve a Freud levantando suas dúvidas e tecendo elaborações. A correspondência de entre ambos dá origem ao texto freudiano de 1933, Por que a guerra?.

Einstein pergunta se existiria alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra e se seria possível controlar a evolução da mente humana de modo a torná-la a prova das psicoses, do ódio e da destrutividade, sugerindo como fatores desencadeantes da violência o desejo de poder por parte dos governantes, o ódio e a destruição como inerentes ao homem. Em resposta Freud não propõe medidas práticas, mostrando-se de acordo com as considerações tecidas por Einstein, fazendo uma ressalva em relação à palavra “poder”, substituindo-a por “violência”. Segundo Freud poder e violência eram interdependentes, pois só existe poder onde existe a violência. Assevera que a resolução dos conflitos de interesse entre os homens toma como princípio a violência, descrevendo uma escala ascendente onde a força bruta é substituída pelo intelecto e o poderio das armas, evoluindo para a lei. A lei voltada a interesses de grupos hegemônicos causava insatisfação e intranqüilidade, pois os detentores do poder se colocavam acima da lei, e apoiados na violência estabeleciam uma relação contínua e progressiva.

Em relação ao ódio e a destruição, Freud se reporta ao texto de 1920 Além do princípio de prazer, comentando que Eros e Tanatos, amor e ódio, atração e repulsão, pulsão de vida e pulsão de morte estão presentes invariavelmente nas relações sociais, não havendo uma forma final de eliminar os impulsos agressivos do homem, mas sim a tentativa de desviá-los. Desvio operado por Eros que ao favorecer os vínculos entre os homens através do amor e da identificação, tornava-se o verdadeiro articulador dos laços emocionais. Embora considerando o progresso cultural como possibilitador de inibir a pulsão destrutiva, sua própria inibição tornava-se fruto de mal estar, por exigir renúncia da satisfação pulsional.

No texto de 1930, Mal-estar na civilização, Freud comenta a inquietação dos homens frente às suas descobertas possibilitadas pelo uso da razão na busca de uma supremacia sobre os limites impostos pela natureza, descobertas que poderiam exterminar a própria existência. Se o homem foi capaz de sobrepujar a natureza, em contrapartida, não mais poderia limitar o destino dos objetos criados, sob a ameaça de ganharem autonomia, impondo sua própria lógica. A aquisição e construção de objetos se desdobram, no mundo contemporâneo, como um risco de dispensarem o próprio sujeito, apontando para uma possível lógica de supremacia do objeto sobre o sujeito na criação de demandas constantes.

A lógica do capital, segundo Lacan, traz a promessa de uma relação direta e perene com o objeto de satisfação operando de forma a transmutar o indeterminado do desejo em necessidade. O risco de tal relação traz um engodo compensatório que desarticula o caminho do laço social, induzindo ao desenvestimento do laço.

Lacan estabelece o campo do gozo através de quatro discursos operadores do laço social onde, o poder, o saber, o sujeito e o gozo estão presentes em distintas articulações determinando formas de ato. Em Televisão (1974), se reporta ao mal estar contemporâneo formulando o quinto discurso, o discurso capitalista. Como uma variante do discurso do mestre, aponta pela primeira vez para uma possibilidade de relação direta entre o sujeito e o objeto como uma tentativa de apagamento do desejo. Sabemos que para a psicanálise o apagamento do desejo é uma tarefa impossível, visto ser o sujeito atravessado pela linguagem. O discurso capitalista, ao apoderar-se da labilidade do desejo, passa não só a criar, mas a variar objetos para o consumo rápido e descartável, gerando dependência. Lacan faz referência ao discurso capitalista como aquele que não produz laço social, pela inexistência de relação entre o agente e o outro, promovendo uma nova economia libidinal. A sociedade regida pelo capital alimenta sujeitos que impulsionados pela alienação, efeito de seu próprio discurso, tornam-se demandantes insaciáveis, onde o imperativo do consumir não deixa espaço à falta e portanto ao desejo. Ao forcluir a castração, o discurso capitalista não exige renúncia pulsional transformando-se em um discurso sem lei, e ao contrário de regular os laços entre os homens, os segrega num individualismo sem precedentes gerador de violência. A quebra do laço social impõe e instiga a pulsão de morte que desamalgamada de Eros, libera Tanatos para consumir o sujeito ao devastar seu desejo.

Na atualidade muito se tem discutido sobre a violência de uma forma geral e especificamente entre os jovens. As questões da adolescência têm ocupado foco de atenção na sociedade e o que antes se apresentava como um tempo de transição entre a infância e a vida adulta, parece ter mudado consideravelmente.

Não creio que a adolescência possa ser caracterizada por uma simples crise, pois isto me levaria a uma abordagem bastante reducionista. Os fenômenos que se escondem por trás das ditas “crises” apontam para uma libertação da violência e do poder. Os enunciados sociais, algumas vezes, expressam a idéia de uma juventude alheia ao sofrimento, em estado de alienação narcísica. Tais enunciados produzem uma espécie de evasão da responsabilidade social que com seu desamparo discursivo, fragiliza as ancoragens tão necessárias ao sujeito adolescente para a libertação de seu assujeitamento ao Outro. Podemos constatar que o adolescente contemporâneo é enaltecido por sua juventude estando esta atrelada aos significantes beleza, felicidade e vigor físico alheio a qualquer dor ou sofrimento psíquico. Quando o seu pathos é considerado, muitos ainda o localizam com isenção de qualquer sistema discursivo, passando a não considerar a ordem social de seu sintoma.

Embora o nascimento da adolescência, segundo Philippe Áries, seja decorrência do surgimento da moderna noção de família, seu conceito se afirma entre as duas grandes guerras mundiais, concomitante com o individualismo e a ascensão da mídia e do consumismo. Cabe ressaltar que o referido conceito afirma-se em um tempo de violência, destruição e horrores, estando referenciado a períodos bélicos onde a dor e a morte tornavam-se vizinhos vorazes. A juventude passa a ser, pela própria necessidade cultural, uma idealização coletiva, nascendo com a responsabilidade de fazer ressurgir uma cultura em crise e ameaçada pelos terrores da guerra, tornando-se depositária de múltiplas expectativas.

Segundo a psicanálise qualquer referência ao sujeito é atravessada pela singularidade em função do descentramento do desejo inconsciente e, em se tratando do sujeito adolescente não seria diferente. Embora saibamos que há tantas adolescências quanto adolescentes, podemos encontrar alguns significantes comuns em seu discurso, sendo um dos mais relevantes o corpo e sua imagem que se transforma.

A adolescência pode ser considerada como um paradigma dos impasses do sujeito, frente à confrontação com a incompletude. Muitas vezes ao abandonar o lugar de objeto narcísico do gozo do Outro parental, passa a objeto narcísico do Outro da cultura. Este tipo de submissão acarreta graves danos, pois se outrora os adolescentes foram capturados em nome da salvação patriótica, na contemporaneidade seu desejo é capturado em nome da salvação econômica.

O corpo do adolescente retoma à cena como foco ideal de completude e beleza, sendo tomado como objeto de primeira grandeza, passando a funcionar como indexador econômico, regulador de múltiplos investimentos. O interesse midiático pelas questões que envolvem o corpo adolescente pode ser expresso na quantidade de reportagens veiculadas abordando a estética e a juventude. É comum o uso da imagem do jovem na propaganda. À mídia é conveniente e lucrativo usá-la para vender seus produtos; o corpo jovem vende a moda, o lazer, o saber, chegando ao extremo mais perverso da exploração sexual.

A psicanálise nos ensina que o sujeito é produto do Outro da cultura, por se constituir em seu seio, sendo o campo do simbólico aquele que vem articular e organizar o imaginário e o real. Em nossa cultura o valor econômico torna-se um dos grandes pilares de sustentação, que orientada pelo modelo capitalista não cessa de produzir o objeto mercadoria. A pseudo liberdade de consumir revela muito mais uma prisão, pois em sua efemeridade provoca constante insatisfação.

Lacan afirma que o sujeito sai do Édipo como detentor de “títulos de propriedade no bolso”, títulos que serão guardados na latência e resgatados na adolescência. É em uma cultura impregnada de ideais narcísicos onde o jovem vai buscar ancoragem, cultura mesma que se apropria de seu corpo como paradigma ideal.

No Seminário, livro 17, O avesso da psicanálise, Lacan aborda os objetos produzidos para causar desejo, nomeando-os de latusas. O discurso capitalista não para de produzir latusas, capturando o desejo adolescente. Segundo o autor é preciso que o gozo seja recusado para que possa ser atingido, pois só atravessado pela castração o sujeito pode implicar-se com o seu desejo. Com tantas latusas tamponando a falta torna-se difícil a saida da adolescência visto que tudo o que é interessante e grandioso encontra-se circunscrito a este tempo, transformando a maturidade num horizonte longínquo e indesejável de ser alcançado. A este respeito, a cultura do corpo jovem imprime um assédio sobre o sujeito, onde o corpo torna-se passível de todo tipo de experimentação e uso tal qual uma vitrine constantemente devassada pelo olhar do Outro. Desta forma é criada uma submissão que controla e limita a subjetividade. Paralela à submissão nasce a punição a todo aquele que foge ao padrão estabelecido, gerando um enclausuramento na própria imagem e consequentemente fraturando as trocas simbólicas. A vertente disciplinadora propõe uma religião onde os mandamentos devem ser cumpridos e também vencidos pela competitividade, gerando adolescentes tão competitivos quanto violentos.

Acredito que a constituição do sujeito adolescente, na atualidade, esteja mais determinada pela via do imaginário, materializada por latusas do que por identificações operadas pela via simbólica. Se a adolescência oscila, por sua própria necessidade, entre o narcisismo e a alteridade, é nesta oscilação estrutural que o Outro da cultura deve oferecer novas possibilidades de inscrições pulsionais para que o jovem possa se afastar da utilização voraz e predatória de seu corpo.

A adolescência é caracterizada por um tempo de reorganização onde, as mudanças corporais e a assunção de papéis sociais exigem um intenso trabalho de elaboração psíquica. Freud já assinalava que a chegada da puberdade trazia consigo os investimentos objetais de épocas precoces revividos na puberdade. A partir das formulações psicanalíticas a adolescência é um tempo lógico em que se desvela a falta no Outro, pois que este não se mostra mais capaz de sustentar as idealizações do sujeito, nem o seu desamparo. O adolescente clama por novas identificações e novos suportes simbólicos que venham resignificar o seu imaginário fraturado.. É então necessário que o jovem se volte para um ordenamento de si próprio e defina metas para seu destino, o que deve levá-lo a realizar escolhas próprias.

A adolescência representa um momento especial na vida do sujeito e como tal exige acomodações e mudanças de costumes, o que gera, por si só uma metamorfose em seu papel social, sexual e afetivo. É um momento de conflito e angústia inerente ao vazio que emerge junto à necessidade de se fazer escolhas. Sabemos que para o adolescente não é fácil realizar escolhas, pois elas implicam na necessidade de assumir a responsabilidade por seus próprios atos, e para tal libertar-se do ideal estabelecido pelas figuras de autoridade. Significa, principalmente, afastar-se do narcisismo dos pais para buscar seu próprio sentido de ser.

O adolescente, ao contrário da criança, em função da própria necessidade de separação, já tem condições de escolher. Neste desligamento fatalmente irá defrontar-se com seus medos, inseguranças e desencantos, pois toda escolha implica na perda. Além disso, é difícil reconhecer o seu verdadeiro desejo, pois afinal, este parece estar sempre imiscuído no desejo do Outro. O Outro influencia, direciona, muitas vezes até decide pelo sujeito. Em uma luta sem tréguas, o adolescente expressa o temor de avançar, de crescer, pois o manter-se atrelado ao desejo do Outro, preserva o sujeito do medo inerente da perda do amor. Situação esta, que nos reporta ao mundo fantasístico do sujeito neurótico, pela negação do rompimento da célula narcísica e preservação da simbiose.

O fato é que quem faz uma escolha, pratica um ato que pressupõe um corte, assumindo assim, a responsabilidade por suas próprias decisões. Ao tomar uma decisão o sujeito adolescente vivencia uma situação que o remete à castração e ao não todo do desejo, o que faz emergir no sujeito adolescente a angústia da impossibilidade, da falta e da incompletude.

Então, a partir daí o jovem inicia sua empreitada pela vida, definindo seus objetivos, elaborando suas faltas, desenhando sua subjetividade e buscando trilhar um caminho de relativa autonomia. A maneira como cada sujeito vai lidar com a falta é o que vai determinar as   formas de lidar com suas escolhas, articulando ou não o desejo com a lei e libertando-se do nó da servidão imaginária.

Segundo a psicanálise qualquer referência ao sujeito é atravessada pela singularidade em função do descentramento operado pelo inconsciente. Embora saibamos que há tantas adolescências como adolescentes, constatamos em seus discursos alguns significantes comuns e um dos mais relevantes é o corpo e sua imagem que se transformam. Desta forma o sujeito adolescente é obrigado a se defrontar não somente com seu longo processo de escolhas, mas também, com as mudanças corporais relativas à puberdade e a pulsão que desperta na busca de novos objetos.

A adolescência, em seu despertar, torna-se um tempo de retomada do narcisismo e do estádio do espelho em função do abalo sofrido pela perda da imagem corporal infantil. O corpo torna-se desconhecido e fonte de angústia na medida em que é remetido à sexuação, à sexualidade, e a história libidinal e edípica da primeira infância.

Ao despertar da latência o adolescente necessita readquirir o júbilo narcísico que lhe confira uma nova unidade, em seu reencontro com a sexualidade. A estabilidade conferida até então é rompida, sendo o campo do simbólico aquele que irá ordenar tanto as vivências reais como imaginárias, pois é na cultura que o adolescente vai buscar novos suportes. Se por um lado, há sofrimento pela perda dos pais da infância, por outro, este trabalho de desligamento é o que irá permitir ao sujeito adolescente ter uma parcela de autonomia para sair em busca de seu desejo.

É na adolescência que o sujeito vai confrontar-se com os primeiros encontros imperfeitos tanto na cultura quanto na família.

Se o retorno ao narcisismo é necessário, para resignificar a imagem corporal danificada, este não é suficiente. A perfeição narcísica é então retomada pelos ideais que o sujeito adolescente tentará alcançar na cultura, estando a regulação do imaginário dependente de algo situado como transcendente, sendo esta transcendência a ligação simbólica entre os sujeitos. É o mundo da linguagem que produzirá a articulação entre o eu ideal e o Ideal do eu. As exigências ideais vão reorientar a vida pulsional e suas realizações também se tornam fontes de prazer, promovendo o laço social. A realização de ideais sublimados torna-se então um fator preponderante para o caminhar do adolescente. Desta forma é imprescindível à adolescência trilhar os caminhos da sublimação.

A práxis da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers tem como o seu principal pilar o corpo simbólico, como um lugar de inscrição do desejo, cuja expressão psicomotora representa uma via de representação pulsional possibilitadora da aproximação com o objeto perdido. O ato de criar, para Ramain-Thiers, visa a emergência do conflito psíquico em diferentes níveis simbólicos, como possibilidade de resignificação.

Suas propostas permitem ao adolescente vivenciar situações cotidianas, onde a criatividade enseja, pelo afastamento da verdade única e cristalizada, um corte com o saber instituído, condição única de dizer o inefável do real, resignificando o objeto para sempre perdido. Frente ao desamparo constitucional da adolescência, as propostas Ramain-Thires produzem, em sua ação, efeitos simbólicos outros que diferem da compulsão à repetição. As múltiplas possibilidades de construção são promotoras de saúde psíquica, pois, ao permitir uma abertura para o processo da sublimação minimizam a força do recalque, sendo este o caminho pulsional que configura a neurose.

O trabalho clínico com Ramain-Thires, através do Orientador Terapêutico para Adolescentes AD, favorece o inter-relacionamento da ação e emoção, estabelecendo um constante diálogo com a imagem corporal de forma a veicular a emergência do sujeito adolescente em suas vicissitudes.

A adolescência pode ser configurada como um tempo de recrudescimento ao Édipo, que tem como principais trabalhos psíquicos: a reconstrução da imagem corporal, o abdicar dos desejos edípicos incestuosos e hostis, o redespertar da sexualidade, o encontro com a partilha dos sexos e o desligamento da autoridade dos pais. Estas são tarefas do árduo trabalho da adolescência, na busca de um novo campo simbólico que lhe permita viver em coletividade e buscar de ideais sublimados.

Ramain-Thires ao privilegiar a liberdade de construção e a reparação, favorece o pensar criativo e, portanto à sublimação. As condições do setting, suas propostas, seu material multiexpressivo, possibilitam o caminho pulsional da sublimação, operando uma dinâmica de comunicação do inconsciente. O cenário Ramain-Thiers, pela característica atemporal do inconsciente, favorece à reedição da “outra cena”, onde conteúdos edípicos emergem, delineando uma situação privilegiada de resignificação.

Considero a Sociopsicomotricidade Ramain-Thires uma construção metodológica que permite um olhar e uma escuta multidisciplinar, voltados para as questões que envolvem o sujeito adolescente no mundo contemporâneo. Embora a adolescência, nos dias atuais, ocupe um lugar nos múltiplos campos do saber a sua bibliografia é escassa e recente.

Ramain-Thiers trabalha com o reconhecimento de mudanças de padrões sociais na busca de transformações que permitam ensejar novas construções, de forma a atender não só a adolescência, mas também, expandir o universo teórico prático de profissionais que consideram a importância da prática com adolescentes.

Ramain-Thiers ao considerar a proposta como a lei maior, nos fala da herança a paterna, lugar da falta, onde a adolescência pode ser configurada como um momento de acesso ao desejo, sendo a partir da separação e pela palavra que o desejo pode ser sustentado.

Se a adolescência oscila entre o assujeitamento à violência do gozo do Outro e a autoria como libertação, é nesta oscilação estrutural que o Outro da cultura deve oferecer novas possibilidades de inscrições pulsionais para que o jovem possa ultrapassar os muros do narcisismo. É o afastamento do suporte narcísico que possibilitará o trilhar de novos caminhos de escolhas, com as insígnias herdadas do Édipo. Podemos então inferir que todo sujeito adolescente é um Édipo que, tal qual na tragédia grega de Sófocles, se defronta com a busca de um saber e sai em busca de sua verdade, a partir da herança das marcas provenientes do campo do Outro.

Segundo Thiers (1998) a Sociopsicomotricidade “visa à compreensão do sujeito psíquico, que engloba o sujeito social, seu aprendizado de vida em coletividade, o respeito a si próprio, ao outro. Para Ramain-Thiers é impossível conceber o sujeito fora da sociedade.... .” (prólogo XIX)

A partir da constatação de que o corpo é o lugar privilegiado onde o adolescente vai resgatar novas formas de inscrição, tomar o corpo como um registro cultural e social é dotá-lo de suportes que permitam a emergência de sua singularidade e diferença, permitindo, desta forma, o estabelecimento de laços saudáveis com o coletivo. É no reconhecimento da diferença e da singularidade que podemos encontrar em Ramain-Thires uma dimensão ética para a experiência do sujeito adolescente. È o defrontamento com o engodo da promessa narcísica que permitirá ao adolescente autorizar-se na busca de seu desejo.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:           

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______. O Inconsciente (1915).  In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. 14, 1969. 

______. O Mal-estar na civilização (1930). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. 21, 1969. 

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______. Por que a guerra? (1933).  In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.22, 1969. 

______. Psicologia de grupo e a análise do ego (1921). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. 18, 1969. 

______. Repressão (1915).  In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.14, 1969. 

______. Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914).  In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.14, 1969. 

LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.   

______. “O estádio do espelho como formador da função do eu” (1949). In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 

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______. O Seminário, livro 4: A relação de objeto (1956/1957). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. 

______. O Seminário, livro 7: A Ética da psicanálise (1959/60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. 

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Eliana Julia de Barros Garritano

Especialista em Educação, Sociopsicomotricista, Fonoaudiólaga, Psicóloga, Psicanalista, Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade

 

COLEÇÃO
RAMAIN-THIERS

Leia o livro digital que você deseja
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Volume I
Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
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Volume II
A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
------------------------------------------------Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

------------------------------------------------Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

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