III
ENCONTRO
INTERATIVO
DE EMPRESAS: |
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Problemas relacionados às questões
de álcool, tabaco e outras drogas no local de trabalho
Mesa Redonda: O papel da família em
frente ao uso/abuso e dependência do álcool e outras drogas
A RELAÇÃO DO ADOLESCENTE USUÁRIO DE
DROGAS COM A FAMÍLIA
Manon
Andrade de Melo
Iniciei os estudos sobre esse
tema durante o curso de especialização em Assistência a Usuários de
Álcool e Drogas do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido
de Drogas – PROJAD, do Instituto de Psiquiatria – IPUB, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Durante esse período
dediquei-me ao estudo da relação entre a mãe e o filho toxicômano,
sendo esse o tema da minha monografia de conclusão do curso. Esse
trabalho foi baseado nos estudos desenvolvidos dos autores Winnicott
e Elizabeth Palatnik, sendo essa a orientadora da minha monografia.
Atualmente estou atuando no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção
ao Usuário de Drogas – NEPAD/UERJ, atendendo o grupo familiar
inclusive o adolescente usuário de droga. Nessa apresentação farei
um recorte do adolescente usuário de drogas dentro do seu grupo
familiar.
Para falar do adolescente é
preciso compreender as transformações biopsicossociais pelas quais o
jovem passa nesse período. Nessa apresentação, nos deteremos nas
transformações psicossociais.
Sabemos que de todos os seres
vivos, o homem é o que necessita de mais cuidados para sobreviver. O
bebê é um ser humano imaturo e extremamente depende em relação ao
ambiente físico e emocional, sendo-lhe impossível sobreviver sem os
cuidados de alguém. Winnicott explica que ao nascer, o bebê
apresenta uma dependência absoluta do outro (mãe ou seu
representante). Mesmo nesta dependência, segundo o autor, também é
independente, já que nasce com o “potencial herdado”, que consiste
na capacidade inata para crescer e se desenvolver.
Com o passar do tempo, o
estágio da dependência absoluta vai se transformando, possibilitando
que o vinculo tenha uma “dependência relativa”, atingindo a
interdependência, ou seja, “o individuo normal não se torna isolado,
mas se torna relacionado ao ambiente de um modo que se pode dizer
serem o individuo e o ambiente interdependente” (Winnicott,1983:80).
Esse processo, caso funcione bem em todos os seus estágios, pode ser
considerado o maior indicador e a garantia de normalidade e saúde.
Esse fato é demonstrado de forma expressiva durante os períodos de
rápido e vigoroso desenvolvimento e adaptação, como no caso da
infância e da adolescência.
A adolescência, período que
separa a infância da vida adulta, se caracteriza por diversos
episódios de desequilíbrio e de ruptura. A crise da adolescência
expressa dois movimentos essenciais do sujeito: como metabolizar
psiquicamente as mudanças do real do corpo, advindas da eclosão da
sexualidade e como responder de outro lugar às exigências sociais,
como a escolha profissional e a busca de autonomia. Como busca de
autonomia nos reportamos aos jogos identificatórios do sujeito,
especialmente em relação ao movimento de submissão ao desejo do
outro e de assumir seus próprios desejos. É nessa fase, segundo
Freud (1905,p.234), que se efetua o mais importante e doloroso
trabalho psíquico, o desligamento da autoridade dos pais. Esse
trabalho possibilita fazer o luto pela separação dos pais e perda da
infância, essencial à possibilidade de substituição dos objetos
originais e a busca de ideais. Lembro da fala de uma adolescente
durante a sessão familiar. “Meus pais eram tudo pra mim, meus
ídolos, principalmente minha mãe, eu queria ser como ela, mas agora
vejo que ela não nada daquilo que pensei, é fraca aceitou meu pai de
volta depois de tudo que ele fez.”
É importante ressaltar que
os pais também devem fazer o mesmo trabalho de luto em relação a
seus filhos. O laço que une a relação de dependência se faz presente
de ambos os lados. Esse processo é particularmente doloroso e
difícil, tanto para os pais como para o filho adolescente, na
maioria das vezes o distanciamento é ressentido como abandono.
É preciso identificar na
aparente rebeldia do adolescente, além de um pedido de autonomia,
mas também, um chamado da presença dos objetos importantes (os
pais), com os quais poderão estabelecer outras formas de relação. A
ruptura não significa necessariamente um pedido de afastamento, mas
é preciso romper para estabelecer nova forma de relação com os pais
e no ambiente social.
Muitos pais, não suportando a
desvinculação interna, isto é, não podendo lidar com a perda da
função paterna da infância, ou por conflitos de outra natureza,
desenvolvem um sistema, por exemplo, de dupla mensagem. Estimulam a
emancipação, a autonomia, e ao mesmo tempo mantêm excessivo controle
sobre o adolescente, como forma de resolver suas ansiedades, dentre
essas, o uso de drogas por parte dos filhos.
A crise do adolescente
interfere na dinâmica familiar e conjugal. Ela pode contribuir no
desencadeamento de conflitos até então latentes na relação entre os
pais. Podemos observar, por exemplo, alianças entre pai e filha
contra a mãe, como relata uma mãe durante o atendimento de família:
“Meu ex-marido apóia minha filha, desqualificando a minha
autoridade, como dormir na casa de pessoas que sou totalmente contra
porque sei que lá a droga rola a solta.”
Durante toda essa crise de
identidade, o adolescente pode se deparar com a droga e fazer uso
eventual como forma de aliviar as inibições e viver situações novas
e desconhecidas. Vejamos o relato de um adolescente durante o
atendimento da família: “Quando vou a festa preciso beber cerveja
para me soltar e ter coragem de ficar com as meninas.” Outros
fatores podem motivar o adolescente ao uso das drogas tais como: por
prazer, por curiosidade, por desafia a morte, como mostra a
reportagem da revista Cláudia (abril,2006), A Tragédia do Amor
Bandido nas Famílias Carioca: o romance entre garotas de classe
média e traficante. Vejamos o questionamento de um pai durante o
nosso atendimento para a filha adolescente e que vive uma relação
tumultuada com o namorado. “Não sei por que você aceita as agressões
do seu namorado, você não percebe os riscos que está correndo?”
Algumas vezes, o adolescente usa droga para se sentir aceito no
grupo e assim se identificar com seus pares. Essa motivação fica
clara no dizer de uma adolescente: “Uso maconha quando estou com os
meus amigos, ela é o elo social que nos une.”
Mas dentre as motivações que
levam o adolescente ao uso/abuso das drogas, a transgressão é a que
causa mais conflitos na dinâmica familiar. Para Oliveira (1988:30),
o uso da droga pode funcionar como forma de transgredir as normas,
de desafiar a capacidade dos pais de dizerem e sustentarem o não, de
contestar o mundo dos adultos, sendo contra os princípios e valores
que fundamentam a vida em sociedade. Por medo de não conseguir
entrar na sociedade dos adultos, o adolescente burla a lei social.
É necessário diferenciar
vários tipos de adolescentes usuários de drogas, que vai da
experimentação, geralmente por curiosidade, deixando os pais
apreensivos, passando pelo uso recreativo ocasionais, atingindo
assim a dependência. Nessa fase, a droga é quase justificativa para
viver, comprometendo todo o desenvolvimento normal do adolescente.
As famílias atendidas por nós
relatam as dificuldades de relacionamento com seus filhos surgiram
quando esses chegaram à adolescência. O que os pais não percebem é
que esses problemas não são do tipo “geração espontânea” (Schenker,2003:209),
tendo sido desenvolvido ainda na infância. A mesma autora pontua que
o sistema familiar do toxicômano é um sistema juvenil, estacionado
na pré-adolescencia ou na adolescência, independente da idade
cronológica dos seus membros. Esse sistema familiar tem dificuldade
para crescer, de permitir que seus filhos lutem pela sua
individuação. O adicto é “o problema da casa ou o sacrificado da
família, pela família aquele que não cresce, mantendo assim a
família à sua volta” (Schenker, 2003:212). Assim como a autora, nós
também percebemos em algumas famílias que o uso de droga por parte
do adolescente mantêm os pais unidos, mascarando os conflitos
conjugais do casal.
O nosso trabalho com as
famílias dos adolescentes usuários de drogas consiste em propiciar
um espaço de escuta onde o adolescente e seus pais possam falar de
suas angustias e temores, abrindo assim a possibilidade de um
dialogo genuíno, já que em casa freqüentemente isso é quase
impossível devido os conflitos constantes.
Sabemos o quanto esse tema é
complexo e vasto, sendo impossível responder todas as nossas
dúvidas. É importante ressaltar que nem todos os adolescentes buscam
a droga como forma de aliviar os conflitos internos.
BIBLIOGRAFIA
INEM,
C. L. “Adolescência e suas vicissitudes: impasses do desejo”.
In: CRUZ M. S. e FERREIRA, S. M. (orgs). Álcool e Drogas: uso,
dependências e tratamentos. RJ: Edições IPUB/CUCA, 2001
OLIVEIRA, J. A. “A adolescência e o uso de drogas”. In:
BUCHER, R. (orgs), A sociedade, a escola e a família dinate das
drogas. SP: EPU, 1988.
SCHENKER,
M. “A família na toxicomania.” In:CRUZ, M. S., BAPTISTA, M.,
MATIAS, R. e cols.Drogas e Pós-Modernidade: prazer, sofrimento e
tabu. RJ: Ed. UERJ, 2003.
WINNICOTT,
D. W. “A Família e o Desenvolvimento e o Individual”. SP:
Martins Fontes.
Manon Andrade de Melo
Pedagoga/Psicopedagoga/Socioterapeuta Ramain-Thiers/ Especialista
em Saúde Mental-Assistencia a Usuários de Álcool e Drogas IPUB/UFRJ |