REFLEXÃO |
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Gracias a la vida
Ando cantarolando muito uma música de
Violeta Parra, que começa assim; "gracias a la vida que ha dado
tanto", e fico fazendo meu exercício socrático pensando em quantas
coisas acontecem que nós esquecemos de agradecer.
O que você faz quando acorda pela manhã?
Se espreguiça e agradece por mais um dia, pelo sol que trará novas
possibilidades, pela pessoa que está ao seu lado (e a ela também,
por estar ao seu lado) ou acorda na pressa sufocante da hora
perdida, da voracidade temporal?
E ao levantar, cantarola uma musica, se
olha no espelho pelo simples prazer de se conhecer, ou veste uma
roupa murmurando compromissos urgentes, que não podem sequer esperar
a respiração se cadenciar?
A vida não em pressa, ela pode esperar,
ela precisa esperar. Nós é que apressamos demais a vida, trocando
qualidade por quantidade, escolhas por agilidade, prazer por
satisfação.
Em que estação do ano nós estamos? Sim,
sei que você acertou, mas porque lembrou do mês ou porque sentiu o
vento no rosto, o cheiro das flores, o calor do sol?
Nós aprendemos a organizar nossos
dias por compartimentos, como gavetas num grande armário. E o nosso
sentir? o que fazemos com ele? Sentimos bem pouco a nós mesmos,
conhecemos bem pouco nossos reais desejos, nossas verdadeiras
necessidades. Estamos vivendo sob a égide da banalidade, onde tudo é
igual, se faz igual e quer ser parecido (para não dizer também
igual) a um outro igual, em formas, gestos, cores..
Porque a similaridade nos atrai tanto?
Não acredito que os opostos se atraiam (eles se bastam, e como tudo
que se basta, basta por apenas um tempo, pois o homem precisa
extrapolar sempre, para dar sentido a vida), mas os similares sim...
Nos pareamos entre os iguais desde os mais remotos processos de
agrupamento social, pois precisamos reconhecer no outro aquilo que
nosso espelho não nos mostra porque não dedicamos a ele o tempo
necessário de nos mostrar por inteiro.
Para me conhecer preciso me entregar por
inteira a minha verdade, sem desculpas tolas ou justificativas
pseudo-plausíveis, mas via de regra, nos pegamos sistematicamente
nos boicotando no nosso próprio processo de reconhecimento, mentindo
para o espelho como se ele fosse o algoz mais cruel que pudesse
existir.
E nessa roda viva de vida, esquecemos de
agradecer... pelo sol, pelo ar, pelo sorriso de um filho, pelo
cheiro doce de um amor, pela chama de uma paixão, pela dor que nos
amadurece, pela hora ganha quando parece que iamos perdê-la, pelos
nossos amores, pelos nossos amigos, pelos nosso prazeres, pelos
nossos gozos... por tudo que está além da banalidade do cotidiano.
Nos engessamos em rotinas, padrões,
modelos, conceitos, horários e esquecemos de dignificar nossos dias,
todos eles, com um sorriso, um obrigada, um copo d´agua bebido
lentamente para matar sede do corpo, um beijo dado lentamente para
mater a sede da alma, um vento doce no rosto, uma musica querida que
toca no meio do engarrafamento, um amigo de muitos anos, um
reencontro esperado, um reencontro inesperado... a vida está ai,
acontecendo a cada momento, pedindo para ser celebrada, comemorada,
aplaudida e nós, na nossa limitada visão temporal, estamos esperando
sempre que o grande finale aconteça, para que possamos então
aplaudi-la comoda e disciplinadamente.
A vida transborda, extrapola,
pluraliza... e já que estamos nela e com ela, ergamos nossas taças e
brindemos aos nossos dias!
Gracias,
Karenina Azevedo
Coordenadora e Sociopsicomotricista em Salvador |