Vol. XV: Vitrais 100 - nov 2022 

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers

ISSN 2317-0719

VITRAIS
Vol. XV: Vitrais 100 - nov 2022

 

Editorial

Notícias

Literatura

Roberto Shinyashiki

 

Artigo

Elaine Thiers e Elisabete Cerqueira

 

Reflexão

Manoel de Barros

 

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elisabeteccerqueira@yahoo.com.br


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Literatura

 

Levava uma vida sossegada

 

Por: Roberto Shinyashiki

 Médico. Psiquiatra. Pós-graduado em Administração de Empresas- MBA-USP. Doutor - USP. Escritor.

 

Levava uma vida sossegada

Gostava de sombra e água fresca

Meu deus, quanto tempo

Eu passei sem saber?

 

Foi quando meu pai me disse: “Filha

Você é ovelha negra da família

Agora é hora de você assumir

E sumir!”

 

          Rita Lee cantou maravilhosamente a alma da gente: chega uma hora que é assumir e sumir. Não dá mais para esperar. É partir para a vida, criar o seu destino. A sua crisálida já rompeu e não dá mais para voltar a ser lagarta. Agora é abrir as asas e voar.

          Seu desafio nesse momento é se transformar na pessoa que você quer ser.

          Agora é hora de construir sua vida do jeito que sempre sonhou.

          Agora é hora de escrever a história da sua vida!

          Ou, em outras palavras, é hora de começar a sua jornada de herói.

          Talvez você esteja passando por um grande desafio neste momento, e se tiver a coragem de enfrentá-lo, sua vida nunca mais será a mesma.

          Qual é o seu desafio:

          O casamento ou o fim do amor da sua vida?

          A formatura da faculdade ou uma demissão no emprego

          O início de uma empresa ou a falência do seu negócio?

          Na nossa vida existem marcos que dividem o antes e o depois. Vou dar um exemplo, para explicar melhor essa ideia.

          Quando descobri minha vontade de ser psiquiatra, matriculei-me em um cursinho para vestibular em Medicina. Alguns meses depois, entrei na faculdade.

          Naquele momento, decidi que também era hora de deixar de viver de mesada que meu pai me dava e procurei formas de ganhar algum dinheiro. Comecei a dar aulas particulares, mas a grana era curta. Logo depois, descobri que os cirurgiões da faculdade precisavam de assistentes nas cirurgias e eles davam uma pequena ajuda financeira para os alunos que auxiliavam. Percebi que o dinheiro que poderia ganhar em cada cirurgia era mais do que eu ganhava em um dia inteiro dando aulas.

          Fuiprocurar informações sobre como entrar nesses grupos de cirurgia e descobri que o doutor Célio Gayer, o mais importante cirurgião da cidade, tinha um grupo de assistentes que eram selecionados por meio de um concurso realizado entre o segundo e o terceiro anos de faculdade. O conteúdo da prova era Anatomia Humana. Então fui ser monitor de Anatomia, para aprender o máximo possível sobre o assunto. Passei no concurso em primeiro lugar e comecei a participar das operações. Com isso também fui aprendendo a realizar cirurgias e, às vezes, os médicos solicitavam que eu as assumisse sozinho.

          Continuei me dedicando a estudar Psiquiatria, porque sabia que esse era o meu caminho, mas já estava ganhando um bom dinheiro operando. Os convites para fazer cirurgias eram cada vez melhores e mais frequentes e minhas escalas para plantões de pronto-socorro aumentavam a cada dia. Eu estava totalmente envolvido com cirurgia, mas meu coração pertencia à Psiquiatria.

          Resolvi me casar e a necessidade de dinheiro aumentou, prendendo-me ainda mais à área cirúrgica. Fiquei com receio de nunca conseguir me dedicar à minha verdadeira vocação. Sentia-me vítima do destino porque não tinha tempo para dedicar-me ao que eu realmente queria.

         Até que um dia disse para mim mesmo: a parir do mês que vem não vou dar mais plantão em pronto-socorro. Organizei minhas finanças como pude e entrei de cabeça.

          Era agora ou nunca!

          Montei meu próprio consultório e comecei a atender meus pacientes. No início tinha medo de trabalhar sozinho, mas, ao mesmo tempo, sentia-me feliz por conseguir realizar meus sonhos.

          Foi quando minha esposa engravidou. Não era o momento ideal para sermos pais, pois o dinheiro ainda era escasso, mas era um filho desejado. Então, comecei a trabalhar também com pacientes terminais em hospitais para completar o orçamento.

          O garoto nasceu lindo. Mas, é claro, as despesas aumentaram. Por sorte, nessa época, surgiu uma nova oportunidade de trabalhar e fazer Psicoterapia em pacientes com câncer. Segui em frente, cada dia mais perto da minha vocação.

          Alguns meses depois, tivemos uma terrível notícia: o diagnóstico de que nosso bebê sofria de uma doença gravíssima, com uma expectativa de pouco tempo de vida. Meu Deus do céu! A única possibilidade de ele viver seria com tratamentos caríssimos, que eu não teria como pagar. Mas continuei em frente, sempre acreditando que o dinheiro necessário chegaria no momento certo. E eu precisava dar um jeito de ganhar mais.

Comecei a dar cursos de psicoterapia. Trabalhava todos os sábados e domingos, todas as noites, todas as tardes. Nunca trabalhei tanto na minha vida.

          Apenas não trabalhava durante as manhãs, pois elaseram reservadas para levar meu filho Leandro para os tratamentos.

          O tempo passou, Leandro sobreviveu à doença e minha rotina ficou mais calma.

          Hoje me lembro dessa fase de minha vida, incluindo a passagem de cirurgião para psiquiatra, com muito orgulho. Nesse processo de beber do cálice da provação, percebi minha verdadeira força interior. Também descobri amigos maravilhosos e principalmente aprendi a valorizar as amizades verdadeiras.

          Antes do tratamento de meu filho, eu me sentia preso à impossibilidade de largar as cirurgias e me dedicar à minha vocação como psiquiatra. Sentia-me incapaz de ganhar o dinheiro necessário para levar uma vida decente. Mas, no momento em que respondi ao chamado da vida, comecei a entrar em contato com minha força interior. E depois do drama que vivi passei a acreditar que os problemas são sempre menores do que parecem quando se tem a coragem de enfrentá-los.

          A partir dessa época, o Roberto transformou-se no Roberto Shinyashiki.

          Alguns momentos estão destinados a ser marcos inesquecíveis na sua vida. Basta ter a coragem de ir sempre em frente, encarar os desafios, superar os obstáculos, escutar os bons companheiros de viagem, deixar para trás os convites do mal e criar a sua vida da maneira que você quiser.

          Tenha sempre a certeza de que você é maior do que imagina.

  

REFERÊNCIAS

SHINYASHIKI, Roberto. Sempre em frente. 2ª ed.São Paulo: Editora Gente, 2008.