ARTIGO |
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ADOLESCÊNCIA,
VIOLÊNCIA , A CULTURA DO CORPO E A PRAXIS RAMAIN-RAMAIN-THIERS
Eliana
Julia de Barros Garritano
Este artigo levanta considerações a respeito do
sujeito adolescente no mundo contemporâneo, o culto promovido ao
corpo, suas relações com a violência e a prática Ramain-Thiers.
A violência,
considerada como um fenômeno social nos permite localizá-la em uma
perspectiva histórica cultural. Plauto já escrevia nos primeiros
anos da era cristã que “o homem é lobo do homem”, de certa
forma prenunciando o que Freud enunciaria em 1920 com a pulsão de
morte e a vontade de destruição presentes em todo sujeito. Os
fenômenos de violência e segregação sempre existiram na história do
homem, porém nos dias atuais parecem acirrar-se.
Freud ao construir seu
mito da horda primeva já descrevia o surgimento da civilização a
partir do parricídio, marcando sobremaneira o nascimento da cultura
num ato de violência, tendo como decorrência a formação dos laços
sociais e a instituição da lei.
Nas sociedades
primitivas, por não possuírem um sistema de legislação organizado, a
violência articulava-se à vingança e a preservação da honra.Os
indivíduos eram submetidos às regras comunitárias então
inquestionáveis, tendo a vida pouco valor em função da lógica social
vigente. Na Idade Antiga a violência e a crueldade pertenciam a
práticas ritualísticas sagradas ou a demonstração de força física.
Espetáculos eram promovidos para que o público se deleitasse com os
combates sangrentos nas arenas romanas.
Com o advento da
expansão territorial a violência e a crueldade passam a serem
tomadas como meio de conquistas, dissociando-se da honra e sob a
hegemonia do Estado Absoluto e da Igreja, são criados espaços de
colonização, dominação e poderio. O século XVIII marca um tempo de
humanização onde a violência não mais se afirmava livremente,
estando sujeita a sanções do Estado responsável pele coerção física,
o que não garantia a renúncia ao uso da violência, apenas
institucionalizando-a. A violência individual é substituída por leis
penais e poderes políticos, ficando a sociedade sob a garantia e
tutela do Estado e a reforma penal passa a ser orientada pela
intolerância à arbitrariedade da punição corporal até então
legitimadas.
Da antiguidade à
contemporaneidade o que era natural passa a ser concebido como
barbárie. O homem não mais legitima as práticas da crueldade, mas
embora tenha criado leis não parece ter conseguido erradicá-la. A
violência exercida, seja ela aberta ou dissimulada, fomenta a
superação da diferença, desperta o medo e satisfaz o impulso à
destruição.
O século XX marcado por
duas grandes guerras mundiais retoma a prática da violência, através
do retorno ao cenário mundial do holocausto, do genocídio e de
múltiplas guerras civis em nome do poderio econômico. A ameaça da
guerra como via de extermínio da civilização, traz a tona novos
questionamentos. Frente a estes questionamentos a Liga das Nações e
o Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual passam a
promover um intercâmbio epistolar entre intelectuais, e um dos
escolhidos é Albert Einstein. Curiosamente Einstein elege como seu
interlocutor Freud, para cotejar suas idéias sobre a ameaça da
guerra e o extermínio da civilização, por considerá-lo capaz de
elucidar as questões levantadas, por seu profundo conhecimento da
vida pulsional, asseverando existirem obstáculos que um leigo em
ciências mentais pudesse entrever. Desta forma, o pai da física
moderna, escreve a Freud levantando suas dúvidas e tecendo
elaborações. A correspondência de entre ambos dá origem ao texto
freudiano de 1933, Por que a guerra?.
Einstein pergunta se
existiria alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra e
se seria possível controlar a evolução da mente humana de modo a
torná-la a prova das psicoses, do ódio e da destrutividade,
sugerindo como fatores desencadeantes da violência o desejo de poder
por parte dos governantes, o ódio e a destruição como inerentes ao
homem. Em resposta Freud não propõe medidas práticas, mostrando-se
de acordo com as considerações tecidas por Einstein, fazendo uma
ressalva em relação à palavra “poder”, substituindo-a por
“violência”. Segundo Freud poder e violência eram interdependentes,
pois só existe poder onde existe a violência. Assevera que a
resolução dos conflitos de interesse entre os homens toma como
princípio a violência, descrevendo uma escala ascendente onde a
força bruta é substituída pelo intelecto e o poderio das armas,
evoluindo para a lei. A lei voltada a interesses de grupos
hegemônicos causava insatisfação e intranqüilidade, pois os
detentores do poder se colocavam acima da lei, e apoiados na
violência estabeleciam uma relação contínua e progressiva.
Em relação ao ódio e a
destruição, Freud se reporta ao texto de 1920 Além do
princípio de prazer, comentando que Eros e Tanatos, amor
e ódio, atração e repulsão, pulsão de vida e pulsão de morte estão
presentes invariavelmente nas relações sociais, não havendo uma
forma final de eliminar os impulsos agressivos do homem, mas sim a
tentativa de desviá-los. Desvio operado por Eros que ao favorecer os
vínculos entre os homens através do amor e da identificação,
tornava-se o verdadeiro articulador dos laços emocionais. Embora
considerando o progresso cultural como possibilitador de inibir a
pulsão destrutiva, sua própria inibição tornava-se fruto de mal
estar, por exigir renúncia da satisfação pulsional.
No texto de 1930,
Mal-estar na civilização, Freud comenta a inquietação dos homens
frente às suas descobertas possibilitadas pelo uso da razão na busca
de uma supremacia sobre os limites impostos pela natureza,
descobertas que poderiam exterminar a própria existência. Se o homem
foi capaz de sobrepujar a natureza, em contrapartida, não mais
poderia limitar o destino dos objetos criados, sob a ameaça de
ganharem autonomia, impondo sua própria lógica. A aquisição e
construção de objetos se desdobram, no mundo contemporâneo, como um
risco de dispensarem o próprio sujeito, apontando para uma possível
lógica de supremacia do objeto sobre o sujeito na criação de
demandas constantes.
A lógica do capital,
segundo Lacan, traz a promessa de uma relação direta e perene com o
objeto de satisfação operando de forma a transmutar o indeterminado
do desejo em necessidade. O risco de tal relação traz um engodo
compensatório que desarticula o caminho do laço social, induzindo ao
desenvestimento do laço.
Lacan estabelece o
campo do gozo através de quatro discursos operadores do laço social
onde, o poder, o saber, o sujeito e o gozo estão presentes em
distintas articulações determinando formas de ato. Em Televisão
(1974), se reporta ao mal estar contemporâneo formulando o quinto
discurso, o discurso capitalista. Como uma variante do discurso do
mestre, aponta pela primeira vez para uma possibilidade de relação
direta entre o sujeito e o objeto como uma tentativa de apagamento
do desejo. Sabemos que para a psicanálise o apagamento do desejo é
uma tarefa impossível, visto ser o sujeito atravessado pela
linguagem. O discurso capitalista, ao apoderar-se da labilidade do
desejo, passa não só a criar, mas a variar objetos para o consumo
rápido e descartável, gerando dependência. Lacan faz referência ao
discurso capitalista como aquele que não produz laço social, pela
inexistência de relação entre o agente e o outro, promovendo uma
nova economia libidinal. A sociedade regida pelo capital alimenta
sujeitos que impulsionados pela alienação, efeito de seu próprio
discurso, tornam-se demandantes insaciáveis, onde o imperativo do
consumir não deixa espaço à falta e portanto ao desejo. Ao forcluir
a castração, o discurso capitalista não exige renúncia pulsional
transformando-se em um discurso sem lei, e ao contrário de regular
os laços entre os homens, os segrega num individualismo sem
precedentes gerador de violência. A quebra do laço social impõe e
instiga a pulsão de morte que desamalgamada de Eros, libera
Tanatos para consumir o sujeito ao devastar seu desejo.
Na atualidade muito se
tem discutido sobre a violência de uma forma geral e especificamente
entre os jovens. As questões da adolescência têm ocupado foco de
atenção na sociedade e o que antes se apresentava como um tempo de
transição entre a infância e a vida adulta, parece ter mudado
consideravelmente.
Não creio que a
adolescência possa ser caracterizada por uma simples crise, pois
isto me levaria a uma abordagem bastante reducionista. Os fenômenos
que se escondem por trás das ditas “crises” apontam para uma
libertação da violência e do poder. Os enunciados sociais, algumas
vezes, expressam a idéia de uma juventude alheia ao sofrimento, em
estado de alienação narcísica. Tais enunciados produzem uma espécie
de evasão da responsabilidade social que com seu desamparo
discursivo, fragiliza as ancoragens tão necessárias ao sujeito
adolescente para a libertação de seu assujeitamento ao Outro.
Podemos constatar que o adolescente contemporâneo é enaltecido por
sua juventude estando esta atrelada aos significantes beleza,
felicidade e vigor físico alheio a qualquer dor ou sofrimento
psíquico. Quando o seu pathos é considerado, muitos
ainda o localizam com isenção de qualquer sistema discursivo,
passando a não considerar a ordem social de seu sintoma.
Embora o nascimento da
adolescência, segundo Philippe Áries, seja decorrência do surgimento
da moderna noção de família, seu conceito se afirma entre as duas
grandes guerras mundiais, concomitante com o individualismo e a
ascensão da mídia e do consumismo. Cabe ressaltar que o referido
conceito afirma-se em um tempo de violência, destruição e horrores,
estando referenciado a períodos bélicos onde a dor e a morte
tornavam-se vizinhos vorazes. A juventude passa a ser, pela própria
necessidade cultural, uma idealização coletiva, nascendo com a
responsabilidade de fazer ressurgir uma cultura em crise e ameaçada
pelos terrores da guerra, tornando-se depositária de múltiplas
expectativas.
Segundo a psicanálise
qualquer referência ao sujeito é atravessada pela singularidade em
função do descentramento do desejo inconsciente e, em se tratando do
sujeito adolescente não seria diferente. Embora saibamos que há
tantas adolescências quanto adolescentes, podemos encontrar alguns
significantes comuns em seu discurso, sendo um dos mais relevantes o
corpo e sua imagem que se transforma.
A adolescência pode ser
considerada como um paradigma dos impasses do sujeito, frente à
confrontação com a incompletude. Muitas vezes ao abandonar o lugar
de objeto narcísico do gozo do Outro parental, passa a objeto
narcísico do Outro da cultura. Este tipo de submissão acarreta
graves danos, pois se outrora os adolescentes foram capturados em
nome da salvação patriótica, na contemporaneidade seu desejo é
capturado em nome da salvação econômica.
O corpo do adolescente
retoma à cena como foco ideal de completude e beleza, sendo tomado
como objeto de primeira grandeza, passando a funcionar como
indexador econômico, regulador de múltiplos investimentos. O
interesse midiático pelas questões que envolvem o corpo adolescente
pode ser expresso na quantidade de reportagens veiculadas abordando
a estética e a juventude. É comum o uso da imagem do jovem na
propaganda. À mídia é conveniente e lucrativo usá-la para vender
seus produtos; o corpo jovem vende a moda, o lazer, o saber,
chegando ao extremo mais perverso da exploração sexual.
A psicanálise nos
ensina que o sujeito é produto do Outro da cultura, por se
constituir em seu seio, sendo o campo do simbólico aquele que vem
articular e organizar o imaginário e o real. Em nossa cultura o
valor econômico torna-se um dos grandes pilares de sustentação, que
orientada pelo modelo capitalista não cessa de produzir o objeto
mercadoria. A pseudo liberdade de consumir revela muito mais uma
prisão, pois em sua efemeridade provoca constante insatisfação.
Lacan afirma que o
sujeito sai do Édipo como detentor de “títulos de
propriedade no bolso”, títulos que serão guardados na latência e
resgatados na adolescência. É em uma cultura impregnada de ideais
narcísicos onde o jovem vai buscar ancoragem, cultura mesma que se
apropria de seu corpo como paradigma ideal.
No Seminário, livro 17,
O avesso da psicanálise, Lacan aborda os objetos produzidos
para causar desejo, nomeando-os de latusas. O discurso capitalista
não para de produzir latusas, capturando o desejo adolescente.
Segundo o autor é preciso que o gozo seja recusado para que possa
ser atingido, pois só atravessado pela castração o sujeito pode
implicar-se com o seu desejo. Com tantas latusas tamponando a falta
torna-se difícil a saida da adolescência visto que tudo o que é
interessante e grandioso encontra-se circunscrito a este tempo,
transformando a maturidade num horizonte longínquo e indesejável de
ser alcançado. A este respeito, a cultura do corpo jovem imprime um
assédio sobre o sujeito, onde o corpo torna-se passível de todo tipo
de experimentação e uso tal qual uma vitrine constantemente
devassada pelo olhar do Outro. Desta forma é criada uma submissão
que controla e limita a subjetividade. Paralela à submissão nasce a
punição a todo aquele que foge ao padrão estabelecido, gerando um
enclausuramento na própria imagem e consequentemente fraturando as
trocas simbólicas. A vertente disciplinadora propõe uma religião
onde os mandamentos devem ser cumpridos e também vencidos pela
competitividade, gerando adolescentes tão competitivos quanto
violentos.
Acredito que a
constituição do sujeito adolescente, na atualidade, esteja mais
determinada pela via do imaginário, materializada por latusas do que
por identificações operadas pela via simbólica. Se a adolescência
oscila, por sua própria necessidade, entre o narcisismo e a
alteridade, é nesta oscilação estrutural que o Outro da cultura deve
oferecer novas possibilidades de inscrições pulsionais para que o
jovem possa se afastar da utilização voraz e predatória de seu
corpo.
A adolescência é
caracterizada por um tempo de reorganização onde, as mudanças
corporais e a assunção de papéis sociais exigem um intenso trabalho
de elaboração psíquica. Freud já assinalava que a chegada da
puberdade trazia consigo os investimentos objetais de épocas
precoces revividos na puberdade. A partir das formulações
psicanalíticas a adolescência é um tempo lógico em que se desvela a
falta no Outro, pois que este não se mostra mais capaz de sustentar
as idealizações do sujeito, nem o seu desamparo. O adolescente clama
por novas identificações e novos suportes simbólicos que venham
resignificar o seu imaginário fraturado.. É então necessário que o
jovem se volte para um ordenamento de si próprio e defina metas para
seu destino, o que deve levá-lo a realizar escolhas próprias.
A adolescência
representa um momento especial na vida do sujeito e como tal exige
acomodações e mudanças de costumes, o que gera, por si só uma
metamorfose em seu papel social, sexual e afetivo. É um momento de
conflito e angústia inerente ao vazio que emerge junto à necessidade
de se fazer escolhas. Sabemos que para o adolescente não é fácil
realizar escolhas, pois elas implicam na necessidade de assumir a
responsabilidade por seus próprios atos, e para tal libertar-se do
ideal estabelecido pelas figuras de autoridade. Significa,
principalmente, afastar-se do narcisismo dos pais para buscar seu
próprio sentido de ser.
O adolescente, ao
contrário da criança, em função da própria necessidade de separação,
já tem condições de escolher. Neste desligamento fatalmente irá
defrontar-se com seus medos, inseguranças e desencantos, pois toda
escolha implica na perda. Além disso, é difícil reconhecer o seu
verdadeiro desejo, pois afinal, este parece estar sempre imiscuído
no desejo do Outro. O Outro influencia, direciona, muitas vezes até
decide pelo sujeito. Em uma luta sem tréguas, o adolescente expressa
o temor de avançar, de crescer, pois o manter-se atrelado ao desejo
do Outro, preserva o sujeito do medo inerente da perda do amor.
Situação esta, que nos reporta ao mundo fantasístico do sujeito
neurótico, pela negação do rompimento da célula narcísica e
preservação da simbiose.
O fato é que quem faz
uma escolha, pratica um ato que pressupõe um corte, assumindo assim,
a responsabilidade por suas próprias decisões. Ao tomar uma decisão
o sujeito adolescente vivencia uma situação que o remete à castração
e ao não todo do desejo, o que faz emergir no sujeito adolescente a
angústia da impossibilidade, da falta e da incompletude.
Então, a partir daí o
jovem inicia sua empreitada pela vida, definindo seus objetivos,
elaborando suas faltas, desenhando sua subjetividade e buscando
trilhar um caminho de relativa autonomia.
A maneira como cada sujeito vai lidar com a falta é o que vai
determinar as formas de lidar com suas escolhas, articulando ou
não o desejo com a lei e libertando-se do nó da servidão imaginária.
Segundo a psicanálise
qualquer referência ao sujeito é atravessada pela singularidade em
função do descentramento operado pelo inconsciente. Embora saibamos
que há tantas adolescências como adolescentes, constatamos em seus
discursos alguns significantes comuns e um dos mais relevantes é o
corpo e sua imagem que se transformam. Desta forma o sujeito
adolescente é obrigado a se defrontar não somente com seu longo
processo de escolhas, mas também, com as mudanças corporais
relativas à puberdade e a pulsão que desperta na busca de novos
objetos.
A adolescência, em seu
despertar, torna-se um tempo de retomada do narcisismo e do estádio
do espelho em função do abalo sofrido pela perda da imagem corporal
infantil. O corpo torna-se desconhecido e fonte de angústia na
medida em que é remetido à sexuação, à sexualidade, e a história
libidinal e edípica da primeira infância.
Ao despertar da
latência o adolescente necessita readquirir o júbilo narcísico que
lhe confira uma nova unidade, em seu reencontro com a sexualidade. A
estabilidade conferida até então é rompida, sendo o campo do
simbólico aquele que irá ordenar tanto as vivências reais como
imaginárias, pois é na cultura que o adolescente vai buscar novos
suportes. Se por um lado, há sofrimento pela perda dos pais da
infância, por outro, este trabalho de desligamento é o que irá
permitir ao sujeito adolescente ter uma parcela de autonomia para
sair em busca de seu desejo.
É na adolescência que o
sujeito vai confrontar-se com os primeiros encontros imperfeitos
tanto na cultura quanto na família.
Se o retorno ao
narcisismo é necessário, para resignificar a imagem corporal
danificada, este não é suficiente. A perfeição narcísica é então
retomada pelos ideais que o sujeito adolescente tentará alcançar na
cultura, estando a regulação do imaginário dependente de algo
situado como transcendente, sendo esta transcendência a ligação
simbólica entre os sujeitos. É o mundo da linguagem que produzirá a
articulação entre o eu ideal e o Ideal do eu. As exigências ideais
vão reorientar a vida pulsional e suas realizações também se tornam
fontes de prazer, promovendo o laço social. A realização de ideais
sublimados torna-se então um fator preponderante para o caminhar do
adolescente. Desta forma é imprescindível à adolescência trilhar os
caminhos da sublimação.
A práxis da
Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers tem como o seu principal pilar o
corpo simbólico, como um lugar de inscrição do desejo, cuja
expressão psicomotora representa uma via de representação pulsional
possibilitadora da aproximação com o objeto perdido. O ato de criar,
para Ramain-Thiers, visa a emergência do conflito psíquico em
diferentes níveis simbólicos, como possibilidade de resignificação.
Suas propostas permitem
ao adolescente vivenciar situações cotidianas, onde a criatividade
enseja, pelo afastamento da verdade única e cristalizada, um corte
com o saber instituído, condição única de dizer o inefável do real,
resignificando o objeto para sempre perdido. Frente ao desamparo
constitucional da adolescência, as propostas Ramain-Thires produzem,
em sua ação, efeitos simbólicos outros que diferem da compulsão à
repetição. As múltiplas possibilidades de construção são promotoras
de saúde psíquica, pois, ao permitir uma abertura para o processo da
sublimação minimizam a força do recalque, sendo este o caminho
pulsional que configura a neurose.
O trabalho clínico com
Ramain-Thires, através do Orientador Terapêutico para Adolescentes
AD, favorece o inter-relacionamento da ação e emoção, estabelecendo
um constante diálogo com a imagem corporal de forma a veicular a
emergência do sujeito adolescente em suas vicissitudes.
A adolescência pode ser
configurada como um tempo de recrudescimento ao Édipo, que tem como
principais trabalhos psíquicos: a reconstrução da imagem corporal, o
abdicar dos desejos edípicos incestuosos e hostis, o redespertar da
sexualidade, o encontro com a partilha dos sexos e o desligamento da
autoridade dos pais. Estas são tarefas do árduo trabalho da
adolescência, na busca de um novo campo simbólico que lhe permita
viver em coletividade e buscar de ideais sublimados.
Ramain-Thires ao
privilegiar a liberdade de construção e a reparação, favorece o
pensar criativo e, portanto à sublimação. As condições do setting,
suas propostas, seu material multiexpressivo, possibilitam o caminho
pulsional da sublimação, operando uma dinâmica de comunicação do
inconsciente. O cenário Ramain-Thiers, pela característica atemporal
do inconsciente, favorece à reedição da “outra cena”, onde
conteúdos edípicos emergem, delineando uma situação privilegiada de
resignificação.
Considero a
Sociopsicomotricidade Ramain-Thires uma construção metodológica que
permite um olhar e uma escuta multidisciplinar, voltados para as
questões que envolvem o sujeito adolescente no mundo contemporâneo.
Embora a adolescência, nos dias atuais, ocupe um lugar nos múltiplos
campos do saber a sua bibliografia é escassa e recente.
Ramain-Thiers trabalha
com o reconhecimento de mudanças de padrões sociais na busca de
transformações que permitam ensejar novas construções, de forma a
atender não só a adolescência, mas também, expandir o universo
teórico prático de profissionais que consideram a importância da
prática com adolescentes.
Ramain-Thiers ao
considerar a proposta como a lei maior, nos fala da herança a
paterna, lugar da falta, onde a adolescência pode ser configurada
como um momento de acesso ao desejo, sendo a partir da separação e
pela palavra que o desejo pode ser sustentado.
Se a adolescência
oscila entre o assujeitamento à violência do gozo do Outro e a
autoria como libertação, é nesta oscilação estrutural que o Outro da
cultura deve oferecer novas possibilidades de inscrições pulsionais
para que o jovem possa ultrapassar os muros do narcisismo. É o
afastamento do suporte narcísico que possibilitará o trilhar de
novos caminhos de escolhas, com as insígnias herdadas do Édipo.
Podemos então inferir que todo sujeito adolescente é um Édipo que,
tal qual na tragédia grega de Sófocles, se defronta com a busca de
um saber e sai em busca de sua verdade, a partir da herança das
marcas provenientes do campo do Outro.
Segundo Thiers (1998) a
Sociopsicomotricidade “visa à compreensão do sujeito psíquico, que
engloba o sujeito social, seu aprendizado de vida em coletividade, o
respeito a si próprio, ao outro. Para Ramain-Thiers é impossível
conceber o sujeito fora da sociedade.... .” (prólogo XIX)
A partir da constatação
de que o corpo é o lugar privilegiado onde o adolescente vai
resgatar novas formas de inscrição, tomar o corpo como um registro
cultural e social é dotá-lo de suportes que permitam a emergência de
sua singularidade e diferença, permitindo, desta forma, o
estabelecimento de laços saudáveis com o coletivo. É no
reconhecimento da diferença e da singularidade que podemos encontrar
em Ramain-Thires uma dimensão ética para a experiência do sujeito
adolescente. È o defrontamento com o engodo da promessa narcísica
que permitirá ao adolescente autorizar-se na busca de seu desejo.
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Eliana Julia
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Especialista em Educação, Sociopsicomotricista, Fonoaudiólaga,
Psicóloga, Psicanalista, Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade
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